ISP não sabe quantidade e tipo de drogas apreendidas no RJ desde 2016

Nem fuzis, veículos blindados ou helicópteros. No estado onde o confronto é a palavra de ordem, o que falta é o mais básico para se pensar uma política estratégica de drogas: números. Em resposta a um pedido feito através da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP) informou ao blog que, desde agosto de 2016, não possui dados sobre a quantidade e nem sobre os tipos de entorpecentes que a polícia apreende no estado. É isso mesmo: o órgão oficial, responsável pelas estatísticas que poderiam nortear não só ações de governo como pesquisas, simplesmente não as tem de maneira detalhada.

As últimas referências a essas informações constam de um estudo publicado no ano passado nos Cadernos de Segurança Pública do ISP pelo doutorando da Uerj Emmanuel Rapizo. Os dados publicados na pesquisa, sobre as quantidades e tipos de drogas apreendidas no estado, pararam no tempo. De acordo com a resposta enviada ao blog pelo instituto, os números eram consequência de uma parceria com o Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), que durou somente de janeiro de 2010 a agosto de 2016.

O que existe hoje então de mais atual são dados baseados em registros de ocorrência feitos nas delegacias. Ali, é possível ver, por exemplo, se a apreensão da droga foi relacionada a porte ou tráfico, além de referências geográficas e de datas. Mas não dá para saber se o entorpecente era maconha, cocaína, se foram gramas, quilos ou toneladas. Para este ano, só foram disponibilizados pelo ISP os microdados de janeiro a junho (os links para os dados brutos estão no fim do texto).

38% de apreensões com usuários

A base de dados tem problemas como, por exemplo, padrões geográficos que se misturam e campos sem os dados, constando como ignorados ou sem informação. Ainda assim, é possível ver que o número total de apreensões é inflado por uma grande quantidade de ocorrências que envolvem o uso da droga para consumo pessoal.

Este ano, entre janeiro e junho, foram registradas no Estado do Rio 11.849 apreensões de drogas. Entre elas, como mostra o gráfico acima, está no topo da lista o porte para consumo próprio (4.272). Somada a outros registros na mesma linha, chega-se a 38% do total.

Como não há a especificação das quantidades de entorpecentes, não é possível saber ao certo se as ocorrências de tráfico envolvem grandes volumes. Outro caso são os registros colocados como “apreensão de substância entorpecente”, que não têm autor definido. Também fica no ar a quantidade da droga.

Números para impressionar

A divulgação dos números absolutos, sem detalhamento ou contextualização, é um prato cheio para autoridades que querem mostrar serviço na área de Segurança Pública.

Em julho passado, por exemplo, o governador Wilson Witzel comemorou no Twitter “a maior apreensão de armas e drogas no Estado do Rio”. A afirmação é delicada já que há, desde 2016, o vácuo nas estatísticas de quantidades de entorpecentes, que eram feitas pelo ISP.

Isso sem falar que, no estudo feito no ano passado e publicado nos Cadernos de Segurança do instituto, há uma referência à quantidade grande de apreensão de drogas em 2010, na época da ocupação do Complexo do Alemão. Só de maconha, para se ter uma ideia, foram mais de 42 toneladas naquele ano.

A caça ao baseado

Na prática, o cotidiano da política de drogas no estado está, em muitas vezes, mais voltado para o “peixe pequeno” do que propriamente para as grandes apreensões que costumam ser noticiadas. E isso fica bastante evidente ao se olhar ao menos duas cidades que estão entre as que mais registraram casos no primeiro semestre deste ano.

Apesar de serem respectivamente apenas o 51º e o 28º municípios no número de habitantes no estado, Itatiaia e Itaperuna são a segunda e a quinta cidades no ranking de apreensões de drogas de janeiro a junho de 2019. Isso acontece basicamente porque possuem postos da Barreira Fiscal.

Esses postos fiscalizam veículos para coibir a sonegação de ICMS, além de atuar na apreensão de drogas, armas, produtos pirateados e afins. A estatística, portanto, pode parecer um bom sinal. Mas não é bem assim.

Em Itatiaia, por exemplo, dos 607 registros no primeiro semestre de 2019, nada menos do que 573 (94%) foram de ocorrências relacionadas a drogas para consumo pessoal. Foi esse tipo de apreensão que impulsionou o aumento em relação ao período de janeiro a junho de 2018. Nesta época, a cidade havia registrado um total de 381 casos, sendo que 330 (86%) foram relacionados ao porte de entorpecentes.

O que importa em segundo plano

Em Itaperuna, ainda que em menor escala, a situação se repete. No primeiro semestre deste ano, das 510 apreensões registradas na cidade, 406 (79%) foram relacionadas a usuários de drogas. No mesmo período do ano passado, o total foi de 268 ocorrências, sendo 178 (66%) relacionadas a consumo pessoal.

Uma fonte ouvida pelo blog que conhece o funcionamento das barreiras fiscais contou que os casos de apreensões de drogas usadas para consumo pessoal só têm atrapalhado a rotina de trabalho.

Com equipes já reduzidas, é preciso deslocar ao menos um policial e um servidor para conduzir o usuário à delegacia cada vez que uma guimba de cigarro de maconha ou algo do tipo é flagrado dentro de um veículo. O resultado disso é que menos gente fica disponível para as fiscalizações envolvendo cargas maiores.

Segundo a Lei de Drogas de 2006, o usuário não pode ser mais preso em flagrante. Fica sujeito a penas alternativas, que vão de advertência a medidas educativas. Ele precisa ainda assinar um termo circunstanciado.

O texto não estabelece quantidades que seriam enquadradas como tráfico, deixando a critério subjetivo das autoridades.

Ipanema, 50 casos; Rocinha, 6

Ainda na questão geográfica, chama a atenção o quadro de apreensões de drogas por bairro na capital fluminense. O ponto fora da curva é Bangu, que fica no topo da lista, impulsionado basicamente por casos ocorridos dentro de estabelecimentos prisionais. São 325 do total de 404 registros.

E, ao contrário de todo o discurso de guerra às drogas, voltado para as comunidades, dois bairros da Zona Sul da cidade aparecem entre os cinco onde houve mais apreensões: Copacabana (75) e Ipanema (50). O Leblon ficou em oitavo (45).

Ainda que o refinamento dos registros não seja 100% confiável, no caso de Ipanema, por exemplo, nenhuma das apreensões foi marcada como tendo sido realizada em área de favela.

Já na área da Rocinha, foram apenas seis registros contabilizados entre janeiro e junho de 2018.

Os dados brutos do primeiro semestre de 2018 podem ser acessados neste link. Os do primeiro semestre de 2019 neste aqui.

Apesar de já ter disponibilizado em seu site estatísticas até agosto deste ano, o ISP alegou que só poderia enviar ao blog os microdados até junho porque precisa seguir um protocolo de confirmação antes da divulgação ao público.

*Foto em destaque: Apreensão de drogas pela PM na Zona Norte do Rio / Divulgação / Polícia Militar

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