“Aqui você encontra tudo para construir e reformar”, diz o banner no site da CSC Comercial São Cristóvão Eireli. Pois é essa a empresa para a qual a Polícia Militar do Rio de Janeiro vai pagar R$ 2,3 milhões para compras de materiais médico-hospitalares. As aquisições foram feitas sem licitação, tomando como base a lei federal que permite compras emergenciais durante a pandemia do coronavírus.
Os detalhes dos processos de compras não foram disponibilizados ao público através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI). No Diário Oficial desta segunda (27), foram publicados os extratos – pequenos resumos do objeto dos contratos – e as autorizações das despesas.
Sem se identificar, o blog entrou em contato com o telefone de atendimento da CSC Comercial São Cristóvão na tarde desta segunda e foi informado que a loja de material de construção, localizada num condomínio comercial em Curicica, não trabalha com equipamentos voltados para a proteção do coronavírus.
À noite, após contato formal por e-mail, a empresa, disse, em nota, que organizou “uma produção com alta qualidade” de máscaras para realizar o fornecimento para a PM.
A assessoria de imprensa da corporação, por sua vez, afirmou que foi realizada “ampla pesquisa de mercado”, tendo a CSC Comercial São Cristóvão apresentado o melhor preço (R$ 2,20 a unidade).
As íntegras das respostas estão no fim do texto.
Máscaras e aventais
De acordo com o Portal de Compras do governo estadual, foram realizadas na realidade duas aquisições de equipamentos de proteção contra o coronavírus com a empresa de material de construção. A localização é difícil no portal porque os números de processos não batem exatamente com os publicados em Diário Oficial. Também não houve divulgação na Página de Transparência da PM.
Uma compra, de R$ 1,980 milhão, foi de 900 mil máscaras cirúrgicas, por R$ 2,20 cada. No outro caso, há uma divergência entre o valor publicado em Diário Oficial (R$ 330 mil) e o que consta no Portal de Compras (R$ 535,8 mil). O objeto eram aventais hospitalares, comprados a R$ 10,50 a unidade.
Na Receita Federal, porém, a CSC Comercial São Cristóvão está registrada apenas para o comércio varejista, o que foge do escopo de vendas que superam os R$ 2 milhões. Os itens cadastrados são: materiais hidráulicos e de construção em geral, além de ferragens e ferramentas.
Tudo para a sua obra
O site da CSC também deixa claro que a companhia lida com materiais para obra. As seções disponíveis para compra on-line são de construção, ferramentas, materiais elétricos e hidráulicos, pintura, ferragens, cola, coleta seletiva e acessórios.
Com boa vontade, é possível chegar a alguns modelos de máscaras de proteção na seção acessórios. Os itens disponíveis, porém, se enquadram numa categoria conhecida como PFF-1, que é voltada basicamente para pessoas que trabalham com carpintaria ou serralheria, não tendo total eficácia contra vírus.
No entanto, conforme mostram os mapas das cotações de preços, a empresa foi selecionada para fornecer material da marca CSC. Ou seja, marca própria, mesmo a companhia não se tratando de fabricante de qualquer material, muito menos de artigos médicos.


Em processos de dispensa de licitação paralelos, a PM também conseguiu pagar R$ 2,20 por máscaras semelhantes, só que da marca MB Life, com a empresa DBV Comércio de Material Hospitalar LTDA. E R$ 4,10 nos aventais da marca Medgauze com a Deep Oil Tecnologia em Equipamentos.


Capital de R$ 95,4 mil
Segundo o site da Receita Federal, a CSC Comercial São Cristóvão Eireli foi criada em março de 2018 e é uma EPP (Empresa de Pequeno Porte). O capital social é de apenas R$ 95,4 mil.
No registro da Junta Comercial do Rio, a representante legal da empresa é a contadora Monique de Almeida Guedes.

Ela ainda é proprietária da 3M Construção e Reformas Eireli, que, assim como a CSC Comercial, tem capital social de R$ 95,4 mil.
A 3M Construção tem sede numa sala no 16º andar do prédio número 222 da Avenida Afonso Arinos de Melo Franco, na Barra da Tijuca.
Outro lado 1
Por e-mail, a CSC Comercial enviou o seguinte relato ao blog, reproduzido exatamente da forma que foi escrito:
“Achamos válido seu questionamento mas o processo tem clareza no entendimento. Como é de conhecimento de todos, a maioria das máscaras sempre foram produzidas na china, e com a explosão na demanda várias fabricas nacionais, na qual estavam praticamente paradas, começaram a fabricar.
Juntamos algumas dessas fábricas e organizamos uma produção com alta qualidade dentro do padrão da Anvisa com custo mais baixo possível para atender maiores demandas.
Estamos buscando junto com nosso diretor comercial captar clientes que tenham a necessidade de grandes quantidades. Recebemos contato da PM, fizemos amostras físicas onde foram aprovadas, e que ainda tivemos além da qualidade um preço que acreditamos ser um dos melhores do Brasil se não for o melhor. Nos preparamos para atender este pedido. Nossa empresa atua no mercado atendendo diversos segmentos e temos um setor que fica responsável por atender grandes negócios e órgãos públicos”.
Outro lado 2
A assessoria de imprensa da PM enviou a seguinte nota:
“Informamos que o processo administrativo E-35/091/111/2020 (nota do blog: o número, na verdade, é E-35/091/111A/2020), iniciado no dia 17/03/2020, originou a dispensa de licitação em questão amparada pelo Art. 4º, caput, da Lei Federal nº 13.979/2020 e disponível no Portal de Compras Públicas do Estado do Rio de Janeiro.
Com base nesse dispositivo legal, foi realizada, de forma ampla, pesquisa de mercado, sendo solicitada a cotação para diversas empresas registradas no Sistema Integrado de Gestão de Aquisições, através de mala direta encaminhada para mais de 600 empresas e contato direto com fornecedores.
Entre as fornecedoras de máscaras, a empresa CSC Comercial São Cristóvão Eireli foi a que apresentou o melhor preço (R$ 2,20 a unidade) para um produto com as mesmas especificações das concorrentes e devidamente certificado por Nota Técnica da Anvisa.
Assim como outras empresas e grupos empresariais do país (e também do mundo), a CSC Comercial São Cristóvão Eireli alterou sua linha de produção original (nota do blog: a empresa é uma varejista) para se manter em atividade e atender a novas demandas impostas por uma crise sanitária sem precedentes”.
*Foto em destaque: Reprodução de banner do site da CSC Comercial São Cristóvão
Tendencioso, parcial e irresponsável. Tudo que uma pessoa que se diz jornalista não deveria ser. Será que ao menos parou para ler o amparo legal da compra? Mesmo publicando a pesquisa de preço pública a manchete ridícula não deixa dúvida da intenção maliciosa da “reportagem “
Bernardo, bom dia. Não há intenção maliciosa, a reportagem expõe os fatos e dá amplo espaço para os argumentos dos envolvidos. A empresa é uma varejista de construção que está fazendo uma venda de material hospitalar no atacado, o que deve ser sinal de alerta aos órgãos de controle. A reportagem, assim, como todas as outras publicadas sobre os gastos governamentais durante a pandemia, cumpre seu papel jornalístico.