Prefeitura de Silva Jardim publica contrato de quase R$ 1 milhão com empresa que tem dono preso

Em um ano da pandemia de Covid-19, não faltaram casos absurdos envolvendo gastos públicos na área da Saúde no Brasil. Mas sempre é possível ir um pouco além. Desta vez, a prefeitura de Silva Jardim, cidade com pouco mais de 21 mil habitantes no interior do Rio de Janeiro, publicou no dia 22 de janeiro um contrato para fornecimento de materiais como álcool em gel, máscaras cirúrgicas e aventais hospitalares com uma empresa cujo dono está preso por homicídio.

A Master Peças e Distibuição Eireli venceu, em setembro do ano passado, um pregão presencial cujo valor total dos itens soma R$ 978,7 mil. A licitação gerou um registro de preços válido por seis meses. Ou seja, até o início de março, o município poderia adquirir os materiais com a companhia pelos valores acertados. Só há um detalhe: o dono da empresa, Elder Alves Reis, está atualmente no Presídio de Barão de Cocais, em Minas Gerais.

O empresário foi detido em flagrante no fim de novembro de 2020. Como o contrato com a Master Peças é de setembro, mas só foi publicado agora, é o próprio nome de Elder que aparece na ata do Diário Oficial de Silva Jardim como representante da companhia.

No site da Receita Federal, também é o presidiário que continua aparecendo como único sócio.

Em nota enviada nesta quinta (11) ao blog (íntegra no fim do texto), a prefeitura de Silva Jardim afirmou que “a publicação da ata ocorreu de forma equivocada”. E que o contrato com a empresa foi “rescindido de forma unilateral em 8 de dezembro do ano passado”.

Morte por R$ 60

O contexto do caso envolvendo o empresário torna a história ainda mais surreal. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Elder Alves Reis é acusado de ter assassinado a vítima – cujo nome não foi revelado – por causa de uma dívida irrisória para alguém que possui uma empresa com contratos de milhares de reais.

O crime ocorreu em 26 de novembro de 2020. De acordo com a denúncia que consta no processo, a vítima teria feito um serviço para o empresário cobrando R$ 40. Como recebeu uma nota de R$ 100, teria se comprometido a devolver o troco posteriormente, mas não teria cumprido com o combinado.

Ainda segundo a denúncia, Elder então teria ido à casa do homem, arrombado a porta por causa da demora para atendê-lo e atirou. Ele fugiu, mas foi preso em flagrante.

O blog tentou contato com algum representante do empresário através dos telefones da Master Peças, sem sucesso. O espaço segue aberto.

Empresa de autopeças

A notícia sobre a contratação da empresa foi dada primeiramente pelo blog do jornalista Elizeu Pires, com o fato de que a Master Peças é prioritariamente, como o próprio nome diz, uma fornecedora de peças para veículos.

Na pandemia, porém, a companhia – que tem sede no município de João Monlevade (MG) – inovou e passou a ganhar contratos para fornecimentos de insumos voltados para a prevenção da Covid, como máscaras, álcool em gel e aventais.

O caso de Silva Jardim não é isolado. Desde o segundo trimestre do ano passado, a empresa vem conquistando contratos de venda de insumos de Saúde para diversas prefeituras, principalmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.

Em geral, os valores não são altos. Em abril de 2020, por exemplo, a Master Peças vendeu R$ 342 mil em capotes descartáveis para a prefeitura de Rio Bonito, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Cada peça saiu entre R$ 19,75 e R$ 29,30. Os valores passaram do dobro dos cotados pelo município com outra empresa (Telemedic Distribuidora) na mesma época, mas cujos contratos foram cancelados.

Várias prefeituras

Em Búzios, na Região dos Lagos, a empresa de autopeças conseguiu, em agosto do ano passado, um contrato de R$ 165,9 mil para o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a serem usados por profissionais de Saúde.

Em território fluminense, o blog localizou ainda contratos de insumos voltados para a prevenção e o tratamento da Covid nas cidades de Bom Jardim (R$ 87,6 mil em maio para quatro monitores multiparâmetros); Cantagalo (R$ 5,5 mil em maio para pijamas cirúrgicos); Cordeiro (R$ 890 em agosto para álcool em gel) e Carmo (R$ 6,3 mil para macacões de proteção).

A companhia também quase conseguiu vender monitores para a prefeitura de Macaé, mas a compra foi cancelada após uma empresa concorrente entrar com recurso alegando que os equipamentos pela Master Peças não tinham qualidade.

Até o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) chegou a ter contrato com a empresa mineira. Em agosto, empenhou (reservou para pagamento) R$ 2.679 para a compra de EPIs.

Pneus em Vassouras

No Estado do Rio, no início do ano passado, a Master Peças também chegou a ganhar um contrato com a prefeitura de Vassouras. Mas para o fornecimento de até R$ 106 mil em pneus. A parceria, no entanto, não deu muito certo. Em outubro, o município estava tentando localizar algum representante para dar sequência à compra, mas ninguém havia sido localizado.

Durante a pandemia, a companha também assinou vários contratos com prefeituras de Minas Gerais, como nas cidades de Santa Bárbara (R$ 55 mil em aventais); Periquito (R$ 5,7 mil em aventais e termômetros) e Guaranésia (até R$ 3.750 em máscaras).

Curiosamente, a empresa, fundada em junho de 2019, foi ganhando um contrato atrás do outro de insumos para Covid apesar de claramente ter o seu foco voltado para o comércio de autopeças. O banner que aparece, por exemplo, nos documentos de um pregão do ano passado do Consórcio Intermunicipal da Microrregião do Circuito das Águas, em Minas Gerais, reforça a atividade principal da Master Peças.

Aliás, também neste pregão, quem dá o atestado técnico de que a companhia tem capacidade de vender máscaras, aventais e afins é uma outra empresa de autopeças da mesma cidade de João Monlevade (MG).

Outro lado

Sobre o contrato da cidade de Silva Jardim, o blog enviou perguntas por e-mail para a assessoria de imprensa da prefeitura, que enviou a seguinte resposta nesta quinta (11):

“Em relação à reportagem sobre a Ata de Registro de Preços 84/2020, a Prefeitura de Silva Jardim esclarece que foi publicada no dia 17 de setembro de 2020 pela gestão anterior e rescindida de forma unilateral, conforme publicação em 8 de dezembro.

A republicação da Ata, em 22 de janeiro de 2021, ocorreu de forma equivocada.

Ressalta- se que a Ata foi originalmente realizada no dia 2 de setembro e publicada em 17 de setembro de 2020, durante o governo municipal passado. No entanto, foi realizada a rescisão unilateral pela prefeitura em 7 de dezembro do mesmo ano.

Esclarecemos ainda, que a municipalidade atual não possui nenhuma vigência com essa Ata e que a empresa citada está suspensa de participar de qualquer procedimento na municipalidade”.

Na época da ata de registro de preços, em setembro do ano passado, o município estava sob o comando de Jaime Figueiredo, do PROS. Ele foi o mais votado nas eleições de 2020, mas não assumiu novamente a cadeira porque sua posse está barrada pela Justiça Eleitoral.

O atual prefeito interino é Fabrício Azevedo, o Fabrício de Napinho, do PSD.

A reportagem segue aberta aos esclarecimentos dos outros citados.

*Foto em destaque: Prefeitura de SIlva Jardim / Reprodução

*A reportagem foi atualizada às 17h20m de quinta (11), com os esclarecimentos da prefeitura de Silva Jardim

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