Uma mudança num contrato assinado entre a Fundação Leão XIII – que realiza ações de assistência social no governo estadual – e a empresa All in One Comunicação LTDA, para apoio logístico na distribuição de cestas básicas a famílias em situação de pobreza na Região Metropolitana do Rio, afrouxou o controle sobre os dados dos beneficiados.
A All in One está responsável por contactar as pessoas que estão recebendo as cestas através de mensagens enviadas para os celulares. Com isso, está com a posse de um banco de dados que chega a 200 mil números.
Uma minuta inicial redigida internamente pelo órgão previa:
“A contratada (All in One) irá se comprometer em devolver o banco de dados para a contratante (Leão XIII) dentro de 7 dias, após o termino do serviço, prestando inclusive declaração sobre a não utilização dos dados sob pena da Lei”.
No contrato final, porém, que foi assinado em 24 de abril por um representante da empresa e pela presidente da Fundação, Andrea Baptista da Silva Corrêa, a cláusula foi retirada.
A assessoria de imprensa da Leão XIII afirmou (respostas no fim do texto) que reconhece “o equívoco na retirada da cláusula” e se compromete “a solicitar a correção”. A All in One, por sua vez, disse que “os dados dos clientes são de propriedade exclusiva dos mesmos e, sempre que encerrados os trabalhos, são devolvidos”.
Uso político
O projeto de entrega de cestas básicas pela Fundação Leão XIII foi chamado de Mutirão Humanitário. A intenção inicial é distribuir kits a 200 mil moradores de 16 cidades da Região Metropolitana em situação de pobreza, ainda mais fragilizados economicamente pela pandemia do coronavírus.
A empresa faz o contato por mensagem de celular com os beneficiados para agendamento, o que é importante no sentido de evitar filas ou aglomerações.
A preocupação com os dados das pessoas, porém, precisa ser rígida já que tratam-se dos contatos de 200 mil eleitores, em ano de pleito municipal.
A distribuição começou por Queimados, na Baixada Fluminense, e já houve político pegando carona. O deputado Max Lemos (PSDB), por exemplo, publicou dois vídeos em sua página no Facebook acompanhando a distribuição das cestas.
Agência de publicidade
Pelo serviço de apoio logístico na entrega de 200 mil cestas, a All in One receberá R$ 545,2 mil. A empresa, que tem sede em São Paulo, foi fundada em julho de 2019 e tem como atividade principal “agência de publicidade”.
Entre seus sócios está a Alhambra Comunicação e Participações, de Fausto Severo Trindade, que já trabalhou para o ex-senador Lindbergh Farias. A Alhambra também é sócia da Agência Nacional de Propaganda, que atua para o próprio governo estadual e recentemente ganhou a conta de publicidade da Alerj.
A All in One foi contratada emergencialmente, com dispensa de licitação, com base na legislação que flexibilizou as compras durante a pandemia da Covid-19. Houve consulta a outras duas agências de publicidade: Propeg e BR Mais Comunicação. Elas apresentaram valores superiores.
Agradecimentos
O blog também localizou uma minuta de contrato de parceria entre a Fundação Leão XIII e prefeituras para a distribuição das cestas básicas, que prevê agradecimentos a membros do governo do estado na seção que trata da divulgação da ação do Mutirão Humanitário.
“Caso haja desejo de manifestar algum agradecimento nominal, deve-se citar o Governador Wilson Witzel; o vice-governador Claudio Castro; a Secretária estadual de desenvolvimento social Fernanda Titonel e a presidente da Fundação Leão XIII, Andrea Baptista”.
O mesmo documento diz ainda:
“É obrigatório o uso do logo do Estado do Rio em todas as publicações da prefeitura sobre a divulgação do Mutirão”.
De acordo com a Leão XIII, os beneficiados foram escolhidos no Cadastro Uníco de famílias em situação de pobreza em 16 cidades da Região Metropolitana afetadas pelo coronavírus. O total desse cadastro tem 939.221 famílias. Não foi detalhado como foram selecionadas as 200 mil contempladas.
Perguntas e respostas
Confira a íntegra dos questionamentos do blog com as respostas enviadas pela Fundação Leão XIII:
No dia 24 de abril, a Fundação Leão XIII assinou um contrato de R$ 524 mil com a empresa All In One Comunicação para apoio digital no processo de distribuição de cestas básicas do projeto Mutirão Humanitário. Em primeiro lugar, por que a fundação optou pela contratação de uma agência de publicidade em vez, por exemplo, de uma empresa de tecnologia?
- A All In One não é uma agência de publicidade. É uma martech digital, com sedes no cubo do Itaú, em São Paulo, o maior e mais conceituado parque de tecnologia e inovação do Brasil, e na Tecnopuc, em Porto Alegre. Trata-se de uma empresa que está prestando serviço de primeira qualidade. A distribuição das cestas já aconteceu em Queimados, Itaboraí, Paracambi e Guapimirim, e está sendo realizada hoje em Belford Roxo e Nilópolis. (Nota do blog: a empresa está registrada na Receita Federal como agência de publicidade)
O contrato prevê 200 mil registros sendo trabalhados pela empresa. Essa é a quantidade total de pessoas que a fundação pretende atingir com o projeto?
- O contrato com a previsão de compra de 200 mil cestas foi realizado pela Fundação Leão XIII para dar início às atividades no Mutirão Humanitário.
De que forma foram selecionados os beneficiários já que a quantidade parece ser bem inferior à demanda de pessoas que necessitariam?
- A escolha dos beneficiários se deu a partir do CadÚnico, com critérios a partir das seguintes faixas de renda: pobreza extrema, pobreza e baixa renda. Os 16 municípios da Região Metropolitana também foram escolhidos por serem os mais afetados com a pandemia do coronavírus.
De que forma foi escolhida a ordem das cidades atendidas? Já existe um planejamento de quantas pessoas serão beneficiadas em cada cidade?
- A escolha das cidades atendidas seguiu uma curva de aprendizagem, que priorizou municípios menores, a fim de diminuir falhas e garantir maiores chances de acertos.
A versão final do contrato assinado com a empresa All In One retirou uma cláusula que havia numa minuta anterior que previa: “A contratada irá se comprometer em devolver o banco de dados para contratante dentro de 7 dias, após o termino do serviço, prestando inclusive declaração sobre a não utilização dos dados sob pena da Lei”. Por que isso foi feito?
- Reconhecemos o equívoco na retirada da referida cláusula e nos comprometemos a solicitar a correção com o retorno da mesma no contrato assinado com a empresa All In One.
Uma outra minuta relativa a parcerias com os municípios para a distribuição de cestas prevê que “caso haja desejo de manifestar algum agradecimento nominal, deve-se citar o Governador Wilson Witzel; o vice-governador Claudio Castro; a Secretária estadual de desenvolvimento social Fernanda Titonel e a presidente da Fundação Leão XIII, Andrea Baptista”.
Isso está valendo?
- Prezamos pela imparcialidade na administração púbica, razão pela qual nenhuma orientação foi dada para que haja qualquer tipo de manifestação, de modo a preservar pelos princípios da impessoalidade.
Já há casos de políticos gravando vídeos sobre a distribuição de cestas em cidades da Baixada Fluminense? A fundação concorda com este tipo de prática?
- Antes do começo da distribuição das cestas básicas, o governo do Estado do Rio convidou membros do Ministério Público Estadual, do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para acompanharem o desenvolvimento do Mutirão Humanitário. Desta forma, esses órgãos poderiam fiscalizar qualquer tipo de uso indevido da ação do governo.
O que diz a empresa
Já a empresa All in One enviou os seguintes esclarecimentos ao blog:
A All in One assinou no mês passado uma parceria para apoio logístico digital com a Fundação Leão 13, na distribuição de cestas básicas. A All in One já havia prestado este tipo de serviço a algum ente público ou privado? Quais?
- Fomos contratados para prestar serviço ímpar de comunicação e logística com o intuito de evitar filas e aglomerações em meio à pandemia de Covid-19. A operação está em curso e até o momento mostra-se um sucesso, pois tem cumprido seu objetivo principal e tem recebido avaliação positiva tanto por parte do Governo, quanto por parte da população atendida.
Em relação à proteção dos dados dos beneficiados, que tipo de precauções a empresa toma e quais garantias oferece de que não haverá vazamentos?
- Essa é uma preocupação legítima. Somos uma empresa LGPD Compliance. Além disso, possuímos certificação PCI-DSS de segurança de dados, a mesma dos grandes bancos. Nesse sentido, somos auditados de maneira recorrente tanto no que diz respeito à infraestrutura, quanto no sentido das boas práticas. Além disso, os dados dos nossos clientes são de propriedade exclusiva dos mesmos e, sempre que encerrados os trabalhos, são devolvidos ao cliente.
*Foto em destaque: Entrega de cestas básicas do projeto Mutirão Humanitário / Divulgação