Estradas do RJ de portas abertas para a entrada de pragas agrícolas

Enquanto o cidadão fluminense ainda tenta engolir os problemas com a água da Cedae, uma ameaça silenciosa também ronda os alimentos que são produzidos no Estado do Rio. Documentos que constam em um processo público da Secretaria de Agricultura do governo Witzel revelam a falta de fiscalização de produtos de origem vegetal que chegam pelas estradas e podem disseminar pragas agrícolas.

Em um e-mail enviado no dia 10 de dezembro do ano passado para a Coordenação Estadual de Defesa Sanitária Vegetal, o auditor fiscal agropecuário Antonio José de Araújo Moreira, do Serviço Federal de Inspeção e Sanidade Vegetal, definiu a situação do Rio de Janeiro como “gravíssima”.

Desde o dia 8 de janeiro de 2019, logo após o inicio da atual gestão, o governo estadual interrompeu a realização de barreiras fitossanitárias fixas em estradas nas divisas com o Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Com isso, segundo o auditor federal, “há o grave risco de aumentar o número de introduções de pragas” em território fluminense.

Apesar de o comunicado ter sido enviado há mais de um mês pelo auditor federal, não consta desde então nenhuma movimentação no processo que mostre que a Secretaria estadual de Agricultura tomou medidas efetivas após o alerta.

Em nota ao blog (íntegra no fim do texto), a pasta afirmou que “continuou realizando barreiras agropecuárias volantes em todo o Rio de Janeiro, tendo em vista a importância do trabalho de fiscalização e controle do transporte desses produtos”. “Em 2019, foram realizadas quase 900 vistorias e fiscalizações nessas operações”, disse a secretaria.

Coco e uva ameaçados

O primeiro e-mail que consta do processo interno público da Secretaria estadual de Agricultura é de 6 de dezembro. Nele, o auditor federal Antonio Moreira diz que, se não forem tomadas medidas urgentes para o restabelecimento das barreiras, várias culturas estão sob risco no Rio de Janeiro:

“O recente esforço de se revitalizar a citricultura (frutas cítricas, como a laranja) e a cultura do coco pode não surtir os efeitos desejados se houver introduções de pragas que restrinjam o trânsito interno e, consequentemente, a comercialização da produção estadual. O mesmo pode ser dito em relação à consolidação da viticultura (cultura da uva) fluminense”.

O auditor ainda complementou dizendo que “diversas outras situações e exemplos de elevação do risco que poderão pesar sobre os ombros do agricultor do Estado do Rio poderiam ser mencionadas para justificar a urgente necessidade de se reavaliar a estruturação do sistema estadual de barreiras fitossanitárias”.

Fiscalização fragilizada

No dia 10 de dezembro, diante do alerta do auditor federal, o coordenador de Defesa Sanitária Vegetal do estado, Ilso Lopes Júnior, encaminhou um documento à Superintendência de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria estadual de Agricultura pedindo que fossem tomadas medidas. Não houve, porém, novas movimentações públicas no processo desde este ofício.

“Com a orientação de suspensão destas atividades (barreiras fitossanitárias fixas), o setor de fiscalização agropecuária do Estado fica fragilizado pela impossibilidade de execução de uma de suas principais ações de prevenção do ingresso de doenças e pragas agrícolas ainda inexistentes no Rio de Janeiro, como por exemplo o Cancro Cítrico que já ocorre em estados vizinhos”, afirmou o coordenador.

“Vale lembrar que, desde o início do ano, a Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal vem envidando esforços para suprimir um foco de Greening (praga típica da laranja) detectado no município de Paraty, e que o restabelecimento das ações de barreiras reforçaria este trabalho e traria segurança às áreas citrícolas do Estado, visto que muito material de propagação vegetal que adentra o Rio de Janeiro chega por rodovias e que este material é potencial hospedeiro de Pragas de Notificação Compulsória”, acrescentou.

Medidas sugeridas

Num dos e-mail à coordenação estadual, o auditor federal Antonio Moreira havia recomendado uma série de medidas para que fossem minimizados os riscos. São elas:

  • Ter técnicos barreiristas exclusivos.
  • Ter estrutura física própria para o desenvolvimento dos trabalhos de destruição/rechaço.
  • Ter estrutura física para abrigar a equipe de barreiristas.
  • Ter veículos específicos próprios para a realização de barreiras.
  • Adquirir equipamentos próprios para a realização de barreiras móveis.
  • Formalizar convênios que garantam a operacionalização de barreiras onde já se encontra estrutural fiscal e policial do estado.

“A qualidade fitossanitária da produção vegetal fluminense depende em grande medida da capacidade de se garantir o trânsito seguro de produtos de origem vegetal pelo Rio de Janeiro”, afirmou Moreira.

Nas mãos de políticos

Desde o início da gestão Witzel, a Secretaria de Agricultura vem sendo um órgão basicamente sob a tutela de indicados políticos. O primeiro comandante da pasta foi o ex-senador Eduardo Lopes, do Republicanos. Ligado ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella e à Igreja Universal, ele deixou o cargo após o governador se afastar do alcaide.

Em outubro passado, Marcelo Queiroz deixou a Secretaria municipal de Meio Ambiente da capital para comandar a Agricultura estadual. Ex-deputado pelo PP, ele é pupilo de Francisco Dornelles, que comandou o Executivo fluminense em 2018 após a prisão do então governador Luiz Fernando Pezão.

Viagem a Paris

Enquanto os riscos à produção agrícola fluminense corriam soltos, Queiroz, com pouco mais de um mês à frente da pasta, fez uma viagem a Paris, cujas diárias e passagens foram pagas com dinheiro do contribuinte. O custo total foi de R$ 10,6 mil.

O secretário participou de um evento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado entre 23 e 27 de novembro do ano passado, que tratou de temas como agricultura familiar e inovação. O convite foi intermediado pela empresa brasileira Planeta Orgânico. Em e-mail a Queiroz, de 6 de novembro, Maria Beatriz Martins Costa, representante da companhia, diz:

“Depois alinhamos o que vc falará sobre agricultura Rio de Janeiro. Helga tem material em inglês”.

“Intercâmbio importante”

Maria Beatriz Martins Costa disse ao blog, por e-mail, que a Planeta Orgânico é “uma empresa privada que realiza prestação de serviço e consultoria internacional em agricultura e meio ambiente”. “Realizamos um seminário, com recurso próprio da empresa, na OCDE, em novembro de 2019, e a pedido da instituição, indicamos representantes da sociedade civil e governo para falar sobre as experiências no Brasil na agricultura familiar”. 

“Desta forma, apenas direcionamos o convite ao atual secretário de Agricultura do Rio de Janeiro e não temos conhecimento como funcionou sua ida ao evento”, completou.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Agricultura enviou nota ao blog afirmando que Queiroz “foi convidado pela OCDE, organização internacional composta por 36 países, que reúne as economias mais avançadas do mundo. Em seu discurso, ele falou sobre bioeconomia e Desenvolvimento Rural para técnicos de todo o mundo, destacou as oportunidades de negócios no Rio e a produção agrícola fluminense. Esse intercâmbio foi importante para a Agricultura do estado, pois abriu caminho para negociações e futuras parcerias. Vale lembrar que ele viajou sozinho exatamente para minimizar os custos”.

Promessas para 2020

Sobre a questão da falta de fiscalização nas divisas do Rio de Janeiro, a Secretaria de Agricultura disse:

“Mesmo diante da suspensão das Barreiras Agropecuárias fixas, a Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal da secretaria continuou realizando Barreiras Agropecuárias volantes em todo o Rio de Janeiro, tendo em vista a importância do trabalho de fiscalização e controle do transporte desses produtos. Em 2019 foram realizadas quase 900 vistorias e fiscalizações nessas operações”.

“Além disso, ao longo de 2019, a secretaria vem realizando o planejamento e negociando parcerias para ampliar essas ações em todo o Estado. A previsão é que em 2020 essas operações sejam multiplicadas e realizadas com o restabelecimento da operação conjunta com a Barreira Fiscal”. 

*Foto em destaque: Fruta com praga conhecida como Cancro Cítrico, que pode ameaçar a produção no Estado do Rio / Wikimedia Commons

Deixe uma resposta