Vamos voltar ao ano de 2011. O então senador Marcello Crivella discursa para uma plateia de pastores e admite: sua entrada na política foi uma missão imposta pelas lideranças da Igreja Universal, cumprida “inicialmente” a contragosto. O trecho, gravado em vídeo disponível no You Tube, vem logo à minha mente quando penso no Rio de Janeiro de 2017. Dá pistas que parecem fazer todo o sentido: nós, cariocas, temos hoje um prefeito que não gosta de ser prefeito.
Não sou muito de fugir aos fatos, gosto de ser o mais objetivo possível, por isso, neste blog e na vida jornalística, ainda que possa me dar ao luxo de brincar com os textos, procuro sempre ter uma informação, uma apuração que os embasem. Esse é um texto de opinião, mas explicarei um pouco mais sobre a minha tese. Discordem, é justo. Aqui não há censura. Não pedimos a demissão de ninguém por pensar diferente. Então, sigamos.
Volto um pouco mais. O ano é 1986. Com pouco mais de 13 mil votos, o advogado Eraldo Macedo Bezerra conquistara aquele que seria o primeiro dos seus quatro mandatos como deputado estadual. Eraldo – que morreu em 2006 – era tio de Marcello Crivella. Em 1988, foi a vez de outro tio, Celso Macedo, conquistar uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio. Em seu gabinete, empregou Múcio, pai de Crivella, que morreu enquanto exercia a função de chefe.
Mas por que voltar tão atrás? Eraldo, Múcio e Celso (o único ainda vivo, que toca um restaurante e uma loja próximos ao Templo de Salomão, da Universal, em São Paulo) são irmãos do bispo Edir Macedo. Tio de Marcelo Crivella.
São nada menos do que 30 anos tentando emplacar a Universal na política. Uma outra irmã de Edir Macedo também fez carreira. O fato mais notório em sua vida pública foi ter sido citada no caso da Máfia dos Sanguessugas.
E quero chegar aonde? Volto a 2011. Marcello Crivella tem na vida política uma missão. Talvez ele próprio não imaginasse que seria o que chegaria mais longe na família. Talvez seu passado pop, como cantor e tal, tenha ajudado. Mas agora, com três meses do sobrinho-bispo como prefeito, acredito cada vez mais: ele tem uma missão e irá cumpri-la como um sacerdote. Mas não gosta de estar ali.
A fala mansa de Crivella parece claramente esconder a irritação de quem está cumprindo uma missão que lhe foi imposta. A cada crítica, isso deve aumentar ainda mais. E quem não gosta do que está fazendo é perigoso. Já convivi com um ou outro assim na vida. É aquele que, infeliz no trabalho (e muitas vezes na vida pessoal), está sempre correndo para a esquina do cafezinho para conspirar no seu mundinho. Crivella conspira com uma cidade em suas mãos.
O futuro da cidade nos próximos quatro anos possivelmente decidirá até onde chegará o mais pródigo dos Macedo. No início de seu governo, ele já tentou passar o bastão ao filho Marcelinho, tentou dividir a missão. Não à toa, foi até o Supremo para conseguir. Barrado, deve ter ficado ainda mais irritado.
Pode ser que dê certo. Afinal, a fé move montanhas. Mas eu acredito mais no amor. E amor, para mim, é fundamental. Seja em casa ou na sua profissão. Aguardemos os próximos capítulos e sigamos alertas, sempre. O direito de escrever, de falar, não vão nos tirar.
PS: Não há nesse texto qualquer elogio ao ex-prefeito Eduardo Paes, que, sim, ao que me parece gostou muito de ser prefeito. O que não quer dizer que não tenha deixado um legado de coisas a serem investigadas ao longo de suas duas gestões.
Cada vez que assisto uma entrevista do Crivella, tenho a impressão de vê-lo carregar um saco de cimento às costas. O desconforto do cara é nítido! E olha que ainda tem muito chão pela frente!