Foram 15 anos em que apenas dois deputados se revezaram no comando da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj): os caciques do antigo PMDB Paulo Melo e Jorge Picciani. A saga, que começou em 2003, terminou, porém, em novembro de 2017: eles foram detidos na Operação Cadeia Velha, sob acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Paulo Melo está no Complexo Penitenciário de Gericinó; Picciani, com problemas de saúde, cumpre prisão domiciliar. Mas o legado da dupla ainda parece sobreviver nos corredores do Palácio Tiradentes, sede do parlamento estadual.
Um levantamento feito pelo blog nas nomeações para cargos adminisrativos e ligados à presidência da Casa, publicadas em Diário Oficial após o início da nova legislatura, em 1 de fevereiro, mostra que já foram contempladas 22 pessoas com passagens recentes pelos gabinetes de Paulo Melo e de Rafael Picciani, último representante da família do ex-presidente da Alerj a ter mandato no parlamento.
Os 11 ex-funcionários de Paulo Melo estão espalhados pela Presidência da Casa, Diretoria-Geral, Subdiretoria de Recursos Humanos, Secretaria da Mesa Diretora, Departamento de Atas e Publicações e Subdiretoria de Engenharia e Arquitetura. Há dez ex-funcionários de Rafael Picciani distribuídos por três subdiretorias, Departamento de Patrimônio, Secretaria da Mesa Diretora, Diretoria-Geral e Consultoria Financeira. Há ainda uma pessoa, com passagens pelo gabinete de Paulo Melo em 2016 e de Rafael Picciani em 2017, nomeada na Presidência da Casa.
As nomeações foram publicadas ao longo de fevereiro, mas chama a atenção que seis delas – todas com passagens recentes pelo gabinete de Rafael Picciani – são do dia 31 de janeiro, um antes da posse oficial da nova legislatura. O presidente da Alerj, então interino, era o mesmo de agora: André Ceciliano, do PT.
Procurada pelo blog, a assessoria de imprensa da Alerj afirmou que “os servidores têm experiência em diversas áreas do legislativo e estão sendo aproveitados na nova gestão”.
Herança em família
Além da herança de ex-funcionários competentes no Legislativo, Paulo Melo, é bom lembrar, também conseguiu emplacar no voto uma representante para seguir o seu legado na Alerj. Enquanto o marido está na cadeia, Franciane Motta, sua mulher, ocupa uma vaga entre os 70 deputados da atual legislatura, após ter sido a 25a mais votada nas eleições do ano passado.
No fim de 2018, o Ministério Público Federal chegou a demonstrar preocupação de que Melo, mesmo preso, continuasse a dar as cartas no Legislativo fluminense, principalmente com a expectativa de sua mulher Franciane assumir o cargo.
Em pouco tempo, a deputada já conseguiu chamar a atenção ao menos com uma nomeação: conforme mostrou a coluna de Berenice Seara, no jornal Extra, ela deu, no dia 7 de fevereiro, um cargo de assessora para Magaly Cabral, mãe do ex-governador e ex-presidente da Alerj, Sérgio Cabral, preso no Complexo de Gericinó, assim como Paulo Melo.
Já a família Picciani, ao menos por ora, não tem ninguém na linha de frente. Rafael decidiu largar a política se dedicar à carreira de empresário e Leonardo não conseguiu se reeleger deputado federal.
Biografias impecáveis
Apesar de estarem presos, para quem for consultar o site oficial da Alerj, Jorge Picciani e Paulo Melo continuam tendo uma carreira exemplar. Não há qualquer referência às prisões em seus perfis.
A biografia de Picciani começa falando da sua carreira de pecuarista. E termina falando de atos de transparência e austeridade na Casa. “O que importa não é se o deputado ser (sic) da situação ou da oposição, mas ter méritos para assumir a tarefa que lhe é dada”.
O texto sobre Paulo Melo é escrito numa espécie de flashback, que termina de forma súbita, com uma palavra interrompida ao meio, numa frase remetendo às origens do ex-deputado, em Saquarema. “Pediu mais um voto de confiança e chegou à Assembléia Legislativa em 1990, com 8.645 votos da Região dos Lagos, para cumprir o seu primeiro mand”.
Ficou faltando o ato final.
*Foto em destaque: Sessão plenária na Alerj no dia 13 de fevereiro / Crédito: Otacílio Barbosa/Divulgação Alerj