Um dos eixos principais do processo de impeachment de Wilson Witzel ganha um novo capítulo. O blog localizou, em mensagens captadas pela Polícia Federal no celular de Luiz Roberto Martins, tido como controlador de fato da Organização Social Unir Saúde, um trecho em que o empresário demonstra ter conhecimento, na antevéspera, de uma decisão do governador que beneficiou a entidade.
Às 21h10m de 21 de março do ano passado, Luiz Roberto Martins responde a um amigo contador, que pergunta sobre a situação da OS, com a seguinte frase: “Com grandes possibilidades da volta por cima: Revogação da desqualificação pronta e assinada para a publicação; consequentemente as Upas do lote da baixada seriam da Unir”.
Veja a sequência abaixo:

No dia 22 de outubro de 2019, após a constatação de uma série de falhas na prestação dos serviços, a Organização Social havia sido impedida de continuar atuando com o governo estadual por decisão conjunta das secretarias da Casa Civil e de Saúde.
Então, em 23 de março de 2020, contrariando pareceres técnicos anteriores, Witzel assinou um despacho que revogou a desqualificação da entidade. A data do documento, portanto, é posterior à da mensagem em que o controlador da Unir Saúde demostrou ter conhecimento da decisão. A publicação em Diário Oficial, por sua vez, só ocorreu no dia 24 de março.

Em nota (íntegra no fim do texto), o governador afastado disse que sua “decisão sobre a requalificação foi pautada por critérios jurídicos, conforme amplamente divulgado”.
Que Mário?
Um eventual benefício à Unir Saúde, que possa ter ferido as normas de impessoalidade da gestão pública, é um dos eixos principais do processo de impeachment de Witzel, que deve ser retomado nas próximas semanas no Tribunal Especial Misto.
A nova mensagem localizada pelo blog nos dados encontrados no celular de Luiz Roberto Martins reforça o tom das outras conversas que já haviam sido divulgadas pelo Ministério Público Federal no ano passado, no âmbito da Operação Favorito.
No dia 20 de março, o controlador da Unir Saúde, num diálogo com Elcy Antônio dos Santos Silva – que foi diretor de uma outra OS ligada a Martins, o IDR (Instituto Data Rio) -, falou a famosa frase “diz o Mário que foi ele que acertou junto ao governador”, numa conversa sobre a requalificação da OS. Mas afirmou que “não publicou ainda”.

Para o MPF, “Mário” seria o empresário Mário Peixoto, apontado pelos procuradores como o outro controlador oculto da Unir Saúde, junto com Luiz Roberto Martins. Peixoto tem negado veementemente qualquer ligação com essa OS, e a defesa de Witzel alega que poderia se tratar de qualquer Mário.
Em sua delação, o ex-secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, disse que chegou a se reunir uma vez com Mário Peixoto para conversar sobre a Unir Saúde.

Especificamente sobre o pedido de requalificação da Unir Saúde, Edmar também disse que teria partido de Mário Peixoto.

“Zero 1 do palácio”
Tanto Mário Peixoto quanto Luiz Roberto Martins foram presos no ano passado, na Operação Favorito, por suspeitas de desvios de recursos públicos através de Organizações Sociais e empresas com contratos com o Estado do Rio. Ambos posteriormente passaram a cumprir prisão domiciliar.
Também no celular de Martins, a PF já havia captado uma mensagem de Mário Peixoto, do dia 18 de março de 2020, em que o empresário pede para que fosse feita uma ligação. Os telefonemas via WhatsApp não conseguem ser captados posteriormente nos aparelhos.

Já no dia 24 de março, aí sim efetivamente com a publicação da revogação em Diário Oficial, Luiz Roberto Martins comemorou com o ex-deputado e ex-prefeito de Nova Iguaçu Nelson Bornier o ato do governador, numa ligação captada pela PF.

“Ética e moralidade”
Após a deflagração da Operação Favorito, em maio do ano passado, Witzel então voltou atrás e tornou novamente a Unir Saúde desqualificada, não podendo mais assinar contratos com o estado. Na nota enviada ao blog nesta sexta (19), o governador afastado reforçou o fato de ter tomado tal medida:
“Tão logo eu soube da decisão proferida pelo juízo da 7ª Vara Federal Criminal, reconsiderei imediatamente a decisão anterior, mantendo meu compromisso com a ética e a moralidade da administração pública”.
Em 2020, as OSs IDR e Unir Saúde também foram contempladas com os chamados “restos a pagar“, dívidas de anos anteriores do governo estadual. Ao todo, os valores superaram os R$ 16 milhões. Ainda assim, ambas as entidades deixaram um grande passivo trabalhista que promete se arrastar nos próximos anos.
Outro lado
O blog entrou em contato por e-mail com a defesa de Luiz Roberto Martins, mas não obteve retorno. Abaixo, a íntegra das perguntas enviadas pela reportagem a Wilson Witzel:
- No material captado pela PF, há a seguinte mensagem que foi enviada por Luiz Roberto Martins no dia 21 de março de 2020, às 21h10m, a um amigo contador: “Com grandes possibilidades da volta por cima : Revogação da desqualificação pronta e assinada para a publicação; consequentemente as Upas do lote da baixada seriam da Unir”. Pelos documentos que constam do processo da Unir, o senhor só assinou o documento de revogação no dia 23 de março, havendo a publicação em Diário Oficial no dia 24. O senhor tem ideia de como a informação possa ter chegado de forma antecipada ao empresário Luiz Roberto Martins?
- Alguém além do senhor teve acesso ao documento antes de ele entrar oficialmente no processo?
- O senhor teve contato com algum interlocutor de Luiz Roberto Martins durante os dias que antecederam a publicação da decisão?
- O senhor teve algum contato com o empresário Mário Peixoto nesse período?
O governador afastado respondeu com a seguinte nota:
“O senhor Luiz Roberto Martins foi ouvido no Tribunal Especial Misto, sob o crivo do contraditório e negou qualquer relação com a OS Unir.
Minha decisão sobre a requalificação foi pautada por critérios jurídicos, conforme amplamente divulgado. Tão logo eu soube da decisão proferida pelo juízo da 7ª Vara Federal Criminal, reconsiderei imediatamente a decisão anterior, mantendo meu compromisso com a ética e a moralidade da administração pública.
Os processos administrativos no Estado do Rio de Janeiro tramitam entre os órgãos sem sigilo, e quando não são físicos, obrigatoriamente pelo Sistema Eletrônico (SEI).
Quanto às minhas decisões, as minutas são preparadas com apoio da Casa Civil, seus procuradores e assessores”.
Mário Peixoto
Na manhã de sábado (20), a defesa de Mário Peixoto enviou a seguinte nota:
“A tese do MPF para supor o envolvimento de Mário Peixoto no episódio da requalificação da Unir Saúde se baseia na ilação que ele seria o dono da OS, o que é frontalmente desmentido com os fatos apurados na Operação Filhote de Cuco, do Gaecc do MPRJ.
Nesta operação, as OSs Unir e IDR foram investigadas por quatro anos e a investigação concluiu quem eram os sócios ocultos e ostensivos destas empresas, quem eram os operadores, as empresas envolvidas e beneficiadas e como ocorriam os desvios.
O MPRJ apurou o envolvimento de 18 pessoas e 25 empresas, concluiu com a prisão preventiva de cinco pessoas e não houve qualquer denúncia do envolvimento de Mário Peixoto.
Mário Peixoto, no âmbito da Operação Favorito, teve seus sigilos quebrados por 13 anos e foi alvo de escutas autorizadas por oito meses e nada se comprovou sobre o suposto vínculo com a Unir ou com Luiz Roberto Martins.
Em relação à delação de Edmar Santos, carece de credibilidade pois está repleta de contradições. Jamais ele poderia afirmar que Mário Peixoto pediu para requalificar a Unir, pois na data do referido encontro citado por ele, a OS não estava desqualificada.
Edmar diz que não sabe quase nada de Mário Peixoto, mas afirma que ele era muito forte e influente e que tinha muitos negócios, mas não cita nenhum.
Ao contrário deste cenário, Edmar afirma que foi Nelson Bornier quem pediu, pressionou e ameaçou com dossiê, caso não requalificasse a Unir e que obrigou o grupo criminoso a mudar de endereço.
Cabe ressaltar que não existe qualquer relação de Mário Peixoto com Nelson Bornier.
Fica bem claro que não existia interesse de Mário Peixoto pela requalificação da Unir, pois em nada seria beneficiado. As pessoas que tinham interesse estão citadas na Operação Filhote de Cuco”.
*Foto em destaque: O governador afastado do Rio, Wilson Witzel / Fernando Frazão / Agência Brasil
**A reportagem foi atualizada às 12h de sábado (20), com a nota da defesa de Mário Peixoto