Não há como negar que o momento é de emergência, mas a pandemia do coronavírus está servindo como justificativa para um verdadeiro vale-tudo nos gastos da Saúde do governo de Wilson Witzel. Agora, o estado está banalizando uma modalidade de compra ainda mais radical do que a simples dispensa de licitação.
Mesmo quando não há concorrência, o normal é que exista ao menos uma pesquisa de preços de mercado, que possa minimamente embasar as compras. Nos últimos dias, porém, já surgem diversos casos que não têm seguido sequer este rito. E mais: não existe restrição somente a itens médicos específicos.
O blog localizou no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do estado, por exemplo, processos de aquisição de 20 mil frascos de 5 litros de sabonete líquido e 30 mil fardos de papel higiênico com oito unidades cada em que foram dispensados levantamentos de preços.
Ou seja, desta forma é possível comprar um item banal em grande quantidade simplesmente escolhendo uma empresa, sem qualquer comparação com concorrentes.
É uma espécie de dispensa de licitação 2.0.
Possível X impossível
Todas essas compras vêm tendo como base um documento padrão assinado pelo subsecretário executivo de Saúde, Gabriell Neves. Conforme mostrou o blog na semana passada, o advogado está sendo acusado na Justiça de ter dado um golpe de mais de R$ 200 mil numa cliente idosa.
No documento, ele cita um decreto publicado pelo governador Wilson Witzel no dia 25 de março, que diz que a “estimativa de preços deverá ser obtida, sempre que possível, mediante três fontes de referência”. Como o texto fala em “sempre que possível”, deixou a brecha para que até papel higiênico e sabonete entrem na categoria do impossível.
Também é mencionada uma Medida Provisória do governo federal, de 20 de março, que diz que “excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços”.
Na prática, com simples canetadas do subsecretário, o que deveria ser excepcional pode caminhar para se tornar uma regra em tempos de pandemia.
Papel toalha e álcool
Ainda não é possível saber exatamente quanto está sendo gasto nesses moldes de compra. O blog não conseguiu localizar nenhuma nota fiscal decorrente deste processo de dispensa de licitação turbinado em processos públicos do governo.
Além de papel higiênico e sabonete líquido, já foram iniciadas desta forma as aquisições de 35 mil fardos com oito unidades de papel toalha, 30 mil caixas com dez lençóis descartáveis e 50 mil frascos de 500 gramas de álcool em gel. Também há materiais como agulhas de seringas e soro fisiológico.
Ao todo, a reportagem achou pelo menos 37 itens, cujos processos de compra aos milhares foram iniciados com base no documento que permite que não haja a pesquisa de preços.
O mistério dos testes
Outro ponto delicado nas compras da Secretaria de Saúde é a falta de publicidade dos processos. Nesta quinta (2), o secretário de Saúde, Edmar Santos anunciou em entrevista coletiva que a partir da semana que vem já começarão a ser feitos testes rápidos para Covid-19 num sistema “drive-thru”, ainda a ser definido.
Segundo reportagem do site G1, o estado já adquiriu 1,2 milhão de testes, dos quais 700 mil estão chegando ainda esta semana.
Apesar disso, o blog não localizou nenhuma publicação em Diário Oficial em que conste essa compra. Só há documentos no SEI, que falam na aquisição de 600 mil kits de testes, mas cuja última movimentação disponível é de 26 de março. Todos têm a assinatura de Gabriell Neves.
Nesses poucos documentos disponíveis, não há como o cidadão fluminense saber por quanto, como e de quem o governo adquiriu os kits.
Nos hospitais, editais errados
Além de coordenar as compras da Secretaria de Saúde, Gabriell Neves também está à frente da transferência que foi feita às pressas dos hospitais Zilda Arns e Anchieta para Organizações Sociais (OSs).
Conforme mostrou o blog, a seleção das entidades ocorreu em 24 horas e os editais tinham datas erradas para a apresentação de propostas.
A reportagem vem tentando contato por e-mail há vários dias com a Secretaria de Saúde, mas não houve retorno.
*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de uso de sabonete líquido / Anna Shvetz
Muito provavelmente eles até façam uma pesquisa, porém, de maneira muito simples: eles catam uma página da Internet com o produto pelo preço unitário.
Mas aí vem o lance. Não pegam o site com o produto mais barato. Pois já tem uma empresa escolhida.