Aberta na década de 1970, a empresa Construir Facilities, Arquitetura e Serviços se consolidou no mercado de terceirização de mão de obra graças principalmente a uma forte atuação no Governo do Estado do Rio. Somente de 2014 para cá, por exemplo, foram R$ 227,8 milhões em contratos, que tiveram a Uerj como um de seus principais clientes.
Tudo caminhava dentro dos conformes para a empresa até que, em 2016, com o agravamento da crise no estado, a universidade não conseguiu mais honrar com seus pagamentos. O contrato com a instituição de ensino foi suspenso, deixando uma dívida de pelo menos R$ 16 milhões. A consequência: centenas de funcionários demitidos, que aguardam até hoje para receber seus direitos trabalhistas.
O surpreendente é que o empresário Julio Diniz de Andrade Pinheiro, dono da Construir Facilities, vem assistindo a tudo isso de uma confortável casa no bucólico bairro da Urca. Que pertence a quem? À própria Uerj. Mas que vem sendo alugada por uma pechincha para pessoas ligadas ao empresário. Desde setembro, a universidade vem tentando licitar o imóvel, mas o edital foi suspenso. Enquanto isso, a instituição segue presa a um contrato com valor bem abaixo do mercado.
Aluguel desde 2003
Através de um pedido com base na Lei de Acesso à Informação, o blog conseguiu a última versão do contrato que está em vigor para o aluguel da casa, que fica na Avenida São Sebastião. São 288 metros quadrados de área construída. A atual inquilina é a pensionista Heloísa Lopes e Silva. O valor pago mensalmente é de R$ 4.234.

Heloísa é viúva de Antonio Alberto Almeida e Silva e acabou permanecendo no imóvel mesmo após a morte de seu marido há quase três anos. Em 2003, foi ele quem assinou o contrato de aluguel da casa da Uerj pela primeira vez. Os anos se passaram e a família foi se perpetuando na residência.

O que chama a atenção, porém, é que, apesar de ter sido alugada nos nomes de Heloísa e Antonio, a casa também vem sendo usada pelo empresário Julio Pinheiro, dono da Construir Facilities. Antonio era primo de Julio e chegou a ter participação societária em companhias do empresário.
O blog detectou que a residência vem sendo utilizada por Julio porque ele deu o endereço do imóvel da Uerj na Urca em diversos documentos que aparecem em processos judiciais.


Metade do preço de mercado
Há cerca de um mês, o blog esteve na casa. Uma mulher disse que Heloísa não estava naquele momento – uma tarde de dia de semana – e desconversou quando perguntada sobre Julio. Desde então, foi tentado contato sem sucesso com algum representante do empresário ou da Construir Facilities.
Por telefone, uma atendente da Construir desligou assim que o blog se identificou. Foram encaminhadas por e-mail diversas perguntas à advogada da empresa Blanca Fantoni, mas também não houve retorno. A assessoria de imprensa da Uerj também não respondeu aos questionamentos enviados há mais de uma semana.
O edital publicado este ano pela universidade estipulou um valor de pelo menos R$ 9.055 para o aluguel da casa na Urca. O contrato atual é de apenas R$ 4.234 mensais. Ou seja, menos da metade.
Em 2015, um laudo de avaliação feito por uma empresa contratada pela universidade avaliou o aluguel em R$ 11,8 mil. O valor de venda era de R$ 1,7 milhão. Como a Uerj não retornou os contatos do blog, não é possível saber por que a casa vem sendo alugada por pouco mais de R$ 4 mil.
Licitação suspensa
Nos últimos meses, a Uerj veio tentando fazer a licitação para um novo aluguel, sob protestos da atual inquilina. Ela alega que deveria ter direito de preferência sobre a casa por já estar alugando o imóvel há muitos anos. A direção do departamento responsável pelos imóveis da universidade negou inicialmente pelo menos dois recursos de Heloísa, mas o edital acabou suspenso. O blog também perguntou à Uerj os motivos da suspensão, mas não houve retorno.
Com quatro pavimentos, a residência é dividida da seguinte forma: térreo composto de garagem e portão de acesso exclusivo à escada para os demais pavimentos; segundo pavimento composto de varanda descoberta, sala de estar, sala de jantar, cozinha e área de serviço; terceiro pavimento composto de suíte com pequena varanda descoberta, dois quartos, banheiro, dependências completas e casa de bombas; e quarto pavimento com terraço descoberto e edícula.
A intenção da universidade era que o novo contrato de aluguel fosse de 60 meses.

A casa da Urca faz parte de um conjunto de imóveis que foram repassados para a Uerj após terem sido incorporados pelo Estado do Rio na década de 1980. Pertenciam a pessoas que morreram e não deixaram herdeiros.
O Departamento de Patrimônio Imobiliário da universidade tem um site que lista oportunidades de aluguel e compra.
Ainda sem direitos trabalhistas
Enquanto o futuro da casa segue em suspenso, quem trabalhou como terceirizado da Uerj pela Construir Facilities vive outra expectativa: a de receber seus direitos. Em 2017, a empresa entrou em recuperação judicial, o que fez com que os pagamentos ficassem em compasso de espera.
O relatório mais recente de atividades da empresa mostra que praticamente todos os credores trabalhistas ainda aguardam pagamentos da Uerj à Construir para receber o que ficou pendente. Também há casos relativos à prefeitura de Duque de Caxias. A companhia que em seu auge chegou a ter quase 3.500 funcionários, agora tem pouco mais de 500.
Alguns credores têm tentado na Justiça acionar outras empresas ligadas a Julio Pinheiro para conseguir mais rápido o dinheiro que têm a receber. E, em ao menos um caso localizado pelo blog, já houve decisão favorável inclusive em fase de recurso.
Outras empresas do grupo
Além da Construir Facilities, Julio Pinheiro também é sócio atualmente da JP Participações. Outra companhia ligada a ele é a Empresa Técnica de Serviços (ETS), que tem entre os sócios um cunhado do empresário.
Quando a Construir entrou em crise, R$ 7,8 milhões de um total do capital social da empresa de R$ 20 milhões foram transferidos para a JP Participações. A estratégia, de acordo com credores que entraram com processos na Justiça Trabalhista, teria sido uma forma de Julio Pinheiro preservar seu patrimônio diante de um grande passivo trabalhista.
Agora, eles tentam que a ETS e a JP Participações também se responsabilizem pelos valores devidos, enquanto a perspectiva de recebimento por parte da Construir é uma incógnita.
Atualmente, a Construir tem muito menos força no governo estadual do que há poucos anos. Em 2019, foram somente R$ 2,6 milhões em empenhos até outubro passado, vindos do Corpo de Bombeiros.
*Foto em destaque: Casa da Uerj, na Avenida São Sebastião, na Urca / Ruben Berta
Conclusão: Uma canalhada só!
Muito obrigado por estas informações. Eu não tinha um conhecimento total dos fatos, como agora.