No foco das investigações do Ministério Público Federal por causa de pagamentos que passam de meio milhão de reais ao seu escritório, a advogada Helena Witzel, mulher do governador afastado do Rio, Wilson Witzel, colocou um assessor do estado para atuar em um processo de um hospital privado.
No dia 6 de abril deste ano, a então primeira-dama assinou um documento de substabelecimento dando poderes para que Daniel André de Oliveira atuasse em um agravo de instrumento relativo a execuções fiscais do Hospital Jardim Amália.
Desde janeiro do ano passado, quando Witzel assumiu o governo, Daniel tem um cargo de assessor na Casa Civil. Seu último salário, em agosto, foi de R$ 10 mil brutos.
Além dele, Helena também delegou poderes a outro nomeado no estado: Paulo Renato de Aguiar Moraes Alves, que é atualmente assessor especial da governadoria. Este último, porém, renunciou à atuação no agravo, em 30 de maio, alegando questão de foro íntimo.

Assessor de Helena
Daniel André de Oliveira também é suplente do Conselho do Rio Solidário, obra social que tradicionalmente é conduzida pela primeira-dama no estado.
No site da entidade, seu currículo é de “ex-fuzileiro naval, bacharel em Direito, que foi secretário da Associação de Juízes Federais do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes) por dois anos e meio, sendo responsável direto e indireto pela logística dos eventos oficiais durante esse período”. “É duplamente certificado em inglês (TOEFL e TOEIC) como proficiente nativo”.
Na época em que foi juiz federal, Witzel chegou a presidir a Ajuferjes.
Num livro de registros de visitas ao Palácio Laranjeiras, solicitado pelo MPF nas investigações da Operação Tris in Idem, o nome Daniel, identificado como assessor de Helena, apareceu quatro vezes entre os dias 23 de abril e 26 de maio deste ano.
Serviços em xeque
Ainda não há nos autos do processo do Hospital Jardim Amália, que corre no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nenhum registro de ato praticado pelo assessor do governo. A atuação da própria Helena Witzel, porém, também foi questionada pelos procuradores da Operação Tris in Idem. O MPF colocou em xeque pagamentos de R$ 280 mil da empresa para a mulher do governador afastado sem que houvesse aparentes serviços prestados.
De acordo com o MPF, o hospital pertence a familiares do ex-prefeito de Volta Redonda Gothardo Netto, que também foi um dos alvos da operação. Pessoas ligadas a Gothardo ainda são donas da empresa GLN Serviços Hospitalares e Assessoria, que vem sendo contemplada com recursos do governo estadual referentes a serviços de atendimento médico de alta complexidade.
Os procuradores vinculam os repasses do estado aos pagamentos realizados para Helena Witzel. O governador afastado nega qualquer relação entre os dois fatos e diz que os serviços foram efetivamente prestados pela sua mulher ao Hospital Jardim Amália.
Lucas Tristão
O blog localizou na Justiça Federal 27 processos envolvendo execução fiscal da União contra o hospital. Alguns têm mais de dez anos. De acordo com o site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, atualmente as dívidas somam R$ 57,9 milhões.
Ao menos desde 2015, o advogado que começou a aparecer nos autos foi o ex-secretário estadual de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão do Carmo. No início, a atuação se deu através do escritório Tristão do Carmo e Jenier Advogados Associados. Depois, através do APD Advogados. Em 2017, ele chegou a assinar um documento delegando poderes para Helena Witzel em dois processos.

Assim que assumiu o cargo de secretário, Tristão se afastou dos processos envolvendo o Hospital Jardim Amália, mas seu antigo escritório continuou atuando. O advogado foi preso no fim do mês passado, na Operação Tris in Idem, sob a acusação de intermediar supostos valores ilícitos junto ao empresário Mário Peixoto. Duas empresas que o MPF diz serem ligadas a Peixoto também realizaram pagamentos a Helena Witzel: a DPAD e a Cootrab, num total de R$ 171,9 mil.
Adiantamento
Nas pesquisas realizadas pelo MPF em mensagens do e-mail de Wilson Witzel, foi localizada uma minuta do contrato entre o hospital e o escritório de Helena, de março deste ano.
Lá, ficou estabelecido um adiantamento de R$ 240 mil, que seria descontado em parcelas de R$ 10 mil ao longo de dois anos da remuneração mensal prevista de R$ 30 mil. Ainda foram acordados honorários de R$ 1.650 milhão caso a advogada tivesse êxito na Justiça em conseguir o parcelamento da dívida do estabelecimento no valor de até 5% de penhora sobre o faturamento.
Os procuradores apontaram que a minuta teria sido originalmente escrita pelo advogado Victor Zamprogno, do escritório APD, que vinha atuando para o hospital nos processos de execução fiscal.
Recurso interrompido
O agravo em que Helena Witzel delegou poderes a assessores do governo acabou tendo o andamento interrompido em 26 de junho, acompanhando uma decisão do STJ que suspendeu o trâmite de recursos relativos à penhora de empresas.
No dia 8 de julho, o escritório APD anexou um documento comunicando seu desligamento da atuação no agravo. Em pelo menos outros três processos do Hospital Jardim Amália relativos à execução fiscal, constam procurações da empresa, de 12 de agosto, dando poderes para que Helena Witzel assumisse sozinha como sua representante.
No dia 15 de maio, houve a Operação Favorito, que culminou na prisão do empresário Mário Peixoto. No fim daquele mesmo mês, foi realizada a Operação Placebo, motivada exatamente pela descoberta de um contrato de serviços advocatícios, mas entre a empresa DPAD e a então primeira-dama.
Já na Tris in Idem, foram revelados os contratos com a Cootrab, o Hospital Jardim Amália e a empresa Quali Clínicas Gestão em Saúde. Esta última, segundo o MPF, é ligada ao ex-subsecretário estadual de Educação, João Borges Mattos. Ao todo, foram recebidos por Helena Witzel R$ 554,2 mil entre agosto de 2019 e maio de 2020.
Outro lado
O blog entrou em contato por e-mail com o escritório APD, mas não obteve retorno. A assessoria de imprensa da atual gestão, do governador em exercício Cláudio Castro, não comentou sobre as funções exercidas pelo assessor Daniel André de Oliveira.
A assessoria de imprensa de Wilson Witzel disse que o governador afastado já havia se pronunciado sobre os contratos da esposa em entrevista publicada na Folha.
O advogado José Carlos Tórtima, que representa Helena Witzel afirmou, por e-mail, que, como entregará em poucos dias a resposta à acusação de sua cliente ao STJ, não iria “antecipar questões que serão versadas pela defesa na sua peça de resposta formal”.
*Foto em destaque: Helena Witzel ao lado do governador afastado Wilson Witzel / Divulgação / PSC
É criminoso que alguém seja nomeado para cargo público e continue exercendo a advocacia (!!!) são incompatíveis o exercício da função com a outra.
Excelente matéria! Estou começando a acompanhar o blog. O trabalho parece irretocável. Obrigado e parabéns!
Eu que agradeço!