Com quadras de agremiações servindo de palco para eventos políticos, com a presença de secretários, parlamentares e prefeitos, escolas de samba das duas principais ligas do Rio de Janeiro receberão um total de R$ 4 milhões para apoiar o Supera RJ.
Com atraso de pelo menos dois meses, o programa, que oferece auxílio emergencial de até R$ 300 mensais a pessoas em situação de pobreza, além de linhas de crédito para microempreendedores, foi lançado no dia 2 de junho pelo governo estadual.
Apesar de o governador Cláudio Castro ter destacado a transparência e o cuidado com o dinheiro público em pronunciamentos sobre o projeto, os detalhes sobre a parceria são um mistério. O estado colocou em sigilo no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), que disponibiliza os atos administrativos aos cidadãos, todos os documentos relativos ao convênio.
As quadras vêm sendo utilizadas desde o início deste mês, mas não houve nenhuma publicação em Diário Oficial a respeito dos contratos. Também não foi definido sequer de onde sairá o dinheiro já que a Secretaria de Desenvolvimento Social informou internamente que não tem previsão no orçamento para a parceria.
Em nota (íntegra no fim do texto), a assessoria de imprensa do governo estadual afirmou que foi assinado um “protocolo de intenções” com a Liesa e a Liga RJ (antiga Série A) e que “o contrato será disponibilizado assim que for finalizado”.
Proposta de Chiquinho
Uma dica de como pode ter surgido a ideia está nas redes sociais. Em sua página no Facebook, o deputado Chiquinho da Mangueira (PSC) deu mais detalhes sobre a parceria do que aquilo que há em documentos públicos oficiais.
Numa postagem de 2 de junho, ele agradeceu a Cláudio Castro por ter “aceitado de imediato” a proposta de colocar as 27 escolas de samba da Liesa e da Liga RJ na distribuição dos cartões do Supera RJ em suas quadras.

O parlamentar também afirmou que cada agremiação receberia R$ 150 mil para “desenvolver os trabalhos junto às suas comunidades durante todo o mês de junho”. As entregas dos cartões têm sido realizadas pelo governo estadual nos fins de semana, mediante agendamento.
Apesar da remuneração para as escolas de samba, já há locais públicos, usados sem onerar o estado, para a distribuição dos benefícios, como os Centros de Referência em Assistência Social ou mesmo unidades da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec).
Furna da Onça
Demonstrando novamente influência na política fluminense, Chiquinho da Mangueira esteve preso entre novembro de 2018 e outubro de 2019, em decorrência da Operação Furna da Onça, que apontou supostos pagamentos mensais a mando do ex-governador Sérgio Cabral para um grupo de deputados apoiar votações que interessavam ao Executivo na Alerj.
Na época, o Ministério Público Federal afirmou que Chiquinho teria pedido R$ 1 milhão em propina a Cabral para ajudar na realização de um desfile da Verde-e-Rosa, agremiação que ele presidia. Em depoimento aos procuradores, Sérgio Castro de Oliveira, o Serjão, ex-assessor do ex-governador, disse que teriam sido pagos R$ 200 mil “perto de um carnaval”, além de uma “mesada” de R$ 20 mil ao deputado.
Em maio do ano passado, Chiquinho voltou a assumir a função de parlamentar, com a anuência da Justiça do Rio, que acatou decisão do STF.
Salgueiro
O próprio evento de inauguração do Supera RJ, realizado na quadra do Salgueiro, reforça a influência do deputado na parceria. Ele foi um dos que foram chamados ao palco para a entrega de cartões do auxílio emergencial a um grupo de beneficiados.
Chiquinho foi convocado para “representar os deputados” na solenidade. Além dele, entre os parlamentares, apenas Márcio Pacheco (PSC), Rodrigo Amorim (PSL) e Léo Vieira (PSC) também subiram ao palco na ocasião. Eles eram respectivamente líder e vice-líderes do governo na Casa. Vieira assumiu esta semana a Secretaria estadual de Trabalho e Renda.
No evento no Salgueiro, além de Cláudio Castro, também discursou o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT). O deputado ainda marcou presença com o governador na quadra da Beija-Flor, com outros políticos como o prefeito da cidade, Abraão David Neto, e o deputado federal Dr. Luizinho (Progressistas).
A rainha de bateria da escola, Raissa de Oliveira, postou um agradecimento a diversos políticos que participaram do evento.

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A reportagem localizou em redes sociais fotos de eventos políticos em pelo menos outras três agremiações: Inocentes de Belford Roxo (com a presença do deputado estadual Márcio Canella (MDB)), Acadêmicos do Grande Rio (com a presença do prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis) e Mocidade Independente.
Além dos gastos com as escolas de samba, o blog mostrou no mês passado que o estado irá gastar R$ 25 milhões com a publicidade do Supera RJ. Especificamente com o pagamento dos auxílios, o governo anunciou que espera gastar R$ 86 milhões por mês até dezembro.
As agremiações, por sua vez, também vêm sendo contempladas pelo governo com outro programa de apoio, o “Não Deixe o Samba Morrer RJ”, da Secretaria de Cultura. Somente nesta quarta (9), Unidos da Tijuca, Vila Isabel, Salgueiro, Portela, Mangueira e São Clemente foram habilitadas para ganhar R$ 150 mil cada através dessa premiação.
Outro lado
O blog enviou perguntas por e-mail ao deputado Chiquinho da Mangueira sobre as acusações relativas ao processo da Operação Furna da Onça e sobre sua participação na parceria entre as escolas de samba e o governo estadual no Supera RJ, mas não houve retorno.
Abaixo, o posicionamento do governo na íntegra:
“O Governo do Estado assinou, durante o lançamento do Supera RJ, em 2 de junho, um protocolo de intenções com a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e a Liga Independente do Grupo A (Liga RJ) para a cooperação operacional das 27 agremiações na implantação do programa.
O acordo prevê que as escolas disponibilizem suas estruturas físicas, equipamentos, conexão de internet e seus funcionários para cadastramento, orientação e entrega dos cartões para famílias beneficiadas, além de realizar o cadastro de interessados na linha de crédito.
O contrato, que será disponibilizado assim que for finalizado, prevê o repasse de R$ 150 mil para cada escola, conforme os custos dos eventos previstos apresentados pelas Ligas.
Para a escolha das escolas de samba como pontos de distribuição dos cartões, o governo levou em consideração especificidades como a proximidade de regiões onde a demanda de famílias atendidas pelo programa é maior. Além disso, a ideia é apoiar o setor – que sofreu forte impacto durante a pandemia – na geração de renda e emprego.
Caberá ao Governo do Estado do Rio de Janeiro a fiscalização dos termos acordados nos contratos”.
*Foto em destaque: Governador Cláudio Castro em evento de divulgação do Supera RJ na quadra da Beija-Flor / Reprodução / Facebook