Trezentos e trinta e quatro cadeiras cativas do Maracanã, que foram incorporadas pelo governo estadual, estão sendo destinadas para uso político sem haver qualquer indicação de controle. Isso significa que um verdadeiro trem da alegria pode estar acontecendo no estádio sem que a população possa saber quem está usufruindo dos ingressos.
Em setembro do ano passado, o blog já havia mostrado que uma portaria da Suderj liberou a carga de convites para que o Executivo distribuísse para “representações”. Ou seja, integrantes dos poderes Judiciário e Legislativo e das Forças Armadas e seus respectivos convidados. Havia a promessa, porém, de que houvesse ao menos uma lista de registro que pudesse ser consultada pelos cidadãos fluminenses.
O que se vê na prática, no entanto, é a utilização de uma parte do estádio ao bel-prazer do governo, sem nenhuma transparência. Desde o fim de outubro, a reportagem tentou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), conseguir a tal lista para o jogo Flamengo X Grêmio, pela Copa Libertadores, um dos mais concorridos de 2019. O que se viu foi um jogo de empurra entre secretarias que durou meses.
Nesta sexta (10), a assessoria de imprensa da Secretaria de Governo, pasta que seria a responsável pela distribuição, informou apenas que o uso é “discricionário”. Numa tradução não autorizada, seria como dizer que a secretaria pode fazer o que quiser com os ingressos e ninguém tem nada a ver com isso.
Jogo de empurra
A portaria 33 da Suderj, publicada em setembro do ano passado, estabeleceu que 40% de um total de 835 cativas que o estado incorporou ficariam para destinação política. É mais, por exemplo, do que as cotas para pessoas com deficiência e estudantes da rede estadual, que ficaram com 20% cada. O restante foi para representantes de associações de moradores e entidades desportivas.
Em 24 de outubro, um dia após a partida entre Flamengo X Grêmio, o blog pediu pela primeira vez via LAI a lista com os contemplados com as cortesias. Em 7 de novembro, a ouvidoria da Secretaria de Governo afirmou que “não possui autonomia e ingerência sobre a distribuição pública de ingressos e cortesias para quaisquer eventos culturais”. E passou a bola para a Suderj.
Em 7 de novembro, foi feito então o pedido à Suderj. Quem respondeu, no entanto, em 29 de novembro, foi novamente a ouvidoria da Secretaria de Governo, que passou a bola para outro órgão. “Informamos que esta Secretaria não tem ingerência e controle sobre a distribuição dos referidos ingressos, sendo estes recebidos pela Secretaria de Estado da Casa Civil e Governança para posterior distribuição”.
Mistério total
Em 3 de dezembro, um novo pedido foi aberto, desta vez para a Casa Civil. Em 23 do mesmo mês, veio a resposta: “Informamos que infelizmente a Casa Civil não contém o registro da distribuição dos referidos ingressos”.
Na semana passada, no contato com as assessorias de imprensa do Governo e da Casa Civil, ficou claro que é realmente a primeira pasta que faz o repasse das entradas. Mas não há qualquer indicação de que isso seja feito com algum tipo de controle.
Em setembro, quando o blog publicou a primeira reportagem sobre o tema, a Secretaria de Governo chegou a dizer que estava “estudando a possibilidade” de divulgar a lista dos beneficiados. Agora, o que transparece é que sequer existe lista.
O “rubro-negro” Witzel
Sem divulgação, a população fica sem saber nada sobre a distribuição desses ingressos. Parentes e amigos de políticos podem estar recebendo a benesse do governo de forma indiscriminada.
Para se ter uma ideia, em julho do ano passado, o deputado Gustavo Schmidt (PSL) pediu dez entradas para assistir ao jogo Flamengo X Emelec pela Libertadores. A divulgação do ofício de solicitação acabou gerando constrangimento para o parlamentar.
Não custa lembrar que, desde o início de sua gestão, o governador Wilson Witzel vem usando o futebol para promover sua imagem. Apesar de ter se declarado corintiano num passado recente, no ano passado, ele frequentou os jogos do Flamengo como se fosse rubro-negro desde criança. Na final da Libertadores, acabou sendo desprezado por Gabigol durante a comemoração no estádio de Lima.
Disputa pelo Maracanã
O Maracanã está sendo provisoriamente administrado por Flamengo e Fluminense. Em outubro do ano passado, o contrato foi renovado por mais seis meses.
Caberá ao estado, porém, decidir sobre a concessão definitiva, que deve ter prazo de 35 anos. A licitação deve ocorrer ainda este ano.
Uma comissão lançou um chamamento público no ano passado para propostas de administração do estádio, que recebeu este mês os interessados. Além da dupla FlaXFlu, estão no jogo a Latin United Participações e Operações Esportivas e a RNGD Consultoria de Negócios.
*Foto em destaque: Wilson Witzel assina documento para volta de setor popular ao Maracanã / Reprodução / Twitter (23.10.2019)