“Operação amanhã”. Essa foi uma das mensagens enviadas, na noite do último dia 13 de maio, por Alessandro de Araújo Duarte – apontado pelo Ministério Público Federal como um dos operadores financeiros do empresário Mário Peixoto – ao atual subsecretário estadual de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura do Rio, Ramon de Paula Neves.
No dia seguinte, 14 de maio, foi deflagrada, pela manhã, a Operação Favorito, que apura desvios de recursos da Saúde no estado. A mensagem, localizada no WhatsApp de Alessandro Duarte, foi destacada esta semana pelo juiz Marcelo Bretas como um dos “fortes indícios” de que teria havido vazamento de informações sobre as investigações em andamento. Nesta terça (18), o magistrado decidiu manter presos Alessandro, Mário Peixoto e outros dois acusados.
No processo que corre na Justiça Federal – no qual Ramon não é réu -, há uma sequência de mensagens (íntegra no fim do texto) que demonstra proximidade entre Alessandro e o atual subsecretário de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura.
Num intervalo de 40 minutos na noite de 13 de maio, eles conversam sobre personagens da gestão de Wilson Witzel e dos bastidores como o Pastor Everaldo Pereira (presidente nacional do PSC, partido do governador); o secretário da Casa Civil, André Moura; o ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves – que havia sido preso em 7 de maio – e o ex-secretário de Saúde Edmar Santos, que à época ainda estava no cargo.
As mensagens chamam a atenção agora, após o ex-secretário de Saúde ter citado Ramon nos primeiros trechos de sua delação, que vieram a público na semana passada. Em depoimento a procuradores do MPF, Edmar Santos afirmou que o atual subsecretário da Pesca e Aquicultura “pressionava para a contratação de empresas de Mário Peixoto, queixando-se do controle da secretaria (de Saúde) pelo grupo do Pastor Everaldo”.
“Conversas informais”
Procurado pelo blog, Ramon Neves disse que conheceu Alessandro de Araújo Duarte numa agenda externa da campanha de 2018. “Mantive com ele, desde então, algumas conversas informais. Nunca tive qualquer relação financeira com Alessandro e só soube posteriormente de sua relação com Mário Peixoto”.
O subsecretário afirmou ainda que “em relação à mensagem que sugere conhecimento prévio da operação por Alessandro, fica evidente pelas minhas respostas que eu desconhecia completamente do que se tratava”.
A defesa de Alessandro, representada pelos advogados Ricardo Braga e Patrick Berriel, disse que é improcedente a tese de que teria havido vazamento, já que todos os mandados foram cumpridos normalmente, tendo havido apreensão de telefones celulares, documentos e quantias em espécie. A defesa também negou que Alessandro tenha atuado como “laranja” de Mário Peixoto.
Sobre a delação de Edmar, Ramon Neves acrescentou: “As falas e relações atribuídas a mim são falsas”. “Jamais solicitei ou sugeri a contratação ou o favorecimento de qualquer empresa por quem quer que seja”.
Nesta quinta (20), ele faltou a um depoimento na Comissão da Alerj que investiga os gastos durante a pandemia, alegando que não teve acesso ao depoimento do ex-secretário de Saúde.
“Bloco na rua”
No WhatApp de Alessandro, o atual subsecretário de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura aparecia com o nome “Ramon Campanha”. Os investigadores apontaram as seguintes mensagens como as que indicariam o conhecimento prévio da deflagração de uma operação:
- ALESSANDRO: “Amanhã tem bloco na rua”
- ALESSANDRO: “Cuidado” (…)
- RAMON: “Como assim?” (…)
- ALESSANDRO: “Cor preta e dourada”
- RAMON: “Não entendi”
- ALESSANDRO: “Caralhoooo”
- ALESSANDRO: “Tu é da onde”
- ALESSANDRO: “Operação amanhã”
- RAMON: “Ai caramba”
- RAMON: “Vai pegar quem?”
- ALESSANDRO: “Não sei”
- ALESSANDRO: “Só soube”
Para os investigadores, Alessandro usou o termo “bloco na rua” para se referir a policiais na rua. Já “cor preta e dourada” seria uma referência às cores das viaturas da Polícia Federal.
“Quer fazer dinheiro”
A troca de mensagens destacada pelos investigadores nos autos do processo da Operação Favorito começa às 22h23m do dia 13 de maio, com o envio por Ramon a Alessandro de uma nota do colunista Claudio Magnavita, do Correio da Manhã, que falava sobre uma possível coincidência entre viagens ao exterior de Mário Peixoto, Witzel e de seu então secretário de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão.
A partir dali, os dois especulam sobre a possível fonte da nota entre AM (referência ao secretário da Casa Civil, André Moura) e Cleiton (Rodrigues, então secretário de Governo).
Em seguida, Alessandro faz um comentário negativo a respeito do “pastor”, numa referência que seria a Pastor Everaldo. A mensagem reforça a tese de que haveria um racha entre o grupo ligado ao presidente nacional do PSC e o do empresário Mário Peixoto.
- ALESSANDRO: “Inclusive mudar de partido e tirar o pastor”
- ALESSANDRO: “Ele é um câncer” (…)
- RAMON: “Tbm acho”
- RAMON: “Ou tomar o partido do pastor kkkk”
Depois, Ramon faz comentários que seriam referentes a André Moura. Antes de se tornar secretário de Witzel, ele foi deputado federal, com base em Sergipe.
- RAMON: “Calculado. O eleitorado dele é Sergipe, lembra disso”
- RAMON: “Aqui no RJ ele quer fazer dinheiro”
Ao blog, Ramon Neves afirmou: “Sempre tive muita crítica aos dois (Cleiton e André Moura) no governo, e então era natural que no âmbito privado eu me manifestasse de forma mais dura”.
“Na bunda do Gabriel”
Como as mensagens foram trocadas dias após a prisão do ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves e em meio ao auge da crise na Saúde, a conversa depois vai para esse lado.
- RAMON: “Falei hj pro w (seria referência a Wilson Witzel) q ouvi por aí que ia ter delação pra cima do Edmar”
- ALESSANDRO: “Isso é fato”
- ALESSANDRO: “O gordo (seria referência a Gabriell Neves) vai berrar”
- RAMON: “Ele (seria nova referência a Witzel) precisa se adiantar”
- RAMON: “Ou”
- ALESSANDRO: “Fica na mão do Bozo (presidente)”
- RAMON: “Deixar o Edmar de rainha da Inglaterra”
- RAMON: “Entregar na mão do pessoal da Mariana (seria referência a Mariana Scardua, ex-subsecretária de Gestão de Atenção Integral da Saúde). Mantendo o Edmar lá de figurativo”
- ALESSANDRO: “Irmão tem várias opções”
- RAMON: “Localizando os processos, limpando a barra do Edmar e botando na bunda do Gabriel (seria referência ao ex-subsecretário Gabriell Neves)”
- ALESSANDRO: “Trocar todo mundo não faz mal a ninguém”
Apesar dos rumores, a delação de Gabriell Neves até hoje não se concretizou e ele segue preso no Complexo Penitenciário de Gericinó.
Já Edmar Santos foi efetivamente exonerado do comando da Secretaria estadual de Saúde em 17 de maio. Chegou a ficar alguns dias como secretário extraordinário de Ações Integradas da Covid-19, mas pediu demissão após a Justiça ter suspendido a sua nomeação. Em julho, foi preso acusado de participação no desvio de verbas da pasta, até ser solto no início deste mês após assinar acordo de delação premiada.
Sobre as mensagens que falavam de Edmar e Gabriell, Ramon Neves disse ao blog:
“Minha percepção no tempo da fala – sem proximidade dos fatos – era da necessidade de auditar os contratos e de que a responsabilidade pelas eventuais irregularidades tenderia a recair sobre Gabriell, e não Edmar”.
“Acesso ao governador”
Citada por Ramon Neves na troca de mensagem com Alessandro Duarte, a ex-subsecretária Mariana Scardua não voltou ao governo. Quem assumiu o comando da pasta da Saúde após a saída de Edmar Santos foi Fernando Ferry, substituído em seguida por Alex Bousquet, atual secretário.
Na delação homologada este mês, Edmar Santos disse que Scardua teria sido indicada anteriormente, na transição para o atual governo, por Ramon Neves. E afirmou que o atual subsecretário de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura é uma “pessoa muito ligada ao governador, ligado ao grupo de Mário Peixoto, que tinha acesso ao governador sem subordinação a Lucas Tristão”.
Ramon Neves afirmou ao blog: “Minha relação com o governador, apesar de anterior ao governo (nos conhecemos como colegas de pós-graduação em ciência política em 2015), nunca foi uma relação que influenciasse decisões estratégicas. Tudo que estava ao meu alcance era fazer ponderações que pudessem melhorar os rumos do governo e impactar positivamente a população”.
O que diz a ex-subsecretária
Mariana Scardua permaneceu na gestão Witzel até o início de abril deste ano, quando deixou o cargo após não concordar com o rumo das contratações conduzidas por Gabriell Neves, então subsecretário executivo.
A ex-subsecretária enviou os seguintes esclarecimentos ao blog:
“Conforme já esclarecido em outras ocasiões, Ramon Neves não me indicou para a Secretaria de Saúde. Fui indicada por ele para ser entrevistada pelo coordenador-geral da transição do governo, sendo entrevistada pelo Zamith (José Luis, ex-secretário da Casa Civil), o qual aprovou o meu nome.
No decorrer da transição, o convite para assumir a Subsecretaria de Gestão da Atenção Integral à Saúde partiu do próprio Edmar Santos, que já havia sido anunciado como secretário da pasta pelo governador eleito.
Sobre a fala do Ramon no dia 13 de maio, não tenho conhecimento sobre o assunto, pois fui exonerada do cargo em 3 de abril, ocasião em que me desliguei completamente dos assuntos da secretaria. Portanto, desconheço.
Reafirmo que nunca fui procurada por Ramon nem por interlocutores de empresários e Organizações Sociais para tratar de assuntos contratuais. Não realizei, durante o período que estava no cargo, nenhuma reunião oficial e extraoficial com Ramon, empresários e Organizações Sociais. Sempre agi de forma técnica, ética e responsável com os princípios que norteiam as contratações públicas.
Por fim, afirmo que não conheço Mario Peixoto e Alessandro”.
As mensagens
Abaixo, o blog reproduz a íntegra das páginas do processo da Justiça Federal que trazem as mensagens entre Alessandro Duarte e Ramon Neves. O primeiro é identificado como “Ale Duarte” e o segundo como “Ramon Campanha”. As marcações em vermelho foram feitas pelos próprios investigadores.




*Foto em destaque: Subsecretário estadual de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura, Ramon Neves / Divulgação / Alerj