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Gestão Crivella termina sem controle de remunerações acima do teto

Prefeitura do Rio já pagou R$ 400 mil em gratificações a secretários

“Isso não vai existir mais”. A frase categórica foi dita no dia 11 de maio de 2017 pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella, em vídeo publicado em sua página no Facebook. O alcaide se referia a remunerações de funcionários do município acima do teto, o que se chama no senso comum de “supersalários”. 

O discurso era de austeridade diante de um momento de crise financeira. Um decreto assinado por Crivella naquela época passava a estabelecer que nenhum servidor poderia receber mais do que R$ 31.914,03 por mês. E isso levando em conta gratificações, jetons e afins. 

A medida tinha como base uma lei municipal de 2004, que determina como valor máximo do subsídio do prefeito e de seu vice 81,22% do que recebem os ministros do STF (atualmente R$ 31.914,03). Crivella então ratificou este limite como teto geral do funcionalismo e o tornou mais duro, enquadrando nele todas as eventuais verbas adicionais. 

No papel, tudo muito bonito. Na prática, com a atual gestão chegando ao fim, não dá para se dizer o mesmo. 

191 casos

Numa espécie de prova de resistência realizada nas últimas duas semanas, o blog conseguiu chegar a 191 funcionários que receberam em outubro, em valores brutos, mais do que o teto estabelecido pelo decreto de Crivella. 

Como não há mais dados consolidados disponíveis, para fazer uma amostragem, a reportagem levantou manualmente 491 ocupantes de cargos de comando relacionados no Sistema Integrado de Codificação Institucional (Sici), uma espécie de organograma da prefeitura do Rio. Depois, cruzou nome a nome com o site que traz o resumo dos contracheques dos servidores. 

Neste mesmo site que traz os contracheques, o blog também baixou os dados consolidados por órgão, que revelam tabelas com quantidade de servidores completamente aleatórias, sem que seja possível se chegar a um quadro geral próximo da realidade.    

Logo de cara, portanto, fica um ponto importante: do jeito que está, a divulgação das remunerações é um verdadeiro labirinto de dados, que parece feito para que não se consiga traçar qualquer panorama do funcionalismo no município. 

R$ 106 mil

No universo levantado pela reportagem, a remuneração mais alta em outubro foi a do procurador-geral do Município, Marcelo Silva Marques Moreira: R$ 106.400,48 brutos, ou R$ 37.164,64 líquidos. Em setembro, ele recebeu o mesmo valor bruto. O líquido, porém, foi de R$ 58.748,79. 

Em outubro, o procurador recebeu dois contracheques. O primeiro tinha sete vantagens, além das férias remuneradas, de R$ 16.920,90: vencimento básico (R$ 7.576,56); triênios (R$ 11.364,84); verba indenizatória da PGM (R$ 15.153,12); subsídios (R$ 16.427,78); gratificação de arrecadação da Divida Ativa (R$ 13.637,81); adicional de qualificação (R$ 677,80) e “incorporação integral da Lei Complementar 212, artigo 221C” (R$ 16.427,78). 

O segundo contracheque aparece como um “desconto compulsório”, que, apesar do nome, somou R$ 8.213,89 na remuneração do procurador.

Abaixo, a tabela com as 20 maiores remunerações no universo levantado pelo blog. A lista com os 191 localizados que receberam acima do teto pode ser acessada aqui

Não há um detalhamento claro dos benefícios que facilite o controle social. Em geral, são siglas difíceis de decifrar que engordam os valores recebidos.

No universo analisado, a segunda maior remuneração foi a do contador Jorge Willian Ponzo Mathias, subsecretário de Gestão da Casa Civil. Em outubro, ele recebeu R$ 89.525,40 brutos em dois contracheques. O valor líquido foi de R$ 36.427,36. 

No primeiro contracheque, havia nove vantagens, fora as férias remuneradas, de R$ 15.709,69: vencimento básico (R$ 2.356,81); triênios (R$ 10.712,25); “retribuição básica DAS” (R$ 6.571,04); “repres parc indeniz DAS” (R$ 6.571,04); “símbolo dir pessoal” (R$ 13.142,08); gratificação de controle interno (R$ 17.120); “grat del colet at” (R$ 1.525,56); “enc esp gbp dec” (R$ 6.857,92); e “abono perm ec” (R$ 5.016,39).

O segundo contracheque aparece como um “desconto compulsório”, de R$ 3.942,62. 

A terceira maior remuneração bruta localizada foi a do subsecretário de Patrimônio Imobiliário da Secretaria de Fazenda, Marcus Vinícius Belarmino Souza: R$ 81.553,23. Em outubro, ele também teve o maior valor líquido do levantamento: R$ 61.506,71.

Transparência e Integridade

Entre as maiores remunerações, também chamam a atenção integrantes de cargos de controle e transparência, conceitualmente importantes para manter os preceitos éticos e legais dentro da prefeitura.

A fiscal de atividades econômicas Dalila de Brito Ferreira, subsecretária de Integração Governamental e Transparência da Casa Civil, recebeu, em outubro, R$ 72.171,37 brutos, ou R$ 39.110,87 líquidos. 

Já a contadora Marcia Andrea dos Santos Peres, subsecretária de Corregedoria e Integridade da Casa Civil, ganhou R$ 68.746,82 brutos, ou R$ 37.401,49 líquidos. 

Entre os que receberam acima do teto em outubro, também estão o controlador-geral do Município, Francisco Harilton Alves Bandeira (R$ 63.474,11 brutos / R$ 34.716,62 líquidos), e o coordenador-geral de Recursos Humanos da prefeitura, Anderson Ferraz Carneiro (R$ 63.843,05 brutos / R$ 48.513,44 líquidos). 

Há até servidores lotados em cargos de assessoria com vencimentos exorbitantes. O engenheiro Roberto Abuassi, assessor especial de Estudos do BRT, por exemplo, recebeu R$ 64.163,85 brutos, ou R$ 47.417,09 em dois contracheques em outubro. Em setembro, foram R$ 86.095,67 brutos, ou R$ 56.638 líquidos.  

11 secretários 

O blog localizou ainda, entre os contracheques de outubro, 11 secretários com remuneração acima do que foi estabelecido pelo decreto de Crivella:  

Em valores líquidos, a secretária de Educação, Talma Suane, foi a que recebeu a maior remuneração em outubro. Foram R$ 54.848,19 divididos em três contracheques. Entre as vantagens listadas, estão, por exemplo, um “subsídio” de R$ 16.427,78 e um “desconto compulsório” de R$ 8.213,89. 

Em setembro, Talma havia recebido R$ 60.818,90 brutos, ou R$ 42.675,51 líquidos. 

Até a recém-chegada Camila Vieira de Souza, secretária de Turismo e Legado Olímpico, que teria sido uma indicação da família Bolsonaro, já entrou bem. Num contracheque, foram duas vantagens: um subsídio de R$ 16.427,78 e um “encargo especial da Secretaria de Turismo” de R$ 7,5 mil. No outro, R$ 8.213,89 de “desconto compulsório”. 

Transparência diminui

As remunerações acima do teto vêm sendo abordadas pela imprensa desde o início da gestão Crivella, mas, na prática, nada parece mudar. Pelo contrário. 

O decreto que estabeleceu o teto incluindo todas as vantagens extras, de maio de 2017, foi publicado após uma reportagem do G1 abordar os “supersalários”. 

O discurso de austeridade, porém, se transformou em dificuldade de fiscalização, já que a prefeitura passou a não divulgar os dados consolidados sobre todos os servidores. 

Em 2019, o UOL e o jornal O Globo também trataram do tema, mostrando alguns casos de vencimentos acima do teto. À época, a prefeitura divulgou nota creditando as altas remunerações basicamente a questões legislativas que fugiram de sua alçada. 

Labirinto de dados 

Para realizar uma amostragem atual, o blog levantou os integrantes de 491 cargos de comando, de secretários até assessores, coordenadores e diretores, e cruzou um a um com as remunerações que constam no site que divulga os contracheques dos servidores. 

A cada nome procurado, era preciso marcar figuras que provassem que o levantamento não estava sendo feito por um robô.

Teoricamente, o site que traz os contracheques deveria permitir que se baixassem tabelas completas por órgão, que dariam um panorama completo da prefeitura. Essas tabelas, porém estão incompletas, sem qualquer padrão.

Há, por exemplo, 15 órgãos que não possuem nenhuma remuneração disponível por este tipo de consulta: Instituto Pereira Passos, Previ-Rio, Geo-Rio, Planetário, Cidade das Artes, Rio Zoo, Rio Águas, Imprensa da Cidade, Rio Luz, Multirio, Rio Securitização, Cdurp, Riocentro, Rio Saúde e Fomenta Rio.

Perguntas no ar

Assim como no início da gestão Crivella, a gestão de Eduardo Paes promete ações para reduzir os “supersalários”. Se começar pela simples divulgação transparente de todo o universo do funcionalismo, já será algum avanço.

Abaixo, as perguntas enviadas por e-mail pela reportagem para a assessoria de imprensa da prefeitura do Rio, que não foram respondidas:

*Imagem em destaque: Sede administrativa da prefeitura do Rio / Divulgação

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