Uma resolução publicada nesta quarta (5) pelo secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marcus Vinícius de Almeida Braga, incluiu inquéritos que concluam pelo excludente de ilicitude em investigações de homicídio entre os procedimentos que devem receber pontuação por produtividade.
Com isso, cria-se uma exceção. Relatórios que resultem em arquivamento do caso com qualquer conclusão que não seja pela responsabilização penal dos investigados não darão direito a nenhum ponto de produtividade. A não ser que esse arquivamento aconteça pelo excludente de ilicitude, o que gerará um ponto.
Na prática, esse instrumento é amplamente usado como justificativa em mortes provocadas pela polícia que, no ano passado, atingiram o maior número já contabilizado no estado: 1.810 casos. Em 2018, foram registradas 1.534 vítimas.
Ampliação em discussão
Atualmente, o excludente de ilicitude se baseia no artigo 23 do Código Penal, que diz que uma pessoa que comete um crime em “estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito” não pode ser punida.
O tema ganhou mais projeção no ano passado após a inclusão no pacote anticrime do governo federal de um artigo que amplia ainda mais as possibilidades de legítima defesa dos agentes de segurança.
Em caso de excesso da ação policial por “medo, surpresa ou violenta emoção”, o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou deixar de aplicá-la, segundo o projeto de lei que tramita em Brasília.
Lavagem de dinheiro
A pontuação por produtividade gera um ranking que é divulgado periodicamente com os desempenhos de cada delegacia.
Em janeiro do ano passado, o secretário Marcus Vinícius Braga já havia publicado uma resolução semelhante estabelecendo pontos para cada tipo de crime cujo inquérito foi concluído. Não havia, porém, o artigo que trata do excludente de ilicitude.
Outra mudança da resolução publicada nesta quarta foi a retirada de uma escala que poderia multiplicar os pontos da delegacia em até 15 vezes em casos de investigação de lavagem de dinheiro, de acordo com o montante apreendido. Ainda assim, casos que envolvam a solução desse tipo de crime seguem dando dez pontos, o maior nível possível.
Sem gratificação
Em nota, a Secretaria de Polícia Civil afirmou que a pontuação “estabelece critérios para qualificação do trabalho das unidades policiais”. “A medida não prevê gratificação, apenas cria um relatório de ranqueamento permitindo a análise de dados de produtividade das delegacias, bem como a criação de estratégias para ações futuras”.
“O parágrafo único do artigo 2º da resolução tem como objetivo estimular a conclusão de inquéritos que apuram fatos em que seja concluído pela presença de excludentes de ilicitude, ou seja, quando comprovado que o policial ou qualquer cidadão agiu em legitima defesa ou estrito cumprimento do dever legal. Por não se tratar de crime, a excludente de ilicitude (artigo 23 do CP) não previa pontuação. Entretanto a nova medida estabelece um ponto, evitando dessa forma que os inquéritos permaneçam nas unidades sem conclusão”, afirma a secretaria.
Na segunda gestão de Sérgio Cabral, os índices de produtividade investigativa da Polícia Civil chegaram a ser usados como parte de um sistema de concessão de bônus pela extinta Secretaria de Segurança, mas o projeto foi abandonado com o passar dos anos e o aumento da crise fiscal no estado.
Redução de mortes fora
Em setembro do ano passado, o governador do Rio, Wilson Witzel, já havia publicado um decreto que retirou a redução de mortes por policiais como um dos indicadores do Sistema Integrado de Metas, que serve de base para bônus concedidos a PMs.
Este mês, análises feitas a pedido da ONG Human Rights Watch apontaram falhas no trabalho de peritos que analisaram corpos de nove das 15 vítimas de uma chacina no Morro do Fallet, no ano passado. Os profissionais que tiveram o trabalho questionado são do IML (Instituto Médico-Legal), que faz parte da estrutura da Polícia Civil.
Desde a época da campanha, o governador Wilson Witzel tem defendido a polícia de “abate” de criminosos, a quem costuma chamar de “narcoterroristas”. Em entrevista ao Estadão, em novembro de 2018, ele soltou a notória frase “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.
*Foto em destaque: O secretário de Polícia Civil, Marcus Vinícius Braga, com o governador Wilson Witzel / Reprodução / Twitter