A expansão do coronavírus traz à tona a fragilidade de um dos pilares na detecção da doença em território fluminense. Referência na realização de exames, o Laboratório Central Noel Nutels (Lacen-RJ), subordinado ao governo estadual, vem funcionando com equipamentos básicos necessários para os testes emprestados pela prefeitura do Rio.
A informação consta de um documento do último dia 4 de fevereiro, do diretor-geral do Lacen-RJ, Cledmilson Dutra Barboza, que relata que o Noel Nutels possuía apenas um extrator e um termociclador na unidade. Segundo Barboza, naquele momento, os equipamentos, fundamentais para o trabalho do laboratório, já estavam “para ser retirados” por causa do fim de um convênio com o município.
A partir dali, a Fundação Saúde do Estado do Rio começou uma corrida para a compra de quatro novos aparelhos (dois extratores e dois termocicladores), agora em fase de conclusão. Os equipamentos estão sendo adquiridos num processo emergencial confuso, em que mal é possível saber ao certo qual o CNPJ da empresa fornecedora.
A corrida para a compra emergencial neste momento de crise demonstra também uma lacuna de planejamento, que vai além do coronavírus. Esses equipamentos são importantes nos diagnósticos de doenças que já atingem o estado há mais tempo, como dengue, meningite, zika e chikungunya.

Exames de triagem
O principal papel do Noel Nutels na atual crise é receber o material dos pacientes e fazer uma triagem na própria unidade de identificação de vírus respiratórios comuns. Neste processo, os extratores e termocicladores são fundamentais para a realização de testes moleculares. Uma outra amostra do material é enviada para análise na Fiocruz, que faz a testagem específica do coronavírus. O resultado final é divulgado pelo Lacen-RJ.
Um outro documento interno da Fundação Saúde, de 20 de fevereiro, ressalta que os aparelhos são itens indispensáveis “para o atendimento à demanda oriunda do Lacen-RJ e a indisponibilidade compromete a análise das amostras biológicas para a realização de testes nos casos suspeitos de infecção pelo coronavírus”.

A última movimentação do processo de compra dos aparelhos, que ficarão no setor de biologia molecular do Noel Nutels, ocorreu na segunda (16). Foi emitida uma nota de empenho de R$ 889,8 mil para a empresa Life Technologies Brasil Comércio e Indústria de Produtos para Biotecnologia. O blog questionou a Secretaria estadual de Saúde sobre a previsão para a chegada dos equipamentos, mas não obteve resposta.
Além de extratores e termocicladores, o estado também publicou na segunda um chamamento emergencial para que empresas apresentem propostas de preços de reagentes laboratoriais para testes por biologia molecular para vírus respiratórios. O prazo para participação na seleção termina no dia 19 de março.
Profusão de CNPJs
Não bastasse estar dependendo de aparelhos emprestados da prefeitura, a compra emergencial realizada agora pela Fundação Saúde do Estado do Rio é, no mínimo, confusa.
Foi feito um levantamento de preços com diversas empresas, mas boa parte não comercializava os equipamentos. A planilha de custos montada pelo estado teve apenas a proposta da Life Technologies para os termocicladores. Já para os extratores, houve também a proposta da Total Med Comércio e Importação de Produtos Médico-Hospitalares. Chama a atenção a grande diferença entre as duas. A Life orçou cada aparelho em R$ 279,6 mil. A Total Med, na versão mais barata, ofereceu cada extrator por R$ 836 mil.
Outro ponto curioso é a variedade de CNPJs da empresa vencedora ao longo do processo. Na planilha de custos, aparece o número 63.067.904/0006-69. Também foi esse CNPJ, de uma filial em Itajaí (SC), que a Life Technologies usou para apresentar seu certificado de alvará sanitário.

Depois, porém, tanto na nota de autorização de despesa quanto na de empenho da Fundação Saúde apareceu um outro CNPJ (63.067.904/0001-54). Este número é referente à matriz da empresa, em São Paulo. O endereço da nota, porém, não condiz com o que está registrado no site da Receita Federal.


Mas o mais estranho ainda está por vir. Na minuta do contrato que consta no processo da compra dos equipamentos, aparece o endereço da filial da Life Technologies em Itajaí, mas com um CNPJ 11.637.221/0001-91, de outra empresa, que nada tem a ver com o grupo.

A companhia com esse número de registro que aparece na minuta é a Promovendo Comércio e Representações de Material Hospitalar, que tem sede na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A Promovendo tem vários contratos recentes com o setor público, entre eles com a própria Fundação Saúde. A empresa assinou contratos também com a Secretaria estadual de Saúde, quando ainda era gerida por Sérgio Côrtes, na gestão de Sérgio Cabral.
Perguntas sem resposta
O blog enviou uma série de questões à Secretaria de Saúde, mas não obteve resposta. Entre as perguntas que ficaram no ar estão quando chegarão os novos equipamentos, se os da prefeitura ainda vêm sendo usados, e por que razão houve diversos CNPJs diferentes da empresa fornecedora utilizados ao longo do processo.
O espaço segue aberto para atualização.
*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de exame laboratorial / Divulgação