Documentos que constam de processos públicos da Secretaria de Educação mostram que bombeiros e policiais selecionados para atuar em 11 escolas cívico-militares do governo estadual não poderão “consentir manifestações de caráter político-partidário” nas unidades. A determinação está em uma lista de considerações sobre a atuação desses profissionais nos colégios que serão inaugurados em março em dez cidades.
O blog questionou a secretaria sobre como essa ordem deverá ser cumprida na prática caso haja alguma manifestação de alunos, pais ou outros profissionais na unidade, mas não obteve resposta. Ao todo, num primeiro momento, serão selecionados 35 militares, entre bombeiros e PMs, para atuarem nessas 11 novas unidades. O governo pretende criar até o fim deste ano um total de 30 escolas voltadas para este modelo.
Os policiais e bombeiros serão divididos em duas funções: orientador e instrutor da temática militar.
Função em sala de aula
As escolas cívico-militares serão dirigidas por profissionais de ensino da Secretaria de Educação que estão passando por um processo seletivo. O corpo docente também será formado basicamente por professores da rede. A exceção fica por conta de um instrutor da temática militar por unidade, que também terá função dentro de sala de aula.
O esboço do que serão as aulas ministradas por esses instrutores é amplo. Há desde noções básicas de Direito Civil, Administrativo e Penal até violência de gênero, trabalho escravo, princípios morais e conduta ética. O blog questionou o governo a respeito do material didático, mas não foram dados maiores detalhes.
“Nesses colégios, os estudantes terão as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com aulas ministradas por professores da rede pública estadual. Os alunos também aprenderão conhecimentos específicos dos órgãos de Segurança parceiros desta iniciativa, ministrados por profissionais dos respectivos órgãos e com material específico e articulado ao conteúdo pedagógico da Secretaria de Educação”.
Formatura e hino
Na lista do que é vedado aos militares, além de “promover ou consentir manifestações políticas”, estão, por exemplo, “utilizar das funções para estimular nos alunos atitudes ou comportamentos atentatórios à moral e às normas disciplinares” e “faltar com o devido respeito à dignidade dos demais servidores e alunos e a eles se dirigir em termos e atitudes inadequadas ao educador”.
As funções dos orientadores da temática militar têm paralelo com as de um inspetor escolar. Eles serão os principais responsáveis pelo cumprimento das normas disciplinares e de rotinas que farão parte do cotidiano da unidade:
- Realizar formatura diariamente e em solenidades em conformidade com a Ordem Unida: Disciplina; Hierarquia; Autonomia; Símbolos Nacionais; Padronização das expressões utilizadas na Ordem Unida (Coluna; Fileira; Distância; Intervalo; Cobertura; Alinhamento; Testa; Retaguarda; Voz de Comando; Movimentos; Posições e Comandos da Ordem Unida); Apresentação Individual.
- Realizar treinamento de hinos e canções e prezar para o decoro das práticas do modelo escolar.
- Cooperar para que o aluno se apresente adequadamente trajado segundo as normas escolares.
Ainda sem lei
A carga horária dos PMs e bombeiros selecionados será entre 30 e 40 horas semanais. Os orientadores têm de ter ao menos dez anos de experiência em área administrativa. Já os instrutores precisam ter “bacharelado em Direito ou especialização correlata”.
As 11 escolas cívico-militares serão implementadas nas cidades de Araruama, Areal, Carmo, Cordeiro, Miracema, Resende, Rio Bonito, Santo Antônio de Pádua, São Gonçalo (duas) e Três Rios.
Apesar de as tratativas já estarem adiantadas para o início das aulas em março, o projeto de lei enviado pelo Executivo que cria o modelo de escola cívico-militar ainda segue em tramitação na Alerj.
O texto recebeu nada menos do que 122 emendas tanto da bancada de esquerda quanto da de direita da Casa. Entre elas, está uma dos deputados petistas André Ceciliano (presidente) e Zeidan Lula e de Márcio Canella (MDB), que prevê que “é livre a manifestação dos estudantes dentro das escolas, vedada a punição, assegurando o disposto na Lei Estadual na 1949, de 8 de dezembro de 1992”.
A proibição de manifestações políticas dentro de unidades de ensino já foi tema de discussão no país no ano passado. Em maio, durante o auge dos protestos contra o bloqueio de verbas na educação, o MEC, comandado por Abraham Weintraub, divulgou uma nota que dizia que “professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário e no ambiente escolar”.
Escola transferida
Segundo a Secretaria de Educação, “nenhuma escola será extinta para implantação de colégios vocacionados ao Ensino Cívico-Militar, uma vez que não substituirão unidades em funcionamento”.
Há cidades, no entanto, onde a chegada do novo colégio vem causando apreensão. Em Areal, a prefeitura devolveu ao estado, em dezembro do ano passado, o prédio onde funcionava a escola municipalizada Joaquim Vital Vieira. Com isso, devem ser transferidos para um Ciep cerca de 300 alunos.
O prefeito local, porém, comemorou:
“A unidade será importantíssima para o processo de construção da cidadania, valorização da educação, disciplina e aprendizado de nossos alunos, levando mais dignidade para as famílias. Esta é mais uma luta incansável do Prefeito Flávio Bravo tendo foco o futuro dos nossos jovens e por isso sua busca junto ao governo do Estado”, diz texto do site da Prefeitura de Areal.
Outro caso semelhante também ocorreu em Rio Bonito. A escola cívico-militar ocupará o imóvel do Espaço Municipal de Ensino Supletivo (Emes), que foi transferido para outro local.
Unidade municipal em obras
Além das unidades estaduais, a prefeitura do Rio também está construindo uma escola cívico-militar no bairro do Rocha, Zona Norte da cidade. O investimento é de R$ 20,2 milhões e a previsão é que as obras estejam concluídas até o fim do ano.
Esse tipo de ensino também é uma das bandeiras do governo de Jair Bolsonaro. A meta da União é chegar a 2023 com 216 colégios em funcionamento. Na prática, porém, as escolas devem começar o ano letivo de 2020 sem a presença dos militares.
*Foto em destaque: Imóvel que abrigará escola cívico-militar de Rio Bonito / Divulgação / Prefeitura de Rio Bonito
Adorei esse projeto, e concordo que as manifestação podem existir porem não no contexto do prédio escolar, que se façam ha pelo menos uma distancia minima das unidades de ensino. As manifestações dentro das unidades de ensino devem ser mediante petições por escrita, abaixo assinado e debatidas em arenas de grupo com civilidade e em tom de cordialidade, pelo convencimento e sem qualquer tipo de agressividade seja microfones, rojões, palavrões, gestos e cartazes agressivos e outros tipos de baderna disfarçados de reivindicação. Porem jamais deve ser cerceado o direito cívico de contestação e desagravo social e politico.
O que esses canalhas entendem de Direito Civil, Penal e Administrativo para lecionar nas escolas e transmitir aos alunos?
Não sei. Tenho a impressão que seria melhor e mais honesto selecionar/fazer convênio com a OAB para a realização de eventos nas escolas.
Curioso é que parece ter deixado de fora o Direito Constitucional.
Claro! Ensinar Direitos Fundamentais e Direitos Básicos do Trabalhador, previstos nos artigos 5º e 7º da Constituição poderia resultar naquilo que as elites e os militares não desejam: cidadãos conscientes de seus direitos e, portanto, que venham em algum momento revindicá-los.