Não faz nem três meses que assumiu o cargo, e o governador Wilson Witzel ocupou a cadeira central da mesa montada no Palácio Guanabara para a entrevista coletiva, concedida no fim da manhã desta terça (12), que tinha como principal objetivo detalhar as investigações que levaram a Polícia do Rio a prender, horas antes, dois suspeitos da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Foi o próprio governador quem começou falando:
“É uma resposta importante que estamos dando à sociedade. A elucidação de um crime bárbaro, cometido contra uma parlamentar, uma mulher, no desempenho de sua atividade democrática, que teve sua vida ceifada de forma criminosa odienta, inaceitável. Inaceitável a qualquer ser humano. Muito mais inaceitável ainda porque Marielle Franco estava no exercício da atividade parlamentar, exercendo seu mandato”.
A fala, carregada de adjetivos, é louvável. Mas temos que lembrar que não foi sempre assim. Em outubro do ano passado, o próprio site do partido de Witzel, o PSC, publicou um texto baseado numa reportagem do G1, em que mostra um tom bem diferente do então candidato, que havia acabado de garantir sua passagem para o segundo turno das eleições:
“A investigação, nesse caso [Marielle], será tratada exatamente como qualquer outro caso. Eu fui juiz criminal, tenho muita experiência para passar para os delegados. Os delegados já disseram, inclusive, que vão ter um governador para tirar dúvida. Eu sou professor de direito penal, a minha esposa foi minha aluna. E o que eu quero dizer é que os delegados terão orientação, nós vamos criar uma universidade da polícia. Tanto para poder aprimorar praças e oficiais da Polícia Militar, quanto guardas municipais. Então, nós vamos aprimorar a investigação para reduzir e apurar com rigor. Nós vamos ter que dar mais efetividade às investigações em relação a homicídios.”
Ou seja, o que seria tratado como “qualquer outro caso” se transformou agora, para o governador, em crime bárbaro “muito mais inaceitável” por se tratar de uma mulher exercendo seu mandato.
Em comum, porém, Witzel mantém a vontade de mostrar que sua experiência como juiz federal está auxiliando a polícia, como disse nesta terça, também no início da coletiva:
“Desde que participei da eleição, desde o inicio de minha participação, sempre assumi o compromisso de que a resposta seria dada. Após a vitoria nas urnas, me reuni com os delegados para que eu pudesse não conhecer detalhes (do caso), tendo em vista que os autos estavam sob sigilo, mas para que o delegado pudesse me apresentar a linha de investigação. E eu pudesse colaborar com a experiencia de 17 anos de magistratura dos quais quase uma década na magistratura criminal”.

A referência mais óbvia a essa relação no mínimo confusa de Witzel com o caso Marielle é a imagem em que ele apareceu, a uma semana do primeiro turno das eleições, discursando ao lado do então candidato a deputado estadual Rodrigo Amorim (eleito pelo PSL), que exibia como um troféu a placa rasgada com o nome da vereadora assassinada.
No dia 25 de outubro, durante um debate na TV Globo, com Rodrigo Amorim na plateia, disse, segundo registro do site da Veja:
“Aquele era um ato pró-Bolsonaro, não um ato contrário a quem quer que seja. Improvisamos um palanque para falar das propostas para o Rio, eu não estava ali para fazer protestos contra quem quer que seja. Jamais compactuei com qualquer episódio de violência. Quem praticou o ato que responda por ele”.
“Ninguém desrespeitou a memória de ninguém”
Mas, no dia 21 de outubro, do alto de um carro de som, num comício realizado na Praia de Copacabana, e ao lado de Amorim, Witzel havia dito, em alto e bom som, que “ninguém desrespeitou a memória de ninguém”, como mostra o vídeo abaixo, captado no Facebook de Roberto Motta, a partir dos 13 minutos:
“O deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro, Rodrigo Amorim! Eu quero aqui deixar um recado bem claro, aproveitando a presença do Rodrigo Amorim. Nós já demonstramos que não compactuamos com nenhum tipo de intolerância na política, com nenhum tipo de intolerância. A facada a Jair Messias Bolsonaro ou a quem quer que seja não pode ficar sem punição. Essas são declarações que já demos. Agora, não aceitamos e não toleramos a ilegalidade. Não se pode colocar placa aonde não está autorizado pela legislação municipal. Com o Rodrigo aqui, uma defesa de sua honra… E que jamais… Ninguém desrespeitou a memória de ninguém”.
Nesta terça, a polícia anunciou a prisão de dois suspeitos da morte de Marielle e Anderson. Resta saber se chegarão aos mandantes. Em respeito a suas memórias.
Mais um malandro pra desgovernar esse país.