Ainda travada pela Justiça, a construção do Autódromo de Deodoro, na Zona Oeste do Rio, segue sendo uma incógnita. O que não impede a Rio Motorpark Holding, responsável pelo projeto, de já se adiantar em conseguir benefícios do Poder Público. Nesta terça (26), a Comissão de Aprovação de Projetos da Secretaria estadual de Esporte liberou a concessão de isenção fiscal para auxiliar a empresa a trazer a Fórmula 1 para a capital fluminense a partir de 2021.
A assessoria de imprensa da pasta não informou o valor preciso da isenção, afirmando apenas que os recursos deverão ser usados para pagar uma taxa de licenciamento para a organizadora que detém os direitos do evento. “Cabe ainda esclarecer que a concessão do benefício fiscal se dará quando for apresentado e validado o patrocinador que fará o aporte financeiro”, afirmou a Secretaria de Esporte.
De acordo com a ata da reunião da comissão, o benefício foi aprovado por unanimidade. A única voz que levantou ter ressalvas sobre o projeto foi a de Rafael Fernandes Lira, advogado membro do colegiado por ter notória especialização em legislação esportiva.
“Não obstante a importância do projeto para o Rio de Janeiro, que objetiva retomar a realização de um evento extremamente rentável, tanto na esfera de fomento esportivo quanto na econômico-financeira, restou-se controverso inicialmente, no íntimo deste votante, a possibilidade de aprovação diante dos valores aventados”.
Rafael Fernandes Lira, advogado
Trâmite começou em setembro
A possibilidade de concessão de benefícios fiscais para trazer a Fórmula 1 para o Rio havia sido levantada pela assessoria do governador Wilson Witzel em nota enviada no último dia 21 ao blog Olhar Olímpico, do UOL.
“Rio Motorpark, consórcio vencedor para a construção e exploração do Autódromo Parque de Deodoro, nunca solicitou ao governo do Estado do Rio de Janeiro qualquer tipo de incentivo fiscal ou apoio financeiro para sua construção”, diz o governo, ressaltando que, mesmo assim, “está estudando a concessão de incentivos fiscais para a promoção do evento”
Trecho de reportagem do blog Olhar Olímpico
Um documento ao qual o Blog do Berta teve acesso mostra que, em 27 de setembro, já havia começado a tramitar na Secretaria estadual de Esporte o pedido proposto pela Rio Motorpark Holding para o evento da Fórmula 1.

Em nota, a Secretaria de Esporte disse que “o projeto apresentado pelo proponente se destina ao custeio da taxa para que a Fórmula 1 aconteça no estado, e não tem nenhuma relação com a ‘construção do autódromo'”.
Lei no fim do governo
A isenção fiscal aprovada para a Fórmula 1 tem como base uma lei sancionada no fim do governo de Francisco Dornelles, no dia 26 de dezembro do ano passado. O texto tornou mais atrativo o incentivo para os apoiadores. Foi eliminada, por exemplo, a necessidade de uma contrapartida de 20% de recursos próprios dos patrocinadores.
Na ata da reunião de terça, que ratificou o benefício, representantes da Secretaria estadual de Fazenda e da Procuradoria Geral do Estado (PGE) disseram estar de acordo com a isenção, apesar de o Rio estar enquadrado atualmente em um Regime de Recuperação Fiscal.
“A aprovação do projeto Fórmula 1 Rio de Janeiro 2021-2030 atende a política do Governo do Estado de fomentar a realização de grandes eventos esportivos, democratizando a modalidade e potencializando o desenvolvimento econômico”, completou em nota a Secretaria de Esporte.
STJ nega pedido da prefeitura
Enquanto já garante até benefício fiscal no estado, a Rio Motorpark segue com problemas na Justiça para colocar à frente a construção do Autódromo de Deodoro.
No último dia 22, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) que havia suspendido em agosto a contratação da empresa para a realização do projeto, até que se resolvam pendências ambientais. A Rio Motorpark venceu a licitação da Prefeitura do Rio para a exploração do terreno na Zona Oeste por 35 anos. O valor estimado da concessão é de R$ 697 milhões.
O município tentou no STJ a liberação do projeto, mas a Corte, com base no voto do relator, ministro João Otávio de Noronha, manteve a decisão de suspender temporariamente a construção do autódromo.
“Atente-se, a propósito, para o viés eminentemente especulativo do argumento tendente a demonstrar a urgência da medida suspensiva, baseado em ‘notícia’ jornalística segunda qual ‘o contrato com o circuito de Interlagos/SP termina agora em 2020 e as negociações para os anos seguintes já estão em curso’. Na verdade, o que nitidamente sobressai dos autos é o propósito do município de obter a revisão de decisão judicial que lhe foi adversa, procedimento incompatível com a via estreita da presente medida suspensiva”, afirmou o ministro, em sua decisão.
Reunião na Alerj
Esta semana, foi realizada na Alerj uma reunião com representantes do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que informaram já terem recebido o Estudo de Impacto Ambiental para a construção do autódromo. O prazo para aprovação é de um ano, mas a expectativa é que já haja uma resolução até o fim do primeiro semestre de 2020.
Outra pendência para que o projeto vá para frente é a aprovação de um projeto de lei na Câmara de Vereadores que ratifique a concessão do autódromo através de uma Parceria Público-Privada (PPP). A tendência é que a votação aconteça na semana que vem.
A licitação que terminou com a Rio Motorpark Holding como vencedora é alvo de investigação do Ministério Público do Rio. Em julho, o G1 revelou que o presidente da empresa José Antônio Soares Pereira Júnior é também sócio da Crown Assessoria, que elaborou os estudos para o edital. Outro problema era o capital social da Rio Motorpark, que estava bem abaixo do exigido na concorrência.
Bandeira atual de Witzel e Crivella, o Autódromo de Deodoro também já foi menina dos olhos do presidente Jair Bolsonaro, que destacou, num discurso em maio, a importância econômica do projeto, que seria realizado “sem nenhum dinheiro público”. Em outubro, porém, reportagem da Agência Sportlight revelou que, entre 2014 e 2018, o Exército recebeu do Ministério do Esporte mais de R$ 100 milhões, em valores atuais, pelo terreno onde está prevista a construção da pista.
“Valores confidenciais”
Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Rio Motorpark Holding afirmou que “o projeto (do autódromo) não está suspenso”.
“A Justiça determinou que não fosse feita a assinatura do contrato de concessão enquanto não se emitissem as licenças ambientais. Resolução, aliás, que não altera nada, visto que o próprio edital de concorrência apresentava essa determinação. A maior medida que tomamos foi exatamente apresentar os estudos ambientais baseados nas instruções técnicas do Inea, o que já está concluído e com a ciência do governo estadual”.
Sobre o incentivo fiscal, a empresa reforçou que “refere-se à parte do pagamento das taxas necessárias para trazer a F1 de volta ao Rio”.
“Os valores são confidenciais de acordo cláusulas dos documentos assinados até agora com a F1”, concluiu.
*Foto em destaque: Imagem do projeto do Autódromo de Deodoro / Divulgação