Prefeitura do Rio faz licitação par comprar livros de 139 reais

Até empresário se revolta com preço de R$ 139 de livro em licitação da prefeitura do Rio

A estimativa de preço de um livro paradidático, feita pela Secretaria municipal de Educação do Rio para uma licitação marcada inicialmente para o dia 13 de julho, conseguiu gerar revolta até em um empresário que se interessou em participar do pregão eletrônico. O certame, que foi temporariamente suspenso, prevê um valor de R$ 139 para cada unidade. Segundo o dono de uma companhia interessada em concorrer, porém, o preço de mercado seria, em média, de apenas R$ 5.

A intenção da prefeitura é comprar até 197.585 livros, com valor total de R$ 27,4 milhões. Ou seja, o empresário apontou um possível sobrepreço que poderia chegar a nada menos do que R$ 26,4 milhões. O blog ouviu fontes do mercado gráfico que confirmaram o valor médio de até R$ 5, com base no que foi exposto no edital. Em casos excepcionais, cada peça poderia sair a, no máximo, R$ 12.

Em um documento recheado de palavras fortes, enviado no último dia 7 ao Tribunal de Contas do Município (TCM), Felipe Borella Costacurta, sócio-administrador da Ekipsul Comércio de Produtos e Equipamentos, com sede em Curitiba, afirmou que a licitação seria “um vilipêndio aos cofres públicos do Rio de Janeiro, em meio à extrema crise financeira que assola nosso país, assemelhando-se aos inúmeros escândalos que, vergonhosamente, vêm estampando os noticiários nacionais e internacionais”.

Diante da denúncia, um relatório técnico do TCM recomendou que fosse determinado à secretária de Educação, Talma Suane, que suspendesse a licitação até que fosse concluída uma análise detalhada. O conselheiro-substituto Emil Leite Ibrahim, porém, votou para que Talma fosse apenas citada para dar explicações a respeito das suspeitas levantadas e encaminhasse a íntegra do processo administrativo do pregão.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Educação informou (íntegra no fim do texto) que o certame foi adiado sem previsão de retomada e que os esclarecimentos estão sendo prestados ao TCM. A pasta afirmou ainda que fez uma pesquisa de preços para chegar ao valor de R$ 139.

Detalhes gráficos

Na representação encaminhada ao TCM, o empresário aponta não só um possível superfaturamento, como também a possibilidade de direcionamento da licitação. Isso porque foram exigidos detalhes gráficos muito específicos, que dificultariam a entrega de amostras no prazo exigido, de cinco dias, a não ser que a concorrente já estivesse com o material previamente pronto.

Segundo o edital, os livros paradidáticos seriam destinados ao “atendimento de turmas de 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental e para compor o acervo técnico dos professores da rede municipal”. Ao contrário das exigências gráficas, porém, o conteúdo pedagógico em si do material foi definido de forma bastante genérica.

No termo de referência, que é uma base para o início de um processo de licitação, a justificativa para a compra também não foi detalhada: apenas um parágrafo, com três frases que falam, por exemplo, na “busca da construção de uma sociedade com efetiva consciência cidadã e no restabelecimento do sentimento de pertencimento dos alunos, cidadãos de Direito, ao espaço ao qual pertencem”.

Através de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Educação disse que os livros, voltados para o Rio de Janeiro, se justificam “pelo fato de a cidade ser a primeira Capital Mundial da Arquitetura”, que irá sediar, no ano que vem, um evento sobre o tema.

“Fraude”

Na conclusão do documento enviado ao TCM, Felipe Borella Costacurta, sócio da Ekipsul, classificou, em letras garrafais, a competição como “totalmente impossível” nos moldes do pregão idealizado pela prefeitura do Rio.

“Só conseguirá participar e sagrar-se vencedora a própria empresa detentora da especificação que foi transcrita para o edital, acompanhada de outras empresas que somente simulam a competição, transformando o processo licitatório numa fraude”.

O blog tentou contato por e-mail e por telefone com o empresário, sem sucesso. Com base nessa denúncia, a equipe técnica do tribunal elaborou um relatório que reforça a necessidade de explicações sobre as suspeitas apontadas.

“No que se refere a exigências exatas do formato dos livros (número exato de páginas, medidas milimétricas dos livros e capas, gramatura exata do papel, especificação do miolo dos livros, e até mesmo os dados que devem estar escritos na primeira capa), a jurisdicionada pode delimitar aspectos do produto ao qual almeja obter, contudo, tais delimitações devem se restringir ao essencial, evitando-se frustrar o caráter competitivo do processo licitatório”, diz um trecho da análise feita pela 3ª Inspetoria Geral de Controle Externo.

A possibilidade de o valor estimado ter sido caro demais também foi um aspecto apontado no relatório como necessário de maior apuração:

“No que se refere à possibilidade de haver sobrepreço, o que poderia acarretar superfaturamento, inicialmente, não se observa na documentação do Edital de Licitação em questão a pesquisa de preços que tenha fundamentado o valor estimado unitário de R$139, que levou a um valor total estimado de R$ 27.464.315,00”.

O que diz a prefeitura

Confira a íntegra das perguntas do blog e as respostas da Secretaria municipal de Educação:

  • A secretaria lançou um edital para a compra de 197.585 livros paradidáticos que seriam voltados para atendimento de turmas de 3º ao 5º ano, e para compor o acervo técnico de professores. Em primeiro lugar, queria saber exatamente para que esses livros seriam usados: para alunos ou professores? ​Esse número de 197.585 corresponde a qual estimativa? ​Quantos alunos a rede possui entre 3º e 5º ano?

“Os livros seriam usados tanto por alunos quanto por professores. Este quantitativo inclui as turmas do 3º, 4º, 5º anos, Carioquinha (projeto de correção de fluxo do 3º ano), 4º ano Carioca (projeto de correção de fluxo), exemplares de Professor, mais 10% para reservas técnicas”.​

  • O edital estipula um valor referência de R$ 139 para cada livro. De que forma a secretaria chegou nesse valor já que está muito acima do preço de mercado para livros de características gráficas semelhantes? 

“O valor estimado à abertura de licitação foi o menor ofertado na pesquisa de preços. Foi encaminhado a empresas o Termo de Referência e o modelo de cotação para que após análise do termo as mesmas apresentassem suas propostas. A coordenação de administração da SME informa que as propostas das empresas estão encartadas no processo e consolidadas no quadro de pesquisa. Vale ressaltar que o fato do processo ter sido publicado no Diário Oficial NÃO significa que a SME FARÁ A AQUISIÇÃO, mas sim que há a possibilidade. Não houve despesas para os cofres públicos relativo a este processo”.

  • O TCM solicitou explicações a respeito do pregão. Já foram enviadas? A secretaria tem ideia de quando retomará o pregão, já que está atualmente suspenso?

“O pregão eletrônico está ADIADO (sine die) e sem previsão. As respostas estão sendo encaminhadas ao TCM nesta fase”.​

  • Em relação ao tema dos livros, ele é bastante genérico, falando de cidade do Rio de Janeiro. Esse é um tema curricular para os alunos dessa faixa etária?

“Os livros citados são paradidáticos e têm foco em conteúdos como memória e história do município do Rio de Janeiro; geografia; meio ambiente e ecologia; economia e serviços; cultura, infância, cidadania, valores humanos e a educação do Rio de Janeiro na formação do cidadão, entre outros.

A temática se justifica pelo fato de o Rio ser a primeira Capital Mundial da Arquitetura, título inédito conquistado pela cidade do Rio e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e pela União Internacional de Arquitetos (UIA).

Para o ano de 2020 uma série de eventos foram programados, em virtude deste 27º Congresso Mundial de Arquitetos. Contudo, tais eventos foram adiados para 2021 em virtude da Covid-19. Além de mostrar para o mundo a riqueza arquitetônica do Rio, esta titulação é também uma oportunidade de reflexão sobre o futuro, de planejar o que se quer para as cidades de todo o mundo. Cabe lembrar que em 2021 ocorrerão diversos eventos na cidade, desde o início do ano letivo, ligados ao ’27º Congresso Mundial dos Arquitetos’. Os alunos da rede municipal de ensino da nossa cidade já estarão mobilizados, com os conhecimentos prévios necessários, para participar das atividades”.

*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de livro / Caio / Pexels

6 comentários

  1. E as especificações dos livros no edital, conforme denúncia do empresário, impossíveis de serem atendidas sem conhecimento prévio?
    Abs

  2. Excelente matéria jornalística! Demonstra a triste realidade da cidade, que vive sob uma constante ação de espoliação por parte de seus gestores! Lamentável!

  3. Então meu triênio está suspenso até dezembro de 2021 pra isso?!
    Crivella aplicou os 25% dos impostos municipais na educação? CADÊ o TCM pra fiscalizar?! Estamos abandonados!

  4. A farra com dinheiro público não acaba.O Estado e município em situação financeira calamitosa,mas isso não impede fraudes milionárias de serem cometidas mensalmente.

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