Uma licitação que está sendo realizada pela prefeitura do Rio para a contratação de comunidades terapêuticas que tratam de dependentes químicos pode ter, muito em breve, como uma das vencedoras uma entidade ligada a um funcionário do próprio município. Trata-se da Instituição Social Manassés. A ONG é uma das concorrentes do chamamento público que prevê o repasse de R$ 2,7 milhões em um ano para o atendimento de 225 pessoas por mês.
A entidade já teve como presidente Douglas Marques Correa, que até hoje adota o nome Douglas Manassés, em referência à instituição. Ele é, desde maio do ano passado, o coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas do município. Pelo cargo comissionado recebeu, em setembro, por exemplo, R$ 12,8 mil brutos. Em nota (íntegra no fim do texto), a assessoria de imprensa da prefeitura afirmou que, desde janeiro de 2018, Douglas está afastado da direção da ONG, “não respondendo mais por ela desde então”. Mas o blog verificou que não é bem assim.
Tesoureiro da instituição
Em um documento do dia 7 de março deste ano, que consta no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, Douglas aparece como tesoureiro da Instituição Manassés. Nesta decisão, da juíza Patrícia Soares de Albuquerque, ele foi incluído no polo passivo de uma ação cível que cobra uma indenização de pouco mais de R$ 6 mil da entidade. Ou seja, foi considerado sócio ou administrador.

A sede da Instituição Manassés fica em São Paulo, mas a entidade abriu várias filiais em outros estados. No Rio de Janeiro, ela está participando do chamamento público (como é chamada a licitação das comunidades terapêuticas) com os CNPJs de três filiais.
Na atual etapa do processo, a ONG está em segundo lugar, ficando atrás apenas do Instituto Social Marca de Cristo. Se tudo continuar caminhando como está, a Manassés será uma das vencedoras. A intenção da prefeitura é oferecer o serviço em diversas regiões da cidade, o que abre espaço para mais de uma contemplada. O resultado final deve sair até o fim do mês.
Edital tem restrições
Apesar de a participação da entidade ser defendida pela prefeitura, há que se saber como a Secretaria municipal de Ordem Pública, responsável pela licitação, irá se comportar nos próximos capítulos da concorrência.
Um dos artigos do edital diz que “não será permitida a participação de comunidade terapêutica cujos dirigentes, gestores ou associados sejam servidores do município ou de suas entidades, fundações ou autarquias, ou que o tenham sido nos últimos 180 dias anteriores à data deste edital”.
Outro artigo diz que “será vedada a participação de entidades que possuam em seus quadros funcionais profissional que tenha ocupado cargo integrante dos 1º e 2º escalões de sua estrutura (prefeitura), nos últimos 12 meses”.
Resta saber se a Instituição Manassés vai comprovar documentalmente que o atual coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas da prefeitura efetivamente não possui ou possuiu recentemente relação com a entidade.

Santinhos em instituição
A relação política entre o prefeito Marcelo Crivella e Douglas Manassés vem pelo menos desde as eleições de 2016. O atual coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas da prefeitura foi candidato em naquele ano a vereador no Rio de Janeiro pelo PRB, partido do alcaide. Teve apenas 2.604 votos e não se elegeu.
Em setembro daquele ano, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) apreenderam santinhos de Crivella e do então candidato a vereador dentro de uma unidade da Instituição Manassés em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio.

No dia 30 de setembro deste ano, a juíza eleitoral Daniela Bandeira de Freitas condenou Douglas Manassés a oito anos de inegibilidade, contados a partir de 2016 por “captação ilícita de sufrágio”. A prefeitura informou que ele está recorrendo da decisão.
Em clima de campanha
Atualmente, pelo que posta em suas redes sociais, Douglas Manassés parece se encaminhar para uma nova tentativa de se eleger vereador no ano que vem, caso seja autorizado pela Justiça Eleitoral.
Além de postar suas atividades como coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas, ele também mostra ações da prefeitura que vão de obras em praças a podas de árvores e afins.
No domingo (3), esteve na Marcha das Famílias Contra as Drogas, promovida em Copacabana. Numa das chamadas para o evento, contou com o apoio do filho do prefeito Marcelo Crivella, que gravou um vídeo ainda vestido com a camisa usada num protesto contra o pedágio na Linha Amarela.
Parceria com governo federal
A licitação anunciada pela prefeitura veio após o anúncio do repasse dos R$ 2,7 milhões do governo federal para o investimento em comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro. O atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, é um entusiasta deste tipo de tratamento, que é, em sua maioria, oferecido por entidades evangélicas ou católicas.
A prefeitura não descarta uma ampliação futura do número de vagas e o próprio edital prevê a possibilidade de termos aditivos, o que pode abrir caminho para mais recursos nas mãos de quem vencer a concorrência.
Além da Instituição Manassés e do Instituto Social Marca de Cristo, participam ainda do processo a Associação Maranatha do Rio de Janeiro, a Associação de Assistência Social Videira, o Instituto Revivendo com Cristo e a Igreja Batista Projeto Leão de Judá.
O que diz a prefeitura
A prefeitura enviou nota ao blog em que afirma que “as comunidades terapêuticas que estão participando do chamamento público estão com todas as documentações exigidas”. Também segundo a nota, “desde janeiro de 2018 Douglas Marques Corrêa (o Douglas Manassés) está afastado da direção da Instituição Social Manassés, não respondendo mais desde então por ela”. “O fato de ter sido presidente por muitos anos não pode contribuir negativamente para o trabalho da instituição”, disse.
Sobre a decisão da Justiça Eleitoral do Rio que tornou o coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas do município inelegível por oito anos, a assessoria de imprensa da prefeitura afirmou:
“A decisão foi do Juiz Eleitoral de 1ª instância e o TRE ainda não apreciou o caso. O recurso apresentado pela defesa será analisado pelo tribunal e Douglas Marques Corrêa acredita que a sentença seja reparada, especialmente porque a condenação por conduta vedada só pode recair sobre agentes públicos. Douglas não havia ocupado cargo público até 2018 e o processo é de 2015. Além disso, as provas dos autos não são consistentes para a condenação por abuso de poder econômico, conforme exige a jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral”.
“Fora da instituição”
Após a publicação da reportagem, a Secretaria de Ordem Pública enviou uma nova nota reforçando que Douglas Manassés não tem mais ligação com a Instituição Manassés. A atualização foi feita às 20h30m de segunda (4).
“Quanto ao processo no Tribunal de Justiça de São Paulo, ele refere-se a uma ata antiga da entidade – da qual Douglas Marques Corrêa ocupou diversos cargos até 2018.
Todos os atos estão devidamente registrados, públicos e transparentes, não restando dúvida legal de que não faz mais parte da direção da Instituição”.
“Vale destacar a importância de se ter à frente de um órgão de políticas sobre drogas uma pessoa que sofreu as consequências do uso abusivo e da dependência química e que conseguiu se recuperar graças a uma comunidade terapêutica”, concluiu.
*Foto em destaque: O prefeito Marcelo Crivella com Douglas Manassés / Reprodução / Facebook
Tem muitos picaretas na Administração Pública… Mas muito, muito mesmo!!!
O sujeito assume um cargo público vindo de uma entidade (seja ela qual for)… deveria, no mínimo, ser resguardado, protegido, o interesse público contra eventuais favorecimentos.
É preciso construir urgente interpretação dos princípios da impessoalidade e da moralidade, impondo algum impedimento de contratação de entidades das quais fizessem parte essas pessoas que assumem os quadros de órgão público contratante por cargo em comissão (de nomeação segundo escolha política, não concursado, portanto).
Em resumo, está na hora de impor quarentena nas empresas (de ao menos dois, três anos) para voltar a poder contratar com o ente público para onde pessoa ligada à empresa tenha sido nomeado.