Foto ilustrativa de água mineral

R$ 4,8 milhões sem licitação: a água mineral que saiu cara para a prefeitura do RJ

Com as incertezas trazidas pela crise na Cedae, a prefeitura do Rio resolveu, no início do ano letivo de 2020, oferecer água mineral nas escolas da rede municipal. A boa ação, porém, teve lacunas e pode ter custado bem mais do que deveria para os já combalidos cofres da gestão de Marcelo Crivella.

Num enredo um tanto confuso, a Secretaria municipal de Educação gastou, no mês de fevereiro, R$ 4,875 milhões sem licitação para adquirir 6,5 milhões de garrafas de 500ml de água mineral. Cada unidade, portanto, saiu por R$ 0,75.

Apesar da grande quantidade comprada, o valor ficou acima daquele que constava em uma tabela de referência de mercado da própria prefeitura, com um preço intermediário entre atacado e varejo. No período em que houve a compra, cada garrafa, por essa tabela, deveria por R$ 0,65. Ou seja, R$ 0,10 a menos. Ao todo, poderiam ter sido economizados R$ 650 mil.

Datas conflitantes

A publicação em Diário Oficial do extrato do contrato entre a Secretaria municipal de Educação e a empresa JSR Distribuidora Eireli aconteceu apenas na última quarta, 11 de março. A data de assinatura, porém, foi 11 de fevereiro, dentro do período em que estava vigente a tabela que previa o preço de R$ 0,65 em média por garrafa de água mineral.

De acordo com esse extrato, apesar de o contrato ter sido assinado em 11 de fevereiro, o período de vigência começou um dia antes. E terminou no dia 21 do mês passado. Mas não é só isso: a informação entra em conflito com aquela divulgada pelo próprio site da prefeitura, de que, desde o dia 6 de fevereiro, todas as 1.540 escolas já estavam abastecidas de água mineral.

O cálculo da prefeitura foi feito em cima de dez dias letivos (entre 10 e 21, tirando os finais de semana), com base num total de 650 mil alunos da rede, o que totaliza as 6,5 milhões de garrafas.

Faz de um tudo

Apesar da vultuosa compra sem licitação, o blog não encontrou nenhum registro anterior de contratos assinados pela JSR Distribuidora Eireli com qualquer órgão da prefeitura do Rio. A empresa tem sede fora da capital, no bairro de Santa Rosa, em Niterói.

A única referência de contrato com o poder público no estado localizada foi o fornecimento de papel higiênico para a Fundação Municipal de Educação de Niterói, no ano passado. O valor era de R$ 174,9 mil.

A JSR Distribuidora Eireli foi aberta em março de 2010 e, segundo consta no site da Receita Federal, tem nada menos do que 63 atividades cadastradas. Ela faz de obras de terraplanagem a transporte de carga, passando pelo fornecimento de colchões, calçados e alimentos para animais. Ainda tem serviço de bufê, locação de automóveis e andaimes.

Ligação com outra empresa

A companhia tem capital social de R$ 100 mil. O dono é o administrador Luiz Fernando Vieira Filho. Em documentos localizados pelo blog, ele aparece ligado ainda à empresa Nutrindo Comércio e Serviços LTDA, que também tem sede em Niterói, mas é de Yohana Maria da Silva Rodrigues dos Santos.

A Nutrindo Comércio e Serviços, por sua vez, já teve contrato com Organizações Sociais que trabalham na gestão de unidades de Saúde no estado, como o Instituto Sócrates Guanaes e o IABAS. A Nutrindo responde a uma série de processos na Justiça Trabalhista do Rio.

De acordo com sua página no LinkedIn, Luiz Fernando Vieira Filho trabalhou por cerca de três anos no Grupo Facility, ligado ao empresário Arthur Soares. Ele exerceu os cargos de analista comercial e de analista de contratos.

Vereadora quer explicações

A vereadora Teresa Bergher (PSDB) disse que ira pedir explicações à prefeitura sobre o contrato emergencial com a JSR Distribuidora:

“Vou encaminhar um requerimento de informações para saber por que a Secretaria de Educação pagou R$ 650 mil a mais pela água mineral. Já daria para comprar livros didáticos e uniformes para os alunos. Também vou pedir ao TCM que analise a legalidade e a economicidade do contrato. Num momento de crise, nenhuma pasta pode se dar ao luxo de pagar mais caro”.

Ressarcimento da Cedae

Já a Secretaria Municipal de Educação disse que vai pedir à Cedae ressarcimento pelos gastos com água mineral. O que não deve ser tarefa fácil, já que a briga na Justiça envolvendo a empresa ainda está acontecendo. No capítulo mais recente, o Ministério Público e a Defensoria conseguiram um desconto de 25% na conta dos consumidores, mas ainda cabe recurso.

A pasta justificou a compra emergencial da água mineral:

“A crise de abastecimento da Cedae, com a água chegando às unidades escolares com cheiro e cor estranhos, além de interrupção do fornecimento em algumas regiões, prejudicou o início do ano letivo 2020, marcado para o dia 5 de fevereiro. Isso exigiu medidas emergenciais para garantir o atendimento a cerca de 650 mil alunos matriculados em 1.540 escolas municipais do Rio de Janeiro”.

De acordo com o Sistema Único de Controle de Protocolo (Sicop), da prefeitura do Rio, o processo de compra das 6,5 milhões de garrafas de água mineral pelo município começou a tramitar no dia 4 de fevereiro, um dia antes da data inicialmente prevista para o começo do ano letivo.

O blog perguntou se houve pesquisa de preços e com quais empresas, mas a secretaria informou apenas que “outras empresas” foram consultadas. “A JSR foi considerada a mais adequada por disponibilidade de estoque e capacidade de entrega, que foi realizada diretamente no operador logístico da Secretaria Municipal de Educação”.

“A Secretaria fez a distribuição para as Coordenadorias Regionais de Educação e, em seguida, para as unidades escolares”, concluiu.

Na rede estadual, o governo Witzel optou por não fornecer água mineral.

*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de garrafas de água mineral / George Becker

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