Imagem aérea do Riocentro, que recebeu contrato de brigada de incêndio da Seop

O teatro das pesquisas de preços de contratos de R$ 3,5 milhões da prefeitura do Rio

Dois contratos que somam R$ 3,5 milhões, assinados pela Secretaria municipal de Ordem Pública do Rio (Seop) durante a pandemia do coronavírus, foram acompanhados de pesquisas de preços para inglês ver. É o que mostram os processos administrativos que embasaram as aquisições dos serviços de brigada de incêndio para o Riocentro e de locação de veículos de apoio operacional para a prefeitura. Os documentos foram encaminhados ao blog pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (Cidadania).

No caso da brigada de incêndio, o contrato emergencial de R$ 1.996 milhão com a empresa Firefighters Prevenção e Combate à Incêndio Comércio e Serviços foi assinado em 23 de março pelo secretário Gutemberg de Paula Fonseca. As propostas com os valores das três companhias pesquisadas, porém, têm data de 27 de março.

Já na locação de veículos, constam propostas de três concorrentes enviadas antes da assinatura do contrato de R$ 1,5 milhão, em 1º de abril. Mas há um detalhe: quem assinou pela vencedora, a Águia Limpeza e Serviços Especializados, foi Simone Pereira Precioso. Ela vem a ser ninguém menos do que a dona de uma das duas outras empresas pesquisadas, a CMB Serviços de Limpeza e Conservação. A terceira companhia que participou do processo, a Magma Engenharia, sequer tem o serviço de aluguel de carros em seu registro na Receita Federal.

O secretário Gutemberg Fonseca defendeu a legalidade dos processos, afirmando que não houve qualquer dano ao erário:

“Não há qualquer desrespeito à lei nas nossas contratações. Muito pelo contrário. Investimos na transparência e zelamos, em todo processo, pelo princípio da economicidade e qualidade da entrega do setor público. E mais importante:  trouxemos economia ao município. Os contratos da Defesa Civil (aluguel de carros) e o da brigada foram mais econômicos na relação custo-benefício. Seguimos rigorosamente todos os ritos determinados pelo estado de calamidade. Os contratos passaram pela Controladoria e pela PGM. Nós ainda tivemos excesso de zelo, nos preocupando em buscar cotações de outras empresas, mesmo dispensados pela lei 13.979 (que rege as contratações emergenciais durante a pandemia)”.  

As datas que não batem

No processo de contratação da brigada de incêndio, há três documentos em sequência que reforçam que o negócio já teria sido fechado antes da oficialização da pesquisa de preços. Além do contrato em si, há dois anexos que tratam de responsabilização civil e administrativa, com data de 23 de março, com a assinatura de Gutemberg Fonseca.

Em seguida, veja que a proposta vencedora, da Firefighters, é de 27 de março:

Por e-mail (íntegra no fim do texto), a Firefighters, através da diretora comercial Rosana Alvarenga, negou qualquer irregularidade no processo de contratação, afirmando que a inconsistência de datas “certamente ocorreu por erro material”.

Duas empresas, um telefone

As outras duas empresas consultadas, a Magma Engenharia e a BMC Segurança, também apresentaram propostas em 27 de março. Mas a história não termina aí: além de nenhuma das duas ter em seu registro o serviço de brigada de incêndio na Receita Federal, os documentos tinham um mesmo número de telefone.

O blog entrou em contato e constatou que o celular é de João Paulo Magalhães Nascimento, um dos sócios da Magma. Ele negou qualquer relação com a BMC e disse ter ficado indignado quando soube que seu telefone foi usado na proposta de uma outra empresa. João Paulo afirmou ainda que, apesar de não ter o serviço de brigada cadastrado, ele “quarteirizaria” a execução caso fosse contemplado.

A Seop informou que “diante do cenário emergencial da pandemia, a contratação se deu pela análise documental referente aos termos de capacidade de habilitação e condições técnicas de execução do serviço”. “Passando por essa análise, prosseguiu-se com a contratação não havendo diligências dos demais pretensos contratados”.

Sem detalhes

O blog pediu à Seop a planilha detalhada da proposta vencedora, da Firefighters, assim como algum estudo técnico que embasasse a necessidade de 16 postos de brigada de incêndio para o serviço no Riocentro – onde foi montada uma base de ações contra a pandemia -, mas os documentos não foram enviados. Eles também não constam do processo administrativo ao qual a reportagem teve acesso.

O custo total do contrato, por seis meses, é de R$ 1,996 milhão. Até agora, foram efetivamente pagos pela prefeitura R$ 429,4 mil.

Em 31 de julho, a mesma prefeitura do Rio assinou um contrato de R$ 930,6 mil para um ano de serviço de brigada de incêndio na Cidade das Artes com a empresa DS Alado Assessoria e Consultoria, após a realização de um pregão eletrônico.

Para a Cidade das Artes, que tem 97 mil metros quadrados de área construída, foram contratados 8 postos de brigada. No caso de bombeiro civil diurno, com dois profissionais por posto, cada posto saiu por R$ 8.757 por mês. Para noturno, também com dois por posto, cada um saiu a R$ 9.771.

Para o Riocentro, que tem 98 mil metros quadrados de área construída, a Seop contratou 16 postos a R$ 20,8 mil por mês cada um. Os documentos que constam do processo administrativo indicam que cada posto teria quatro trabalhadores. Não há como precisar alguma variação por período (diurno ou noturno) pois a secretaria não enviou as planilhas detalhadas.

Em nota, a Seop alegou que o Riocentro tem uma área total de 570 mil metros quadrados e que o contrato com a Firefighters “permitiu a redução de 35% a 40% do custo se comparado, por exemplo, ao valor pago pela concessionária do complexo (GL Events) para eventos como a Bienal do Livro”. O blog pediu documentos que provassem a comparação, mas eles não foram enviados.

Mais confusão de datas

No caso da locação de carros, também há documentos no processo administrativo que colocam em dúvida a ordem da pesquisa de preços e da efetiva contratação. Num ofício enviado em 7 de abril à Seop para reforçar a economicidade do contrato de R$ 1,5 milhão que ganhou, a Águia Limpeza e Serviços Especializados afirma que, em 28 de março, tomou conhecimento de ser a empresa contemplada pelo órgão.

Porém, no processo administrativo consta uma proposta da Águia enviada em 30 de março, data posterior ao dia 28, em que a empresa disse em documento ter sido contemplada. O contrato só foi efetivamente assinado em 1º de abril.

Quem na verdade enviou proposta no dia 27 de março foi a CMB Serviços de Limpeza e Conservação:

A questão é que, segundo o site da Receita Federal, quem é a dona da CMB é Simone Pereira Precioso:

A mesma pessoa que acabou assinando o contrato pela empresa vencedora, a Águia:

Ainda consta no processo uma proposta sem data da Magma Engenharia, empresa que não tem o serviço de locação de carros registrado na Receita Federal. Essa é a mesma companhia que apareceu como uma das três levantadas na pesquisa da brigada de incêndio.

O sócio da Magma João Paulo Magalhães Nascimento inicialmente disse desconhecer a proposta, mas depois afirmou que foi feita por um funcionário sem seu conhecimento.

“Economia”

Sem entrar em detalhes, a Seop afirmou que “o contrato de locação de veículos para a Defesa Civil municipal gerou economia aos cofres públicos”. “Não houve impacto ao erário municipal”.

Em relação ao fato de a Águia Limpeza ter afirmado ter sido contemplada em 28 de março, antes do envio oficial de sua proposta e da assinatura do contrato, a secretaria disse que “consultou o processo e notificou a empresa, que informou ter ocorrido um erro material na formulação da carta apresentada por ela”.

O contrato de aluguel de carros tem valor total de R$ 1,5 milhão. Até agora, já foram pagos R$ 468,9 mil. A previsão é de fornecimento de 19 veículos com condutor, sendo 13 picapes e 6 carros de passeio.

Numa comparação entre as próprias propostas apresentadas no processo, o gabinete da vereadora Teresa Bergher constatou que, apesar de o preço global da Águia ser menor, em dois tipos de veículo, era mais caro do que nas outras levantadas:

Em abril, o blog já havia mostrado que, até outubro do ano passado, a Águia, que tinha o nome de Hookton, era uma gráfica. Na época, ela mudou radicalmente, virando uma espécie de empresa “faz tudo”. O capital social passou de R$ 10 mil para R$ 100 mil. Agora, está em R$ 400 mil. O blog tentou contato por e-mail com a companhia, mas não houve retorno.

Outro lado

Por fim, seguem os esclarecimentos enviados por e-mail pela empresa Firefighters, através de sua diretora comercial Rosana Alvarenga:

“Posso afirmar com absoluta tranquilidade que se há divergência e/ou inconsistência de datas certamente ocorreu ERRO MATERIAL no preenchimento, porque de nossa parte nenhuma irregularidade existiu, existe, ou existirá.

Atuamos no ramo com seriedade desde junho de 2014, quando passamos a deter todas as condições de funcionamento regular (apesar da abertura da empresa ter ocorrido em novembro de 2013). Trabalhamos para clientes exigentes e com cenários complexos, como a fábrica da Coca Cola na Taquara, a Firjan, o Museu itinerante da Bradesco Seguros nas Olimpíadas, entre outros clientes tão importantes quanto estes mas sem as marcas de conhecimento geral.

Não devemos nada a ninguém.

Nossas contas, inclusive tributos sempre foram pagos pontualmente, temos certidões negativas (não são positivas com efeito de negativa), NUNCA FOMOS ACIONADOS JUDICIALMENTE, NEM NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Temos empregados de longa data (4 anos de vínculo), que podem confirmar nossa conduta empresarial.

Talvez o incômodo seja justamente a oportunidade ter sido para uma pessoa jurídica que não faz parte da elite, sem tradição, sem conhecimento na mídia para gerir a informação que é divulgada.

Peço que por gentileza assista o programa “É de casa” da TV Globo exibido em 18/07/2020 (https://globoplay.globo.com/v/8708503), onde parte de nossa rotina de trabalho no Riocentro foi exposta e somente depois de comparar com o que vê no trabalho de outras brigadas (tem nos shoppings) publique sua reportagem.

Em tempo: não pagamos nada pela reportagem exibida no “É de casa!” que não foi propaganda de nossa empresa, mas conscientização da população quanto ao risco que os balões de ar quente representam”.

*Foto em destaque: Imagem aérea do Riocentro, atendido pela brigada de incêndio contratada pela Seop / Wikipédia / Agência CNT de Notícias

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