Cópias de extratos de um cartão de crédito de um executivo que atuou na gestão da Organização Social Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (Pró-Saúde) reforçam os indícios de que o dinheiro da entidade teria sido usado para bancar luxos de membros da Igreja Católica.
As informações foram inseridas num processo que tramita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, que trata do suposto desvio de verbas envolvendo os repasses do estado à OS. Atualmente, a Pró-Saúde não possui mais contratos ativos com o governo estadual, mas, só entre 2013 e o início deste ano, recebeu mais de R$ 1,9 bilhão dos cofres fluminenses.
Os extratos foram fornecidos à Justiça por Ricardo Brasil Correa, que, apesar de não constar formalmente nos documentos da entidade, exerceu de fato, segundo o Ministério Público Federal, a presidência da OS.
Em abril de 2014, Ricardo gastou cerca de R$ 400 mil numa viagem a Roma. Além de compras em grifes famosas como Gucci, Prada e Chanel, foram realizados pagamentos de até R$ 85,3 mil em lojas que vendem produtos religiosos, como a Mancinelli Clero. Os itens, segundo termo de colaboração do executivo, teriam sido presentes para integrantes da Igreja.


Em nota (íntegra no fim do texto), a Pró-Saúde afirmou que Ricardo Brasil não integra atualmente os quadros da OS e que adotou “uma série de medidas concretas para estabelecer padrões elevados na rotina institucional da entidade, tais como a implantação do Compliance e da Governança Corporativa em seu novo modelo de gestão”.
“Muito luxo”
Fundada em 1967 em Minas Gerais, ainda com o nome Associação Monlevade de Serviço Social, a Pró-Saúde é uma entidade sem fins lucrativos comandada por membros da Igreja Católica. Em 2013, a OS deu uma guinada nos negócios com o Estado do Rio, quando o ex-padre Wagner Augusto Portugal passou a ser peça-chave no comando da instituição. Unidades importantes como o Hospital Getúlio Vargas, na Penha, e o Adão Pereira Nunes, em Caxias, chegaram a ficar por vários anos sob a administração da Organização Social.
Em 2018, a entidade foi o principal alvo de uma operação que apontou suspeitas de desvios de verbas da Saúde do governo fluminense, principalmente através da subcontratação irregular de empresas. No mesmo ano, a OS promoveu mudanças em sua gestão. Atualmente, está presente em 11 estados, mas não mais no Rio de Janeiro.
Wagner Portugal, que também assinou acordo de colaboração com o MPF, era bastante ligado ao arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta. Foi o ex-padre, por sua vez, que trouxe Ricardo Brasil para a gestão da Pró-Saúde. O executivo recebia os pagamentos através de uma empresa de consultoria chamada Aditus. E, segundo seu depoimento, foi por uma triangulação com esta companhia que teriam sido bancados mimos para membros da Igreja.
Abaixo, a reprodução do trecho que fala dos pagamentos:
“QUE dentre os valores recebidos pela ADITUS o colaborador realizou uma série de gastos com membros da Igreja Católica, especialmente em duas viagens pala Roma, os quais foram reembolsados pela PRÓ-SAUDE; QUE foram gastos cerca de R$ 400.000,00 em cada uma das duas viagens, QUE o colaborador recebeu mais de R$800.000,00 como reembolso dessas despesas; QUE PADRE WAGNER solicitou ao colaborador seu cartão de crédito pessoal para custear despesas como presentes para os membros da Igreja Católica; QUE o padrão das viagens era de muito luxo, com hospedagem em hotéis de alto padrão e jantares em restaurantes caros, com diversos convidados; QUE dentre os gastos, havia ainda compras em lojas de artigos religiosos, que inclusive eram fechadas para o grupo, dada a extravagância dos gastos; QUE PADRE WAGNER distribuiu parte dos presentes ao longo da viagem, e parte foi despachada para São Paulo e distribuída no Brasil; QUE as passagens de classe executiva de todos os membros da igreja foram pagas pela Pró-Saúde, através de uma agência de viagens“.
Agenda com dom Orani
As suspeitas em torno dos gastos da Pró-Saúde com membros da Igreja se tornaram públicas inicialmente no início do ano passado após a divulgação de um depoimento do ex-governador Sérgio Cabral à Justiça Federal em que ele disse:
“Não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a OS da Igreja Católica, da Pró-Saúde. Não tenho dúvida. O dom Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao dom Orani, mas ele tinha interesse nisso. Tinha o dom Paulo, que era padre e tinha interesse nisso. E o Sérgio Côrtes (ex-secretário de Saúde) nomeou a pessoa que era o gestor do Hospital São Francisco. Essa Pró-Saúde certamente tinha esquema de recursos que envolvia religiosos. Não tenho a menor dúvida”.
Em seguida, em fevereiro de 2019, a revista Época publicou uma reportagem citando que o MPF investigava se recursos desviados da OS poderiam ter bancado luxos de membros da Igreja. A reportagem também menciona uma declaração de Wagner Portugal de que comprava sistematicamente roupas para dom Orani Tempesta, tendo, em uma só ocasião, adquirido 52 camisas em Roma.
Nos novos documentos inseridos no processo, há as cópias dos extratos do cartão de crédito e de trechos da agenda de Ricardo Brasil que mostram a marcação de viagens a Roma e encontros com o arcebispo do Rio.



Em sua colaboração, o pai de Ricardo, Manoel Vicente Brasil Correa, que trabalhou com o filho para a Pró-Saúde, também citou os gastos em Roma:
“QUE o colaborador soube que em duas viagens a Roma houve uma série de gastos com membros da igreja católica por determinação de PADRE WAGNER PORTUGAL, os quais foram pagos através do cartão de crédito de RICARDO BRASIL e reembolsados pela PRÓ-SAUDE via ADITUS“.
“Influência”
O arcebispo do Rio foi mencionado várias vezes nos depoimentos de Manoel e Ricardo Brasil ao MPF. Ao falar sobre uma primeira troca de gestão na Pró-Saúde, em 2013, Manoel afirmou:
“QUE o colaborador esteve em um almoço em São Paulo com DOM ORANI TEMPESTA, que confirmou ao colaborador e a RICARDO BRASIL que apoiava as indicações de PADRE WAGNER para a diretoria estatutária e para a gestão da Pró Saúde“.
Outro trecho cita a “intermediação de contatos” no Rio de Janeiro:
“QUE, após a negociação do ingresso da Pró-Saúde no RJ realizada por PAULO CÂMARA (outro antigo executivo da OS), quem passou a realizar as relações políticas com o Estado do RJ foram WAGNER PORTUGAL e RICARDO BRASIL, com o apoio de DOM ORANI TEMPESTA, que fazia a intermediação dos contatos, usando de sua influência“.
Também falando no período de transição na Organização Social em 2013, com expansão de negócios no Rio de Janeiro, Ricardo Brasil disse:
“QUE o primeiro escritório da Pró-Saúde no Rio de Janeiro foi estabelecido num imóvel da própria Igreja Católica, na sede da arquidiocese; QUE nesse período, em abril de 2013, com a entrada de WAGNER PORTUGAL como controlador da Pró-Saúde (após a ‘troca de guarda’), e com o apoio de DOM ORANI, a Pró-Saúde passou a gozar de maior confiança do Estado, e, consequentemente, a obter mais contatos no Rio de Janeiro; QUE nessa fase, a parte política, ou seja, a relação com o governador, passou a ser feita por WAGNER PORTUGAL e pelo colaborador, com o apoio de DOM ORANI TEMPESTA”.
E-mails
Ricardo Brasil forneceu aos procuradores cópias de e-mails trocados entre representantes do Estado do Rio e da OS durante o segundo mandato de Sérgio Cabral, em 2013.
Uma mensagem mandada pelo então diretor operacional da Pró-Saúde, Nairio Aparecido Augusto Pereira dos Santos, em maio daquele ano, traz a convocação de um almoço no Palácio Guanabara com a presença de dom Orani e presidentes de Organizações Sociais.

A mesma sequência de e-mails iniciou com mensagens entre o então secretário Sérgio Côrtes e o ex-governador Sérgio Cabral falando sobre o novo presidente da Pró-Saúde à época, dom Eurico dos Santos Veloso. Arcebispo emérito de Juiz de Fora, ele atualmente é presidente emérito da Organização Social.

30 réus
Apesar de ter constado como presidente da entidade, as investigações do MPF apontaram que dom Eurico foi uma figura pouco ativa na administração da OS. Quem deu as cartas durante um bom período na realidade foi Wagner Portugal.
Ex-padre, que perdeu a batina após não cumprir as funções regulares numa paróquia mineira, Wagner teria tido a confiança do arcebispo do Rio para ser peça-chave na expansão dos negócios da OS. Foi ele, por sua vez, que chamou Ricardo Brasil para ser, na prática, quem tocava a gestão. Os dois se tornaram colaboradores da Justiça.
O processo público em que aparecem os trechos dos depoimentos e os elementos que apontam para o uso de dinheiro da entidade no pagamento de luxos de membros da igreja está em andamento na 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Há uma série de outras ações, com desdobramentos das investigações, que seguem em segredo de Justiça.
Neste processo principal, vinculado à Operação SOS, há 30 réus acusados de envolvimento em esquemas de desvios de recursos da Saúde através da Organização Social e empresas subcontratadas. Entre eles, estão o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e o empresário Miguel Iskin.
R$ 1,9 bilhão desde 2013
De acordo com levantamento feito pelo blog no Portal da Transparência do governo estadual, a Pró-Saúde recebeu, entre 2013 e o início de 2020, R$ 1,928 bilhão em pagamentos dos cofres fluminenses. O auge ocorreu em 2013 (R$ 351,1 milhões) e em 2014 (R$ 330,4 milhões).
Aos poucos, a entidade foi perdendo força e, em 2020, houve apenas pagamentos residuais, de R$ 1,9 milhão. Em 2016, a OS deixou de forma atribulada, em meio a uma crise no estado, a gestão do Hospital Adão Pereira Nunes, em Caxias. Quem assumiu foi o Iabas, que, em 2020, foi substituído, também de forma turbulenta, pela prefeitura da cidade da Baixada.
Atualmente, a Pró-Saúde responde a uma série de ações trabalhistas na Justiça do Rio pelo passivo deixado durante sua passagem pela gestão de unidades no estado.
Nesta quinta (22), o jornal O Globo mostrou que há investigações em andamento envolvendo a liberação de recursos do estado para que a OS quitasse dívidas trabalhistas já durante a gestão de Wilson Witzel. A entidade nega irregularidades.
Outro lado
O blog enviou perguntas por e-mail para a assessoria de imprensa da Arquidiocese do Rio, mas não teve retorno até a publicação inicial da reportagem. O texto será atualizado caso haja algum pronunciamento.
A Organização Social Pró-Saúde enviou a seguinte nota:
“A Pró-Saúde, entidade com 53 anos de atividades, informa que tem colaborado de forma irrestrita com as investigações, por iniciativa própria da atual diretoria, e vem adotando ações para o fortalecimento de sua integridade institucional.
É importante destacar que, desde quando a nova direção tomou posse, foram adotadas medidas concretas visando estabelecer padrões elevados na rotina institucional da entidade, tais como a implantação do Compliance e da Governança Corporativa em seu novo modelo de gestão, além do lançamento de um Código de Ética e Conduta que deve ser seguido por todos os integrantes da instituição.
Ricardo Brasil não integra atualmente os quadros da Pró-Saúde.
A presença religiosa reforça a missão solidária consolidada pela Pró-Saúde durante mais de meio século de existência, em benefício dos brasileiros que dependem da Saúde Pública.
Sobre as atividades do arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que não fez ou faz parte do quadro estatutário da Pró-Saúde, estas questões devem ser respondidas diretamente pela instituição religiosa”.
*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de Itens vendidos na loja Mancinelli Clero, em Roma, onde um ex-executivo ligado à Pró-Saúde gastou R$ 85,3 mil / Reprodução / Facebook
O senhor conhece o Cardeal Tempesta, sabe do trabalho dele, certo que não. Eu sou Jornalista e o que o senhor está fazendo chama-se noticia requentada. Mais do que comprovado que Sua Eminência nada tem com eventuais equívocos cometidos na OS em questão que por sinal vive num novo momento, com governança e ética com padrões rigorosos. A pergunta que deixo é qual o interesse em difamar a Igreja e um homem santo como Dom Orani com algo que foi publicado anos atrás, onde os esclarecimentos foram feitos. Soa estranho o interesse deste blog. Chega a saltar os olhos. O senhor deveria ter mais respeito pelo Cardeal ou pelo menos mais comprometimento com um jornalismo de qualidade que de fato noticiasse o que interessa e não reaproveitasse sem sequer dar créditos, matéria velhas, empoeiradas e já clareadas para talvez o que? Ganhar uns clicks, uns hits, monetizar. Homens como você envergonham o Jornalismo
Calaboca aí ô cara de pau marmita de pedófilo…
Assim como médicos, advogados, militares, políticos ou qualquer Integrante de um grupo social, há
sacerdotes que deliberadamente praticam erros. E ex-sacerdotes também. A diferença está na forma como a sociedade trata os desvios de cada um, sendo flagrante a preocupação de individualizar cada delito. Dessa forma, o politico é ladrao, mas a democracia, impoluta; o advogado é amoral, mas a justiça, imparcial; os generais são assasinos, mas o exército, heróico.
No entanto, quando um padre, bispo ou leigo, mesmo fora da instituição, que se dizendo a serviço da Igreja se serve dela, é a Igreja que leva a culpa.
Essa atitude de ataque é deliberada e antiga, pois vem desde os fariseus. Mas não vai prevalecer.