Apenas um crime na ciclovia não está impune: o furto de alguns pedaços de alumínio

Não estou aqui para ignorar a complexidade da apuração das responsabilidades sobre o desabamento de parte da Ciclovia Tim Maia, que matou duas pessoas – repito, matou duas pessoas -, em abril de 2016. Mas, ao olhar os processos na Justiça que envolvem a obra de quase R$ 45 milhões, é quase irresistível não pensar na realidade do país em que vivemos.

Explico: já houve sim punição por um crime cometido na ciclovia. Autoridades? Sinto dizer que não. Empresas? Não. Engenheiros? Também não. A cadeia veio para dois homens que foram flagrados furtando meia dúzia de peças de alumínio de um guarda-corpo, em junho do ano passado.

Segundo os documentos públicos deste processo, um pedreiro desempregado, sem antecedentes criminais, e um outro homem, com três passagens pela polícia, foram detidos por PMs, em junho de 2018, enquanto levavam as peças.

O pedreiro ficou preso por uma semana, já que a sentença aplicada inicialmente previa uma fiança de R$ 2 mil para poder deixar a cadeia, e ele não tinha condições financeiras de arcar com o valor. A Defensoria apelou e conseguiu derrubar a necessidade do pagamento para que ele pudesse responder em liberdade. Em novembro do ano passado, a Justiça decidiu suspender o seu processo, na condição de que ele se apresente uma vez por mês durante os próximos dois anos, e não se ausente do estado por mais de 30 dias consecutivos.

O outro homem permaneceu preso preventivamente por cerca de seis meses até que, em janeiro deste ano, foi condenado a pouco mais de um ano, em regime semiaberto. Durante uma das audiências, em novembro do ano passado, a Defensoria pediu que ele recebesse tratamento para tuberculose, que não vinha sendo oferecido no presídio onde ficou, apesar dos pedidos do advogado.

Mas aí você pode vir dizer: “ah, mas eles cometeram um crime, têm mais é que ir para a cadeia. Foi até pouco”. Desculpa, mas não consigo pensar que um pedreiro desempregado sem antecedentes criminais passou uma semana na cadeia, enquanto pessoas que foram responsáveis pela morte de duas pessoas no mesmo local estão impunes.

Enquanto isso…

Há três processos tramitando no Tribunal de Justiça do Rio relacionados ao desabamento da ciclovia. Na área cível, existem uma ação popular, da vereadora Teresa Bergher, e uma ação civil pública, capitaneada pelo MP, que envolve prefeitura, Geo-Rio e o Consórcio Contemat Concrejato, responsável pela obra. Na área criminal, os réus são 15 profissionais envolvidos no projeto (eram 16, mas um morreu no ano passado).

O que se vê nestes casos é um andamento lento, que parece não ter um fim tão cedo. No processo criminal, por exemplo, os últimos movimentos são intimações de envolvidos à espera de serem cumpridas.

Na área cível, a situação é ainda mais patética. Um dos atos mais recentes no processo foi a contratação de um perito pela prefeitura, a pedido da Justiça, para avaliar o estado das estruturas: ele atestou que estava tudo bem. Recentemente, o prefeito Marcelo Crivella gravou até vídeo com o secretário de Infraestrutura e Habitação, Sebastião Bruno.

“A gente pode garantir que não há mais problema nenhum. As pessoas vão poder usar a ciclovia com toda a segurança”, afirmou o secretário.

Como todos sabem, nesta quinta (7), pela terceira vez desde sua inauguração, em janeiro de 2016, um trecho da Ciclovia Tim Maia desabou. Ao menos, ela não estava aberta já que o Ministério Público discordou da prefeitura sobre a abertura e pediu mais explicações ao perito.

No país de ciclovia, de Brumadinho e de Mariana, fica difícil acreditar que algo vai mudar se a eficiência da Justiça em botar na cadeia for só para aquele que furtou meia dúzia de peças de alumínio.

*Foto em destaque: o segundo desabamento ocorrido na ciclovia, em fevereiro do ano passado / Crédito: Agência Brasil

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