Alvo desde 2019 de uma ação civil pública da 5ª Promotoria de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor do MP por causa dos altos valores cobrados, a prefeitura do Rio trocou a empresa que irá explorar o estacionamento em áreas no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Isso, porém, não vai garantir nenhuma vantagem aos frequentadores.
No processo de seleção concluído este mês, o município voltou a adotar um termo de permissão de uso dos mais de 20 mil metros quadrados de terreno que não estabelece nenhum padrão para os preços.
A Secretaria municipal de Fazenda alegou em nota (íntegra no fim do texto) que “a permissão de uso não é como permissão de serviço público, em que o Poder Público tem poder de regular a tarifa”. E afirmou que “o próprio mercado se incumbe de promover a regulação”.
Esse argumento vem sendo combatido pelo MP, que diz que a prefeitura, na realidade, está cedendo a exploração comercial de estacionamento e teria o dever de estabelecer normas para a prestação do serviço. O processo ainda se arrasta na Justiça já que houve um questionamento do foro adequado, se seria uma Vara Empresarial ou de Fazenda Pública.
Dívida milionária
A escolha da nova empresa foi acompanhada diretamente pelo prefeito Eduardo Paes. Em 7 de abril, ele publicou um despacho autorizando o início do processo de seleção. Em 2 de junho, homologou o resultado para a Rio2Parking Estacionamento e Serviços.
Logo depois, em 8 de junho, Paes rescindiu o termo de permissão anterior, assinado com a Tecnopark Soluções. A empresa havia conquistado o direito de explorar o estacionamento no entorno da Lagoa em dezembro de 2017, na gestão Crivella, por cinco anos. O contrato se encerraria, portanto, no fim de 2022.
Pelo estabelecido com a Tecnopark, o município deveria receber R$ 320 mil por mês pela cessão das áreas. Houve uma antecipação imediata, porém, de dois anos de pagamentos. Ou seja, cerca de R$ 7,6 milhões.
Assim que assumiu os terrenos, a companhia aumentou o preço de R$ 2 por dia que vinha sendo cobrado pela prefeitura para até R$ 10 a hora. Ainda assim, disse que a operação era deficitária. A partir de dezembro de 2019, parou de pagar as mensalidades. Com isso, deixou uma dívida de mais de R$ 6,9 milhões com o município.
Ronaldinho
Diante deste quadro, vem o novo processo de seleção, feito pela atual gestão. Mas em vez de R$ 320 mil mensais, a atual empresa, a Rio2Parking Estacionamento e Serviços, pagará apenas R$ 142 mil. Desta vez, o contrato tem prazo indeterminado e terá de haver um pagamento antecipado dos 12 primeiros meses.
Apenas a própria Rio2Parking ofereceu proposta e foi a vencedora. A empresa pertence a Nelson Luiz Belotti dos Santos, que ficou conhecido no ano passado após a divulgação de que foi um dos responsáveis por convidar o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho para o Paraguai, quando ele acabou preso por uso de documentos falsos.
Proprietário de um cassino, o Il Palazzo, que fica num resort na cidade de Lambaré, onde o ex-atleta se hospedou, o empresário também chegou a ser mencionado em investigações da Operação Lava Jato.
Em 2009, teve os sigilos bancário e fiscal quebrados por causa de transações financeiras envolvendo a companhia CSA Project, que o Ministério Público Federal suspeitou ter sido usada pelo ex-deputado José Janene (morto em 2010) para recebimento de propina da Petrobras. As investigações, porém, não avançaram.
Liminar negada
Assim que houve o rompimento do antigo contrato, no início deste mês, a Tecnopark Soluções entrou na Justiça para tentar uma liminar que a mantivesse na exploração do estacionamento na Lagoa. A principal alegação foi que havia sido comunicada da rescisão de forma abrupta, sem a possibilidade de uma negociação. O pedido não foi aceito.
A empresa vinha argumentando que, principalmente após a pandemia, viu desabar a frequência de veículos e citou, no processo judicial, a necessidade de uma readequação financeira. A prefeitura, porém, não concordou com a necessidade de mudança de valor.
Mesmo antes de a Rio2Parking assumir as áreas, guardas municipais já retiraram as cancelas que vinham sendo usadas pela Tecnopark, fazendo com que o estacionamento esteja gratuito até a nova empresa efetivamente iniciar os trabalhos.
Paralelamente, a ação do Ministério Público segue ainda sem perspectiva de decisão. O pedido inicial do promotor Guilherme Magalhães Martins era que o valor do estacionamento retornasse a R$ 2 e que município e a Tecnopark fossem condenados a uma reparação por danos materiais e morais aos consumidores de pelo menos R$ 1 milhão. O valor seria revertido ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.
Outro lado
O blog tentou contato por telefone com a Tecnopark e a Rio2Parking, sem sucesso. O espaço segue aberto. Abaixo, os questionamentos da reportagem com as respostas da Secretaria municipal de Fazenda.
A prefeitura publicou este mês o resultado de um processo de seleção para a exploração da área de estacionamento em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas. Apesar de o município ser alvo de uma ação do MP desde 2019 por causa da cobrança de preços abusivos por parte da empresa anterior, o edital atual não previu novamente nenhuma regra em relação aos preços que serão cobrados. Por que não houve estudo em relação a um modelo que pudesse também contemplar os preços? A prefeitura tem alguma ideia de que valores serão cobrados?
- A gestão dos bolsões dos estacionamentos em questão não poderia se inserir no conceito de serviço público. A permissão de uso não é como permissão de serviço público, em que o Poder Público tem poder de regular a tarifa. No caso da permissão de uso, o próprio mercado se incumbe de promover a regulação dos preços, à luz do raciocínio da relação entre oferta e demanda. Vale lembrar que a Lagoa conta também com o sistema Rio Rotativo, além de oferta de outros estacionamentos privados.
Em relação à empresa Tecnopark, que vinha atuando no local, há uma dívida atualmente em R$ 6,9 milhões. A prefeitura tem ideia de como irá reaver o dinheiro com a rescisão do contrato?
- A cobrança dos valores devidos pela então permissionária será promovida pelas vias ordinárias, quais sejam, administrativa e, se for o caso, judicial.
A Tecnopark alegou na Justiça que o contrato vinha sendo extremamente deficitário. O pagamento deveria ser de R$ 320 mil por mês. A título de comparação, a Rio2Parking pagará R$ 142 mil. Houve alguma tentativa de negociação?
- A remuneração mensal, em valores do ano de 2017 (sem atualização monetária), decorre de oferta da própria Tecnopark, apresentada no processo licitatório. É dado ao interessado, evidentemente, desenvolver estudos que demonstrem a viabilidade da operação, inclusive sob uma ótica econômica. De qualquer forma, em razão de pronunciamento jurídico constante do processo da permissão de uso da Tecnopark, a prefeitura solicitou que se comprovasse a ocorrência de fato superveniente que justificasse uma redução do valor da remuneração mensal. Ocorre, todavia, que a empresa jamais apresentou a documentação solicitada. Não houve tentativa de negociação, uma vez que o ordenamento jurídico não confere a possibilidade neste caso.
Existe previsão de quando a Rio2Parking começará a atuar? Atualmente, não há cancelas.
- A previsão é de que nesta semana seja lavrado o novo termo de permissão de uso, dando-se posse à permissionária. Como neste momento não há cobrança, as cancelas não são necessárias.
Pelo vídeo da entrega de propostas, disponibilizado inaudível no YouTube, apenas a Rio2Parking teria se apresentado no processo de seleção. É isso mesmo? Se sim, por que a prefeitura acredita que não houve outros interessados?
- Sim. O certame seguiu todos os trâmites normativos afetos à divulgação do procedimento competitivo. Note-se que a participação no procedimento é facultativa, não ostentando, portanto, caráter obrigatório.
*Foto em destaque: Entrada de uma das áreas de estacionamento da Lagoa Rodrigo de Freitas / Ruben Berta
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