Vinte e cinco milhões, trezentos e cinquenta e três mil e quarenta e sete reais e noventa centavos. Esta é a dívida acumulada de IPTU do Templo da Glória do Novo Israel ou Catedral Mundial da Fé com a Prefeitura do Rio, segundo documento oficial ao qual o blog teve acesso. A certidão fiscal mostra que a sede da Igreja Universal do Reino de Deus no estado tem pendências com os cofres do município relativas aos anos de 2004 a 2006 e de 2014 a 2018.
De acordo com a própria Secretaria municipal de Fazenda, “após análises dos aspectos técnicos e legais, reconheceu-se a imunidade parcial de IPTU do imóvel”. Ou seja, apenas parte do complexo foi enquadrada na legislação que isenta de pagamentos templos religiosos. O próprio site criado em homenagem aos 40 anos da Igreja Universal cita que, além da catedral, o espaço tem estacionamento, praça de alimentação, salas para exposições e outras acomodações.
A assessoria de imprensa da igreja afirmou que o imóvel é imune e que já solicitou à prefeitura que “cancele a irregular inscrição da dívida” (íntegra da resposta no fim do texto).
R$ 13 milhões em risco
A certidão fiscal do imóvel número 4242 da Avenida Dom Hélder Câmara, em Del Castilho, revela que há inscritos em Dívida Ativa com cobrança judicial R$ 6.424.688,44. Este valor é relativo à soma dos anos de 2004 a 2006. A Universal alegou que já houve sentença definitiva derrubando esta cobrança. Mas ela segue constando no documento oficial da prefeitura, que foi levantado nesta quinta (12) pelo blog.
Também constam valores de natureza “amigável” na Dívida Ativa, relativos ao IPTU dos anos de 2015 a 2018: R$ 4.983.962,41. O que chama a atenção no documento, porém, é um quadro anexo com cotas de 2014 e 2015 que não foram inscritas na Dívida Ativa. Como a legislação só permite a cobrança de cinco anos retroativos, se nada for feito, perde-se qualquer chance de recuperação do dinheiro. O total neste caso é de R$ 13.941.397,05.
Apesar de não estar constando como enquadrado na Dívida Ativa, a Secretaria municipal de Fazenda alegou, através de sua assessoria de imprensa, que “os débitos já foram objeto de emissão da Certidão de Divida Ativa (CDA) correspondente”.
Confira o documento oficial do IPTU da sede da Igreja Universal:

E o valor relativo a 2019, ainda em aberto: R$ 953.861,63.

Dívida não impede compra
A situação fiscal da sede da Universal ganha importância num momento em que parte do terreno do complexo – uma área de cerca de 2.900 metros quadrados que vinha sendo ocupada irregularmente pela igreja – vai ser vendida pelo Previ-Rio (Instituto de Previdência e Assistência do Rio). Conforme mostrou o blog na última segunda (9), apesar de ter ocupado o espaço público irregularmente durante anos, a Universal terá prioridade para comprar o terreno. Isso deve permitir enfim a legalização de todo o complexo, inaugurado há 20 anos.
No edital da licitação de alienação do imóvel, também não há nenhuma exigência de apresentação de certidões negativas de dívidas. Então, mesmo tendo em aberto mais de R$ 25 milhões em IPTU com a prefeitura apenas referentes à sua sede, a Universal poderá comprar o imóvel do Previ-Rio. O valor mínimo foi estipulado em R$ 6.980 milhões. Dificilmente, passará disso, pois a presença de outros concorrentes é improvável.
Atualmente, neste espaço, há parte de uma área de estacionamento do complexo da sede.
Valor cobriria drenagem no Rio
Num momento em que o município passa por sérios problemas financeiros, os R$ 25 milhões que constam como dívidas de IPTU apenas da sede da Universal no documento da Secretaria de Fazenda seriam suficientes, por exemplo, para cobrir com folga todo o gasto previsto para este ano com manutenção do sistema de drenagem da cidade (R$ 23,723 milhões). Lembrando que este ano houve graves consequências das chuvas na cidade.
Outro exemplo: com obras de unidades de educação infantil, serão R$ 23,762 milhões, caso todas as despesas sejam efetivamente realizadas. Estes dados orçamentários foram levantados pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB).
Também para efeito comparativo, o valor devido pela Universal é mais do que três vezes maior do que foi doado pela prefeitura para as escolas de samba do Grupo Especial no ano passado. Para 2020, o prefeito Marcelo Crivella, bispo licenciado da igreja, já anunciou que não haverá mais o subsídio oficial para as agremiações da elite do carnaval.
Dezenas de disputas judiciais
Além do terreno da sede, prefeitura do Rio e Universal têm outras dezenas de disputas na Justiça por cobranças de IPTU atrasado. Há casos em que a igreja já conseguiu ganhos inclusive em segunda instância, basicamente quando conseguiu provar que os imóveis que vinham sendo tributados servem de alojamento para pastores. O judiciário vem seguindo o entendimento de que, nestes casos, é possível estender a imunidade dada aos templos religiosos.
Há outros casos, porém, em que o município tem levado a melhor. O antigo Cinema Condor, no Catete, que foi adquirido pela Universal, é motivo de ação na Justiça da igreja contra a prefeitura. Mas o juízo tem entendido que, porque o espaço praticamente não funcionou como templo, não tem direito ficar livre do pagamento de IPTU.
Universal: nada a pagar
A Igreja Universal, através de sua assessoria de imprensa, enviou nota ao blog afirmando que “não pode haver cobrança de IPTU” sobre o complexo da Catedral Mundial da Fé, em Del Castilho. Também foi enviado um documento de 2008 (gestão Cesar Maia na prefeitura), assinado por um fiscal de renda, que a igreja diz comprovar a sua tese.
Abaixo, a íntegra da nota e a reprodução do documento:
“Com referência ao imóvel citado, esclarecemos que a Igreja Universal do Reino de Deus obteve em 2008, junto à Prefeitura do Rio de Janeiro, o reconhecimento da imunidade tributária assegurada pela Constituição Federal aos templos de qualquer culto (Art. 150, VI, b), de modo retroativo ao ano 2000, conforme decisão administrativa em anexo.
Além disso, a Justiça do Rio de Janeiro já havia reconhecido essa imunidade constitucional, em uma ação de cobrança de valores relativos período de 2004 a 2006, ajuizada pela Procuradoria da Prefeitura. Esse processo já transitou em julgado, com vitória da Universal.
A Universal já tomou as providências para solicitar que a Prefeitura do Rio cancele a irregular inscrição da dívida, uma vez que, desde o ano 2000, não pode haver cobrança de IPTU sobre o citado imóvel”.

*Foto em destaque: Imagem aérea da Catedral Mundial da Fé, em Del Castilho / Roberto Felipe
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