Quem já teve algum contato mais próximo com a cúpula da Igreja Universal do Reino de Deus no Rio de Janeiro sabe que há um problema que os aflige em especial há 20 anos: não conseguir regularizar a situação de todo o terreno que compõe o complexo do Templo da Glória do Novo Israel, ou Catedral Mundial da Fé, em Del Castilho, na Zona Norte. O espaço é, atualmente, a sede da Universal no estado.
Inaugurado sem o habite-se, em agosto de 1999, o complexo teve uma das pendências equacionadas em 2012, quando foi necessária uma articulação com a Câmara de Vereadores e a prefeitura para a aprovação uma mudança na legislação urbanística local. Isso permitiria, inclusive, a expansão de um prédio de alojamento de pastores. À época, segundo “O Globo”, o envio da proposta pelo Executivo ao Legislativo foi precedido de uma reunião entre o então ministro da Pesca Marcelo Crivella e o prefeito do Rio à época, Eduardo Paes.
A lei foi aprovada, mas a situação não foi completamente resolvida. Um intrincado imbróglio envolvendo a Igreja Universal, o município e o governo estadual travou por anos a legalização de um pedaço do terreno, entre a linha férrea e a Avenida Dom Hélder Câmara.
Em 2017, porém, foi Marcelo Crivella quem passou a estar na cadeira de prefeito. E uma sequência de atos, alguns com sua participação direta, deve fazer com que, ainda este ano, tudo esteja enfim resolvido para a igreja comandada por seu tio Edir Macedo. Naquele que promete ser o derradeiro capítulo dessa história, o Previ-Rio (Instituto de Previdência e Assistência do Rio) vai vender, no mês que vem, um terreno ocupado por anos de forma irregular pela Universal.
E, apesar de ter usado o espaço ilegalmente, quem terá direito à prioridade na compra? A própria Igreja Universal.
A permuta mal resolvida
Para entender melhor o quadro atual, é preciso voltar alguns anos no tempo, mais precisamente a julho de 2005. Querendo consolidar o espaço de sua sede no Rio, a Universal articulou um termo de permuta com a prefeitura, então gerida pelo atual vereador Cesar Maia. Pelo acordo, a igreja ficaria com uma área do município na lateral da Catedral Mundial da Fé. E cederia, por sua vez, um terreno da antiga TV Rio na Cidade Nova, que pertencia à Rede Record, braço de mídia da Universal. Atualmente, neste espaço, está parte do Centro de Convenções Sul América.

Um pedaço da história deu certo: a prefeitura efetivamente levou o terreno da Record na Cidade Nova. Mas a igreja ficou a ver navios. Ao tentar fazer o registro do imóvel de Del Castilho, a Universal descobriu que a área que recebeu no acordo estava em nome do estado, não do município. O resultado: não conseguiu passar o imóvel para o seu nome.
A partir daí, obviamente, a cúpula da Universal não ficou nada feliz. Um discurso de 2015 do bispo da igreja Jorge Braz – então vereador, atual deputado federal – dá uma ideia de quanto o problema com o terreno incomodava:
“O que me traz aqui, senhores e senhoras, é que eu estou muito chateado já há muitos anos com um problema que a gente tem — o Grupo Record, a Igreja Universal — junto ao município do Rio de Janeiro. Há pelo menos uns 12 para 13 anos que estamos envolvidos com isso e não temos conseguido resolver. Com toda a boa fé, com toda a paciência do mundo. Infelizmente, parece que a boa fé e a paciência não são ingredientes ‘resolvedores’ de problemas”.
Acordo entre estado e prefeitura
Naquele mesmo discurso, Braz disse estar “praticamente implorando” ao então prefeito Eduardo Paes para que ajudasse a resolver a pendência com o estado, que disputava na Justiça com o município o terreno que deveria estar nas mãos da Igreja Universal. O apelo não foi suficiente, e Paes deixou o Executivo carioca sem que o problema estivesse equacionado.
Com a vitória de Crivella, porém, as coisas enfim começaram a se resolver. Em dezembro de 2017, menos de um ano após assumir o cargo, o prefeito conseguiu articular com o governador Luiz Fernando Pezão que a área fosse para as mãos do município. Dali, graças ao termo de permuta de 2005, a Record enfim tinha caminho aberto para registrar o terreno.
Parecia que tudo estava resolvido, mas novos atos, com a digital direta de Crivella, foram necessários para que a Igreja Universal pudesse conquistar a legalização com que tanto sonha. A grande questão é que junto ao terreno da permuta, havia outro colado que também era do estado e passara no fim de 2017 para a prefeitura.
Em março de 2018, Crivella então assina um decreto de desmembramento da área. O objetivo é claro: “a necessidade de regularização fundiária”.

A ocupação irregular da igreja
Ok, a parte do terreno que havia sido alvo da permuta estava resolvida. Mas ainda havia o problema da outra área. O espaço, de cerca de 2.900 metros quadrados do complexo da Catedral Mundial da Fé, onde há hoje parte de um grande estacionamento da Universal, era efetivamente público e vinha sendo ocupado pela igreja sem o pagamento de aluguel. Ou seja, de forma irregular.
Ao ser procurada pelo blog na semana passada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Fazenda – que possui um setor responsável pela administração dos imóveis do município – respondeu, por e-mail, da seguinte forma as perguntas, enviadas em sequência:
2)Desde quando o terreno está ocupado pela Igreja Universal?
R: O terreno é ocupado desde 2000.
3)O município vinha sendo remunerado?
R: Sim
Mas um ato oficial, publicado pela própria Subsecretaria de Patrimônio Imobiliário da Secretaria municipal de Fazenda, revela que não foi bem assim. O texto, publicado em 8 de julho deste ano, diz:
“Considerando a constatação de ocupação irregular de imóvel municipal, determino a instituição da cobrança de remuneração provisória pelo valor de R$ 6.157,00 mensais, retroativamente aos últimos 60 meses”.

Pelo que foi publicado, constata-se então que houve uma longa ocupação irregular de uma área pública pela Igreja Universal, sem pagamento de aluguel. À prefeitura, coube apenas cobrar pelos últimos cinco anos, o máximo possível de ser recuperado.
A venda do terreno
O capítulo decisivo na história ocorreu no dia 28 de agosto passado, com o anúncio de uma concorrência para a venda deste imóvel ocupado pelo estacionamento da Igreja Universal.

A área é esta que aparece em amarelo no mapa, entre a Catedral Mundical da Fé e o Centro Cultural Jerusalém:

Meses antes, o terreno havia sido transferido pela prefeitura ao Previ-Rio, que está tocando a licitação para fazer caixa. A venda chegou a ser ameaçada por uma lei aprovada na Câmara que determinava que as alienações do fundo teriam de ser aprovadas pelo Legislativo, mas a Procuradoria do Município conseguiu barrar o texto na Justiça.
No dia 8 de agosto, um documento com a digital de Crivella foi um dos últimos passos para a concretização do leilão de venda. Nele, o prefeito não só autoriza a licitação como também o parcelamento do valor da compra por quem arrematar o imóvel.

A prioridade na compra
Para que haja um final feliz para a Universal será preciso, como ato derradeiro, que o terreno seja comprado pela igreja na licitação, marcada para 8 de outubro. Então, o edital da concorrência prevê que quem está ocupando o imóvel – a Universal – tem prioridade na aquisição.
Caso não haja outro interessado, o que é bastante provável, a área deve ser arrematada pelo valor mínimo: R$ 6,980 milhões.
Para ter direito à preferência, a Universal se vale de todo o roteiro contado na reportagem. O decreto 42.249, de 2016, que estabelece a prioridade aos ocupantes dos imóveis do município nos leilões, diz que isso só é possível se todos os pagamentos pelo uso do espaço estiverem em dia.
Ou seja, a Universal, que vinha ocupando irregularmente o terreno desde 2000, fica apta a ter prioridade de compra da área com a quitação do aluguel atrasado de cinco anos.
Outro ponto, noticiado pela coluna “Extra, Extra”, é que a área do edital não estaria prevista numa lista anexa ao decreto que prevê a alienação. A prefeitura afirma que tudo está correto.
Em 2015, os carnês de IPTU
Dificilmente, porém, a Igreja Universal chegará ao fim do ano sem resolver as pendências de sua Catedral Mundial da Fé. Um problema poderia ser algum valor atrasado de IPTU, já que, em 2015, o próprio bispo da Universal Jorge Braz citou esta questão enquanto tentava sensibilizar a prefeitura sobre a necessidade da legalização:
“Eu espero que tenhamos, com a Luz Divina, a solução disto. Por que, senhores, estou colocando isto? Porque a Igreja tem recebido fielmente até hoje, Senhora Presidente, o IPTU no valor de mais de R$ 1 milhão, todo ano, mas a gente não consegue legalizar desde 2002. Quando essa dívida completar 20 anos, ela vai para a dívida ativa, e vão querer leiloar o Complexo da Catedral, porque estamos errados em não pagar o IPTU”.
A Secretaria municipal de Fazenda informou, através de sua assessoria de imprensa que não pode comentar se ainda existe alguma dívida do imposto devido ao sigilo fiscal. O blog tentou contato com a Universal, sem sucesso. O espaço segue aberto a atualizações.
*Foto em destaque: Em imagem que consta no processo administrativo da venda do terreno do município, o estacionamento da Universal (à esquerda) com a Catedral Mundial da Fé ao fundo / Reprodução
Edir Macedo e Crivella, família unida na empreitada da fé para tomar dinheiro dos fiéis e enriquecimento pessoal e projetos de poder, como também nas picaretagens no trato do serviço da Administração Pública para satisfazer a interesses imorais.
Ao longo de toda a matéria foi possível compreender que havia uma falha no que diz respeito a cobrança do período anterior aos últimos 60 meses, pois a cobrança deste período é o que a legislação tributária permite.
Caro Ruben, excelente matéria a tua! Em minha tese de doutorado em planejamento urbano pela UFRJ sobre megatemplos evangélicos (em fase de conclusão) pesquiso também sobre as etapas fundiárias de regularização do Templo IURD de Del Castilho. O processo tramitava a passos lentos entre a GLF-4 Ramos e a coordenação da SMU na Cidade Nova. Queremos saber mais notícias dessa novela! Compartilhe aqui !!