Ilhas Tropicais Turismo, a misteriosa empresa que receberá R$ 240 mil da PM

O melhor passeio de escuna pelas Ilhas Tropicais de Jaguanum, na Costa Verde fluminense. É isso que promete a empresa Ilhas Tropicais Turismo Eireli, em seu site. Fotos de belas praias e excursões com muita animação compõem o chamariz aos clientes. E entre eles, está, desde o mês passado, a Polícia Militar do Rio.

No dia 6 de agosto, a corporação publicou em Diário Oficial a liberação de R$ 240 mil sem licitação para a companhia. A justificativa oficial é que a contratação foi necessária para atender a uma demanda judicial que obrigou o oferecimento de transporte escolar para alunos moradores de Duque de Caxias que frequentam o Colégio da PM, em Niterói.

Mas por que contratar a Ilhas Tropicais, especializada em passeios de barco, para levar estudantes da Baixada Fluminense a Niterói? Seria o caminho pelo mar? Não exatamente. É preciso conhecer um pouco mais da história da empresa para (tentar) chegar a como ela ganhou este contrato.

Mudança para transporte escolar

Dados levantados pelo blog na Junta Comercial do Rio mostram que no dia 2 de julho deste ano, pouco mais de um mês antes de ganhar o serviço na PM, a Ilhas Tropicais deu uma virada nos seus rumos.

De uma empresa aberta em 2015 com o foco principal no serviço de agência de viagem, ela passou a ter como sua atividade principal o transporte escolar. Exatamente o serviço para o qual ganharia o contrato sem licitação da PM dali a um mês.

Na mesma data, o capital social cresceu de R$ 150 mil para R$ 1,5 milhão. E a sede da companhia se mudou de Itacuruçá, local de onde saem os passeios de barco, para um endereço no bairro de Sampaio, Zona Norte do Rio.

Ex-secretário de Itaguaí no comando

E as mudanças não pararam por aí. Quem passou a ser o administrador da empresa, “com amplos poderes de direção e representação”, foi o empresário Alex de Lucena Barboza. Ex-secretário de Transportes de Itaguaí, ele foi afastado em 2015 da prefeitura por determinação da Justiça Federal. Segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo, o processo, que corre em segredo de Justiça, aponta irregularidades em licitações e desvios de verbas públicas.

Apesar disso, em 2017, ele foi nomeado como assessor na Prefeitura do Rio, na Fundação Rio Águas. Sua situação atual é uma incógnita: o blog não localizou pagamentos para ele no Portal da Transparência. E também não foi localizada nenhuma publicação em Diário Oficial com a exoneração do funcionário.

O dono hipossuficiente

Além do administrador Alex, os dados da Junta Comercial mostram que, no papel, o dono da Ilhas Tropicais é Sandoval Nascimento Daniel. Os documentos mostram que, em julho, ele teria comprado todas as cotas da empresa por R$ 150 mil de José Augusto de Sousa Lima.

A compra chama a atenção se comparada com a situação financeira que Sandoval declarou, em outubro do ano passado, num processo judicial em que pedia serviços de atendimento de saúde para um irmão idoso.

Na ação, o agora dono da Ilhas Tropicais assinou uma declaração de hipossuficiência para pedir gratuidade de Justiça. Ou seja, declarou que não tinha uma boa condição financeira. Num documento, ele disse ganhar R$ 1.550 de aposentadoria. A renda da família se completaria com R$ 1.200 do benefício da sua mulher.

O blog tentou entrar em contato com Sandoval por telefone, mas não houve sucesso.

Free Dance Turismo

Os principais dados da empresa na Junta Comercial aparecem no trecho do documento abaixo. Por aí, também é possível ver que a Ilhas Tropicais tem um outro nome “fantasia”: “Free Dance Turismo”.

Pelo tal nome fantasia, a história parece a ficar um pouco mais clara. Na internet, o site alugueldeonibusrj.com.br mostra os coletivos da empresa Free Dance. O foco, como diz o nome da página, é o aluguel de ônibus, inclusive para colégios. E, no pé do site, há uma referência à página da Ilhas Tropicais ( http://www.ilhastropicaistur.com.br), para os passeios de barco. Os telefones fixos de contato são os mesmos nos dois casos.

Free Dance Turismo 2

Ok, mas nem tudo se encaixa. No site, a Free Dance diz que “encontra-se no mercado há mais de 15 anos oferecendo serviços de fretamento de ônibus”. Mas a Ilhas Tropicais, que tem o nome fantasia de Free Dance, só existe desde 2015.

Então, o blog descobriu que existe uma outra empresa chamada Free Dance Transportadora Turística Eireli, que existe desde 1994, e já funcionou na atual sede da Ilhas Tropicais. Essa companhia está aberta, em pleno funcionamento, segundo o site da Receita Federal, com serviço principal de transporte coletivo rodoviário de passageiros. No site da Fazenda, consta que ela possui dívidas de mais de R$ 700 mil com a União.

Nos últimos dias, o blog tentou entrar em contato com vários números dessas empresas, mas ninguém quis comentar o contrato com a PM.

PM: preço vantajoso

Independentemente de todas essas dúvidas, a Polícia Militar garante que todo o processo que culminou com a escolha da Ilhas Tropicais foi legal.

A contratação por emergência do transporte escolar foi necessária porque a Justiça Federal anulou em março um concurso realizado para o Colégio da PM Percy Geraldo Bolsonaro, em Duque de Caxias, sob suspeita de que filhos de militares teriam tido vantagem na concorrência. Alunos que passaram então foram remanejados para a unidade de Niterói.

Segundo a PM, a Justiça determinou, neste caso, a oferta de transporte escolar, apesar de o edital de seleção ter informado que esse serviço não seria dado pela corporação.

Confira a íntegra da nota da Polícia Militar:

“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar esclarece que a contratação da referida empresa foi efetivada em razão de decisão judicial, determinando que a Corporação arcasse com as despesas de transportes dos alunos do Colégio da PM de Duque de Caxias para a unidade ensino de Niterói.

A contratação foi precedida de uma pesquisa de mercado para analisar as cotações das empresas para prestação do serviço. Ao ser escolhida por oferecer o preço mais vantajoso, a referida empresa apresentou todos os documentos e as certidões inerentes à contratação, entre os quais, obviamente, a sua habilitação para serviço de transporte escolar.

Vale ressaltar que os procedimentos foram acompanhados e receberam parecer favorável da Assessoria Jurídica da Corporação”.

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