Imagem ilustrativa de ambulâncias do Samu

Aluguel de ambulâncias do Samu foi ‘quinteirizado’ no RJ

O estado contrata uma empresa, que subcontrata outra, que subcontrata mais 23. Foi assim que ocorreu o aluguel de 55 ambulâncias usadas no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da capital fluminense.

Desde o fim de março, o sistema é gerido pela OZZ Saúde, que delegou a parte de locação desses veículos para a JVA Serviços Médicos e Diagnósticos. Por fim, esta última realizou os aluguéis junto a outras companhias, resultando numa espécie de “quinteirização”.

Na prática, há indícios de que essa escada de empresas não seria vantajosa para os cofres públicos. O blog localizou documentos que mostram que houve ambulâncias sendo alugadas na ponta dessa cadeia por até R$ 13 mil mensais, enquanto a OZZ contratou a locação com a JVA por R$ 24 mil ou R$ 44 mil mensais, de acordo com as características do veículo. Além disso, também ficou acertado um pagamento de R$ 72 mil por mês da OZZ para a JVA para “gestão do contrato, análise de investimento e risco do negócio”.

Como os repasses da Secretaria estadual de Saúde para a OZZ foram suspensos no fim de maio por determinação da Justiça após suspeitas de irregularidades, foram tomando vulto dívidas que chegaram até os fornecedores finais. Atualmente, então, por causa do recolhimento de veículos, haveria apenas entre nove e 12 ambulâncias efetivamente disponíveis das 55 alugadas inicialmente previstas.

Mais caro que o previsto

No dia 21 de julho, foi a JVA Serviços Médicos quem entrou com uma ação na Justiça contra o governo estadual e a OZZ Saúde cobrando um valor à época de R$ 4.637 milhões, referente a parcelas vencidas dos aluguéis. Além das 55 ambulâncias, a empresa também forneceu 38 motolâncias. Neste último caso, os veículos são de propriedade da própria JVA. O valor da locação acertado foi de R$ 6.550 por mês por cada moto que custa em média, para compra, R$ 19 mil no mercado.

No processo judicial, a JVA anexou pelo menos dois documentos de cobrança de fornecedores finais de ambulâncias. Numa carta, uma empresa chamada Assepla cobrava três mensalidades de R$ 13 mil referentes a um veículo ano 2013.

Em outra, a Advanced Emergências Médicas solicitava o pagamento de R$ 214,3 mil por pelo menos dois meses de aluguéis vencidos de seis ambulâncias, três de suporte básico e três de avançado, com anos de fabricação entre 2008 e 2018. Não há o valor preciso especificado, mas, em média, teriam saído por cerca de R$ 17,8 mil por mês cada uma.

No contrato assinado entre a JVA e a OZZ, por sua vez, os valores foram de R$ 24 mil mensais para 40 ambulâncias de suporte básico e de R$ 44 mil para 15 de suporte avançado.

Já na proposta enviada ao estado em março, a OZZ havia previsto um gasto de R$ 25,7 mil com o aluguel de cada ambulância, sem especificar o tipo. Ou seja, o valor mensal seria de R$ 1.413.500. Na prática, porém, o custo foi – sem nem levar em conta a taxa de gestão de R$ 72 mil para a JVA – de R$ 1.620.000. Ou seja, R$ 206,5 mil a mais por mês.

Veículos antigos

Além do custo, outra questão envolvendo as ambulâncias alugadas é a rodagem dos veículos. O blog levantou em um relatório de fiscalização da Secretaria de Saúde as placas de 13 ambulâncias que apresentaram problemas e tiveram que passar por manutenção. A mais nova era ano 2016. Havia uma ano 2012. Foram localizados ainda um veículo ano 2013 com restrição judicial e outro do mesmo ano cujo último licenciamento havia sido feito em 2017.

Procurada pelo blog, a OZZ Saúde afirmou, através de sua assessoria de imprensa, que “considerando a complexidade da operação e o curto prazo de tempo imposto pela Secretaria de Saúde para o início da operação do Samu no Rio de Janeiro, contratou a empresa JVA para fazer a captação das ambulâncias no mercado, uma vez que, no mês de março, havia pouquíssimas unidades disponíveis”.

A OZZ disse ainda que realizou pesquisas de preços com outras empresas, mas “nenhuma se dispôs a firmar contrato”. “Quando se explicava o quantitativo de veículos necessários, condições contratuais e o tempo para colocar as viaturas em malha atendendo as nossas especificações, ocorria o declínio da possível contratada”.

A JVA, através de seu advogado, Ed Machado, admitiu que nunca havia prestado o serviço de aluguel de ambulâncias anteriormente, mas disse que “já trabalha há bastante tempo com transporte sanitário”. A empresa informou que tinha a intenção de substituir a frota por veículos zero quilômetro, mas que isso não foi possível por causa do bloqueio judicial dos pagamentos do estado à OZZ.

A íntegra dos posicionamentos das empresas está no fim do texto.

Auditoria em contrato

Já a Secretaria estadual de Saúde reforçou que não vem realizando pagamentos para a OZZ desde que o contrato foi judicializado, em maio. O total previsto para seis meses era de R$ 166 milhões, mas houve o repasse apenas de uma parcela, de forma adiantada, de R$ 27,3 milhões, autorizada pelo ex-subsecretário executivo Gabriell Neves, que está preso.

A pasta também disse que o contrato com a OZZ está sendo alvo “de auditoria da Secretaria estadual de Saúde e da Controladoria Geral do Estado (CGE)”. “Todas as irregularidades encontradas serão punidas com rigor”.

A secretaria não comentou especificamente o caso da “quinteirização” do aluguel das 55 ambulâncias, mas destacou que há outros 45 veículos no serviço do Samu pertencentes ao Governo do Estado, “que hoje são operados pela OZZ e não estão em boas condições de uso”. “A previsão é que até 23 de setembro (quando termina o contrato com a empresa) todos estejam reparados e em plenas condições de operação”.

A pasta informou ainda que “para o pagamento dos salários dos funcionários, a verba foi repassada ao Tribunal Regional do Trabalho, que fará os depósitos diretamente na conta de cada trabalhador”.

Por causa da falta de pagamento, funcionários do Samu decidiram entrar em greve no fim de julho. O blog teve acesso a escalas que mostram que bombeiros estariam de sobreaviso para atuar no serviço enquanto a situação não se normaliza.

O futuro do Samu

Nesta terça (18), o secretário estadual de Saúde, Alex Bousquet, surpreendeu ao anunciar no RJ1, da TV Globo, que, quando o contrato com a OZZ acabar, a Fundação Saúde, órgão que pertence à própria estrutura do governo, irá assumir o serviço do Samu na capital fluminense.

Segundo a assessoria de imprensa da pasta, sob o novo modelo, o sistema terá ao todo 72 ambulâncias, sendo 60 na operação e 12 de reserva técnica. “Além dos 45 veículos do estado, serão comprados 27 novos, para que o serviço volte a operar em sua capacidade plena”.

A secretaria também afirmou que “os funcionários que hoje trabalham para a OZZ serão reaproveitados pela Fundação, que tem autonomia de gestão para contratar profissionais pela CLT e através de empresas terceirizadas”.

OSs convocadas

A medida anunciada pelo secretário vai na contramão de movimentações que estavam sendo realizadas internamente na pasta.

No dia 6 de agosto, foi incluído no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do governo estadual um processo de contratação de uma Organização Social para assumir o serviço atualmente realizado pela OZZ, que é uma empresa privada.

Um novo termo de referência – que é um documento que serve de base inicial para a contratação – falava numa estimativa de R$ 141,4 milhões por um ano de contrato emergencial com uma OS. O valor é bem menor do que os R$ 166 milhões por seis meses do contrato que havia sido assinado em março com a OZZ e termina em 23 de setembro.

Após um parecer jurídico interno favorável, três Organizações Sociais chegaram a ser chamadas para apresentar propostas: Viva Rio, Imaps e Mahatma Gandhi.

A Secretaria de Saúde não explicou por que houve uma mudança de rumos com a decisão de passar a gestão para a Fundação Saúde a partir do fim de setembro.

O que diz a OZZ

Abaixo as perguntas enviadas ao blog para a OZZ Saúde com as respostas da empresa:

  • Há uma diferença de mais de R$ 200 mil mensais no aluguel de ambulâncias entre a proposta enviada pela OZZ ao estado e o contrato assinado entre a OZZ e a JVA. Por que a OZZ subcontratou a JVA para o serviço?

A preocupação da OZZ Saúde foi implementar a operação da maneira mais rápida possível, a pedido do Governo do Estado, que necessitava ampliar significativamente o atendimento do Samu por conta do agravamento da pandemia na cidade do Rio.

Considerando a complexidade da operação e o curto prazo de tempo imposto para o início da operação, a OZZ contratou a empresa JVA para fazer a captação das ambulâncias no mercado, uma vez que no mês de março havia pouquíssimas unidades disponíveis.

Com a implantação realizada, no decurso normal da programação operacional, todos os contratos passariam por auditoria e revisão técnica, operacional e financeira, o que não ocorreu dada a inadimplência da Secretaria de Saúde com a OZZ, que impediu a busca por novos fornecedores.

  • Houve levantamento de preços com outras empresas?

Sim. Realizamos cotações no mercado carioca, porém nenhuma outra empresa se dispôs a firmar contrato. Quando se explicava o quantitativo de veículos necessários, condições contratuais e o tempo para colocar as viaturas em malha atendendo as nossas especificações, ocorria o declínio da possível contratada.

  • A OZZ tem ciência de que a JVA subcontratou outras empresas para o fornecimento das ambulâncias e que há casos de veículos locados por R$ 13 mil pela JVA?

A OZZ Saúde contratou a JVA, ciente que eventualmente a contratada poderia buscar fornecedores nos locais. Não há ciência da OZZ Saúde das condições de contratos de terceiros, mas que a contratada absorveria custos extras e responsabilidades junto aos fornecedores.

  • Em consulta às placas de veículos locados, foi possível verificar que havia ambulâncias até ano 2008. A OZZ não se preocupou em locar veículos mais novos?

Todas as medidas para assegurar a máxima qualidade dos veículos foram tomadas. Dada a escassez de viaturas para locações devido ao crescimento exponencial da pandemia, com outros serviços de assistência à saúde se antecipando para atender futuras demandas, a OZZ Saúde buscou compor sua frota com o que havia disponível em mercado, cumprindo sua obrigação em iniciar o Samu da cidade do Rio de janeiro.

Cabe ressaltar que todas as normas e exigências técnicas foram atendidas pela contratada, garantindo a qualidade necessária de operação do veículo e assegurando a melhor assistência médica a população atendida.

  • Em relação à JVA, qual é a dívida atual? Existe alguma negociação? Houve redução na quantidade de ambulâncias? Qual o número atual de ambulâncias e motolâncias?

Dada a complexidade operacional e financeira os valores ainda estão sendo levantados e não há nesse momento um valor fechado pra divulgação.

Houve sim uma redução no quadro de viaturas locadas por parte da OZZ Saúde, mantendo 12 ambulâncias e 30 motolâncias locadas, mais a frota de viaturas entregue pelo estado.

  • Por fim, em relação ao Estado do Rio, qual a dívida atualmente calculada pela OZZ? Como está a questão do pagamento dos profissionais? Ainda há greve?

Os valores devidos pelo estado ainda estão sendo apurados, visando se ter a exatidão. Com relação ao pagamento dos colaboradores, esse trâmite está sob responsabilidade da Secretaria de Saúde juntamente com o TRT. A greve ainda persiste.

O que diz a JVA

Por fim, perguntas enviadas pelo blog com as respostas do advogado da JVA, Ed Machado. As empresas Advanced e Assepla foram procuradas por e-mail, mas não houve retorno.

  • Em julho, a JVA entrou com uma ação de cobrança contra o Estado do Rio e a empresa OZZ Saúde, que acabou extinta. A JVA ainda tenta alguma medida jurídica para reaver o valor dos aluguéis de ambulâncias e motolâncias?

A ação não foi extinta. Inicialmente a ação de cobrança foi distribuída por dependência para a 6ª Vara de Fazenda Pública, porque foi lá de onde veio a determinação de que o estado não efetuasse qualquer repasse para a OZZ. Consequentemente, deixando a OZZ de receber, deixou também de pagar a seus contratados, sendo nosso entendimento de que seria aquele juízo o competente para conhecer e decidir sobre a demanda, já que de lá partiu a ordem de suspensão de pagamentos.

Contudo, a Magistrada em 29 de julho decidiu se declarando incompetente e fundamentando sua decisão pela inexistência de conexão entre as ações, determinando livre distribuição. Na redistribuição da ação, foi recebida pela 7ª Vara de Fazenda Pública e o Juiz em 5 de agosto deu sentença afastando o Estado do Rio do polo passivo, argumentando que a questão é entre empresas particulares.

Diante da Sentença, entendemos que o magistrado ocorreu em equívoco, pois existe a solidariedade e subsidiariedade do Estado do Rio responsável na obrigação, já que é o beneficiário do serviço.

Interpusemos uma apelação que até hoje não foi juntada aos autos. Enviamos e-mail reclamando da demora e inércia para a Corregedoria Geral da Justiça.

Sendo assim, a JVA continua perseguindo via judicial receber os valores que estão em atraso, quer seja da OZZ, quer seja do Estado do Rio de Janeiro que é coobrigado direto. Todos os nossos fornecedores estão cientes de que estamos buscando pelas vias judiciais receber os valores e com isso, poder honrar o pagamento. Para a JVA a situação é grave, pois já temos títulos protestados e se a situação se alongar a empresa ficará sem certidões e poderá ter sérios e irreversíveis prejuízos, além dos que atualmente suporta.

  • Qual o valor atual da dívida da OZZ com a JVA?

Hoje, a OZZ está em débito com a JVA referente aos meses de maio, junho, julho e o mês corrente. Os valores são variáveis e somente os contratantes conhecem seus números, que estão bem delineados dentro das ações judiciais que tramitam no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não nos cabendo explanar para terceiros valores das dívidas entre as empresas, pois, a dívida envolve valor de locação, encargos etc.

  • Houve recolhimento de ambulâncias/motolâncias ou o serviço continua sendo prestado de forma integral?

O serviço ainda não parou. Já tivemos ambulâncias recolhidas em julho e agosto. Foram recolhidos 46 veículos pelos fornecedores inclusive com protesto de títulos por não pagamento, e ainda estamos operando com 9 veículos atendendo ao serviço.

As motolâncias não foram recolhidas porque elas são propriedades da JVA e ainda estão em serviço para que se possa cumprir o contrato até os limites máximos que se possa suportar sem o pagamento, operamos com 38 motolâncias, sendo 32 em frota de serviço e 6 na reserva.

  • A JVA já havia trabalhado com serviço de locação de ambulâncias antes do contrato com a OZZ? Com quais entes ou empresas?

Com ambulâncias, não. A JVA já trabalha há bastante tempo com transporte sanitário. Quanto a que entes ou empresas, preferimos preservar a identidade de nosso clientes.

  • Verificando as placas de alguns veículos fornecidos pela JVA, vi que os mais novos são ano 2018. Há casos de ano 2008. Não havia compromisso entre a JVA e a OZZ para fornecimento de veículos mais novos?

Não havia tal obrigatoriedade dado a urgência na aquisição decorrente da pandemia do Covid-19, entretanto, os veículos tinham que ser previamente apresentados a OZZ e só entrariam em operação se fossem previamente aprovadas pela equipe técnica da OZZ.

No entanto a JVA pretendia no curso do contrato substituir paulatinamente a frota por veículos zero quilômetro locados da Unidas (cotação em 07 de abril de 2020), e com intenção de compra na Renault  e Fiat (cotação feita em 8 de abril de 2020), o que não aconteceu devido ao inadimplemento causado pela liminar deferida pela 6ª Vara de Fazenda Pública que determinou o não repasse de recursos a OZZ, deixando esta de pagar a JVA e cumprir o contrato.

O acordo com a OZZ era de fornecimento de frota capaz de atender ao Samu, com avaliação técnica e aprovação da OZZ. Inclusive devolvemos para um fornecedor de São Paulo 18 ambulâncias zero quilômetro, mas que não atendiam especificações técnicas. O compromisso principal é de fornecimento de ambulâncias Tipo B (suporte básico) e D (suporte avançado) e assim foi e ainda está sendo fornecido em parte. 

*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de ambulâncias do Samu / Divulgação / Governo do Estado do RJ

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