Pesquisa de 5 parágrafos decidiu contrato do Albert Schweitzer para a Viva Rio

Albert Schweitzer: pesquisa de 5 parágrafos decidiu contrato de R$ 91 milhões para a Viva Rio

Uma pesquisa de cinco parágrafos sobre o histórico da Organização Social Viva Rio foi decisiva para que a entidade ganhasse um contrato de R$ 91 milhões da prefeitura do Rio para a gestão do Hospital Albert Schweitzer, em Realengo. 

É o que mostram documentos encaminhados ao blog pelo gabinete do vereador Pedro Duarte (NOVO), que constam no processo administrativo de contratação emergencial da OS, que assumiu a unidade no fim do mês passado. 

O levantamento, realizado pela Secretaria de Governo e Integridade Pública, traz basicamente considerações genéricas, como uma pesquisa simples de quantidade de processos judiciais, sem nenhum detalhamento, no site Escavador, e trechos de duas reportagens facilmente encontradas no Google. 

Levantamento feito pela Secretaria de Integridade Pública sobre a Viva Rio

O que mais chama a atenção é que não há qualquer menção a três punições graves sofridas pela entidade no próprio município. Em 2018, a Viva Rio foi multada em R$ 23 milhões e impedida de ser contratada por dois anos pela prefeitura, por problemas na gestão do Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari. No fim de 2020, também foi desqualificada pela Secretaria de Saúde para participar de processos seletivos. 

A OS só conseguiu se manter apta pois conseguiu uma liminar na Justiça que suspendeu o efeito das medidas tomadas na gestão de Marcelo Crivella. 

Em nota (íntegra no fim do texto), a prefeitura afirmou que foi realizada “uma análise à luz dos critérios de risco reputacional com as ferramentas que tem à disposição, utilizando uma equipe qualificada e experiente em certames licitatórios”.

Contratação às pressas

Apesar de saber que o contrato de gestão com a Organização Social Cruz Vermelha terminaria em 29 de abril, a Secretaria de Saúde só iniciou a convocação para uma nova administração do Hospital Albert Schweitzer no dia 19 do mês passado. Com isso, o processo foi realizado às pressas. 

Mesmo com o curto prazo, quatro entidades se interessaram: IPCEP, Instituto Solidário, SPDM e Viva Rio. Após uma seleção em que cada OS recebeu uma pontuação em itens previamente estabelecidos, houve um empate entre a SPDM e a Viva Rio.  

Neste momento, o que decidiu em favor da Viva Rio então foi o relatório feito pela subsecretária de Gestão da Secretaria de Integridade Pública, Ana Paula Teixeira Pereira. Ao todo, a análise das concorrentes tem sete páginas, sem qualquer aprofundamento. 

Ainda assim, a pesquisa foi o fator crucial da decisão final da comissão montada pela Secretaria de Saúde para definir a gestora da unidade, num contrato que está previsto para durar até seis meses.

Duas reportagens

Especificamente sobre a Viva Rio, a subsecretária – cuja remuneração em abril foi de R$ 24 mil brutos – elencou duas reportagens: uma de cunho positivo e outra negativa.

A negativa foi uma matéria publicada em 2011 pelo site Brasil 247 sobre um processo do Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar a aplicação de R$ 6,1 milhões num projeto vinculado ao Ministério do Esporte. O blog constatou, porém, que este processo gerou uma tomada de contas que foi arquivada em 2014 porque não foi constatado dano ao erário. 

A reportagem positiva foi uma do jornal O Globo, de setembro do ano passado. O texto curto, sem assinatura de nenhum repórter, destaca que a Viva Rio foi a única OS fora do recente esquema de fraudes na Saúde no governo estadual, segundo a PGR. 

A conclusão da procuradoria se baseia principalmente em um dos anexos da delação premiada do ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos, cuja íntegra não está na matéria nem no relatório da prefeitura. O depoimento pode ser acessado aqui.  

Cenários parecidos

Uma outra curiosidade a respeito do processo de contratação da Viva Rio para o Albert Schweitzer é que o contexto atual lembra o da contratação da mesma OS em 2015 para a gestão do Ronaldo Gazolla, que culminaria anos depois com as sanções aplicadas pela prefeitura na gestão Crivella.

Agora, a Organização Social assumiu emergencialmente a unidade da Zona Oeste no lugar da Cruz Vermelha pelos mesmos R$ 15,1 milhões mensais que a gestora anterior recebia. E a Cruz Vermelha vinha se queixando de um orçamento deficitário, com um desequilíbrio financeiro acumulado nos últimos anos que chegaria à casa de R$ 86 milhões. 

Outro indicativo de que o valor estaria abaixo do ideal é que, num edital lançado este mês para um futuro novo contrato de um ano no Albert Schweitzer, a prefeitura estimou o custo da gestão em ao menos R$ 1 milhão a mais por mês.  

Já em dezembro de 2015, quando assumiu o Gazzola também de maneira emergencial, a VIva Rio logo constatou que o valor orçado pela prefeitura não seria suficiente. Ao fim de seis meses, em junho de 2016, cobrou uma dívida de R$ 12 milhões. Pouco mais de R$ 6 milhões foram admitidos pela prefeitura.    

Segundo a própria OS afirmou através de seus advogados no processo judicial que envolve as punições aplicadas pelo município, “a estimativa do orçamento (de 2015) foi feita sem qualquer base técnica que apurasse o custo real daquela unidade hospitalar”. 

Assim como atualmente, a Secretaria de Saúde era comandada por Daniel Soranz. 

Contrato deficitário

Após o primeiro contrato emergencial, a Viva Rio ganhou outro, em junho de 2016, para gerir o Ronaldo Gazolla por mais dois anos. Também neste caso, a entidade alegou que o orçamento era deficitário. Mas, ainda assim, assumiu a unidade. 

“Mesmo diante de evidências de que era impossível gerir o Hospital Ronaldo Gazolla por menos de R$ 8 milhões por mês, o município ‘impôs’ à Viva Rio a assinatura do Contrato de Gestão 01/2016 (deficitário), sabendo que essa Organização Social não teria escolha, a não ser evitar a demissão em massa dos funcionários e a execução de dívidas milionárias de fornecedores com alto risco de penhoras”, afirmaram os advogados da OS.

Esse histórico é importante porque, em seguida, com o fim da segunda gestão de Eduardo Paes e a saída de Daniel Soranz do comando da Saúde no município, estabelece-se uma forte queda de braço entre a Viva Rio e a gestão Crivella. 

De um lado, a OS dizia que passava por uma penúria financeira por causa dos contratos deficitários, com dívidas acumuladas. De outro, a prefeitura acusava a entidade de má gestão. 

Punições

No fim de 2018, a prefeitura resolveu aplicar duas sanções duras à Viva Rio: rompeu o contrato do Ronaldo Gazolla de forma unilateral, impedindo ainda que a OS contratasse por dois anos com o município, e também a multou em R$ 23 milhões. A RioSaúde, empresa pública, assumiu a unidade. 

Os principais motivos das punições foram o fato de a Organização Social ter usado dinheiro de outro contrato para cobrir pagamentos no Ronaldo Gazolla, ter deixado de pagar fornecedores como a Cedae e o baixo cumprimento de metas. 

Em 2019, a Viva Rio conseguiu na Justiça uma liminar suspendendo os efeitos da punição. Posteriormente, a decisão se estendeu para anular a desqualificação da OS, ocorrida em dezembro do ano passado. O entendimento até agora é que as irregularidades cometidas pela entidade têm relação com problemas financeiros gerados pela própria prefeitura.

Em março deste ano, portanto já na atual gestão, a Procuradoria do Município recorreu no sentido de manter o processo de desqualificação, mas, até o momento, não obteve sucesso.  

Renascimento 

A volta de Eduardo Paes e Daniel Soranz à prefeitura este ano coincidiu com o renascimento da Viva Rio. Com menos de um semestre do novo governo, a OS já soma cinco novos contratos que ultrapassam R$ 1,1 bilhão. 

O valor só não é maior porque esta semana uma outra OS, o Instituto Gnosis, conseguiu barrar na Justiça um contrato de mais de R$ 360 milhões para a gestão de saúde da família na região conhecida como Área de Planejamento 5.1, conforme revelou reportagem do RJ2, da TV Globo. 

O argumento usado pela entidade foi que a Viva Rio iria descumprir os limites de contratos previstos por um decreto do próprio prefeito Eduardo Paes, que pretendia restringir um eventual monopólio no setor. 

Este ano, foram cinco contratos (R$ 1,1 bilhão) para a Viva Rio, dois para a SPDM (R$ 419,8 milhões) e um para o Instituto Gnosis (R$ 200,3 milhões). 

Concentração antiga

A concentração de gestão com poucas OSs é algo que vem de longa data nas gestões de Paes. O blog localizou um relatório de 2017 do Tribunal de Contas da União (TCU) que já apontava para o problema. 

No fim da segunda passagem do prefeito pelo Executivo carioca, mais de dois terços dos contratos se restringiam a três Organizações Sociais: SPDM, Viva Rio e Iabas. 

O Iabas foi alvo de operação do Ministério Público no ano passado exatamente por suspeitas de desvios de verbas na gestão de unidades da prefeitura na gestão Paes, além de ser investigado pela implementação dos hospitais de campanha do governo estadual durante a gestão Witzel. 

Na gestão Crivella, a entidade foi desqualificada. 

Outro lado

O blog enviou perguntas para a Viva Rio a respeito da disputa na Justiça com a prefeitura e sobre possíveis dívidas que o município ainda tenha com a OS, mas não obteve resposta.

Abaixo, a íntegra da nota enviada pela prefeitura do Rio:

“A Secretaria municipal de Governo e Integridade Pública (Segovi) esclarece que a Secretaria municipal de Saúde (SMS) solicitou, em caráter consultivo, que fosse produzido um levantamento de informações para a escolha da nova Organização Social a operar no Hospital Albert Schweitzer. O objetivo era que o processo de substituição da OS Cruz Vermelha, declarada inidônea pelo Tribunal de Contas do Estado (nota do blog: a OS afirma não estar inidônea), trouxesse o menor risco possível à Prefeitura do Rio.

A Segovi, então, elaborou uma análise à luz dos critérios de risco reputacional com as ferramentas que tem à disposição, utilizando uma equipe qualificada e experiente em certames licitatórios. Por essas ferramentas, na comparação entre as quatro OSs que estavam na disputa, foi possível verificar que as outras organizações apresentavam publicamente situações de maior risco para um novo contrato.

Em relação especificamente ao empate entre a Viva Rio e a SPDM, a pesquisa realizada apontou que, no Estado do Ceará, a SPDM é investigada em pelo menos cinco processos que tramitam na 5ª Câmara de Coordenação e Revisão – Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal e há Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Ceará em seu desfavor, por irregularidades no Hospital de Campanha do Estádio Presidente Vargas. Na CPI da Saúde no Estado de São Paulo, a SPDM é investigada pela Controladoria Geral da União, Polícia Federal e Ministério Público Federal por desvio de verbas da saúde indígena no Mato Grosso (nota do blog: a atual gestão assinou dois contratos com a SPDM, num total de R$ 419,8 milhões).

Quanto à Viva Rio, não constam sanções ativas contra a OS no Cadastro Único de Fornecedores do Portal de Compras do Município do Rio. Além disso, sobre esquemas fraudulentos na área da Saúde no Governo do Estado do Rio de Janeiro durante a gestão do ex-governador Wilson Witzel, a Procuradoria Geral da República (PGR) concluiu que ‘com a exceção da Viva Rio, todas as outras OSs consideradas habilitadas [em edital de licitação para gestão de UPAs estaduais] são de alguma forma vinculadas à organização criminosa e mencionadas nos anexos do colaborador [o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos]’.

Pelos motivos acima, a Segovi apontou para a SMS em seu relatório que a Organização Social Viva Rio era a entidade que apresentava o menor nível de risco público entre as participantes. O processo seletivo e a escolha final foram conduzidos pela SMS, que optou por levar em consideração o documento consultivo da Segovi para fins de desempate.

O processo licitatório (para a gestão do Albert Schweitzer) seguiu os trâmites e prazos legais e o valor orçamentário foi calculado com base na série histórica dos gastos do hospital.

Em 2015, a decisão sobre a estimativa orçamentária para o Hospital municipal Ronaldo Gazolla foi tomada, como de regra, pela superintendência ou coordenação responsável pela elaboração do projeto básico do contrato de gestão.

A Secretaria municipal de Saúde, como sempre, segue o entendimento da Procuradoria Geral do Município sobre o decreto (que impôs limite de quantidade aos contratos de OSs). Em razão da liminar referente ao contrato de gestão da AP (Área de Planejamento) 5.1, a assinatura do contrato foi suspensa e a SMS aguarda decisão definitiva da Justiça para prosseguir com os trâmites licitatórios”.

*Foto em destaque: Fachada do Hospital Albert Schweitzer / Divulgação / prefeitura do Rio

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