Órgão da prefeitura usa Facebook para divulgar pedidos de Marcello Siciliano

No último dia 9 de maio, a página no Facebook da Região Administrativa (RA) de Jacarepaguá publicou fotos de uma visita de funcionários da prefeitura do Rio à Cidade de Deus. Técnicos da Rio-Urbe, empresa pública responsável pelo gerenciamento de obras no município, foram à comunidade acompanhados do chefe da RA, Antonio Veltri Junior. Mas a legenda que acompanhou as fotos foi clara: todos estavam lá a pedido do vereador Marcello Siciliano, do PHS.

O registro não é um caso isolado. O blog levantou que, somente este ano, a página oficial da RA de Jacarepaguá no Facebook publicou 14 postagens com obras e promessas de melhorias para a região afirmando que os trabalhos estavam sendo feitos por solicitação de Marcello Siciliano. Na maior parte dessas postagens, a página do vereador foi inclusive marcada. Há diversas fotos em que aparecem em destaque homens com um colete de Siciliano e a expressão “posso ajudar?”.

“Ato de improbidade”

Realizada com constância e naturalidade, a prática que vem sendo adotada pelo órgão da prefeitura pode ser caracterizada como um ato de improbidade administrativa, de acordo com o professor de Direito Administrativo da PUC-Rio Manoel Peixinho:

“Esse é um caso recorrente, em que o espaço público está sendo usado para auferir vantagem pessoal. O vereador deveria divulgar os seus feitos nas suas páginas pessoais, não numa página da prefeitura. Isso se caracteriza como um ato de improbidade administrativa, por violação aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da imparcialidade. Na minha opinião, o Ministério Público deveria ser oficiado, assim como o prefeito, para que seja proibida qualquer postagem de cunho pessoal”.

Vídeo com vereador

Em abril deste ano, dias após o recebimento da denúncia do fiscal da prefeitura Fernando Lyra Reis, que deu o pontapé inicial no processo de impeachment de Crivella na Câmara, um vídeo circulou em redes sociais mostrando o prefeito ao lado de Siciliano.

Os dois falavam sobre obras na Prainha. O vereador havia sido um dos que votaram a favor do prosseguimento dos trabalhos da Casa para apurar irregularidades na renovação de um contrato de mobiliário urbano.

À época, Siciliano negou que a realização das obras estivesse atrelada a algum compromisso de mudar o voto e afirmou que não pertence à base do governo.

Entre as 14 postagens realizadas na página da RA de Jacarepaguá com referência aos pedidos de Marcello Siciliano, sete foram publicadas após o dia 2 de abril, quando a abertura do processo de impeachment foi oficialmente aceita pela Câmara.

Parceiro antigo de Siciliano

Antonio Veltri Junior foi nomeado como administrador regional de Jacarepaguá no dia 6 de abril do ano passado. Seu salário atualmente é de cerca de R$ 3,5 mil líquidos.

Em sua página pessoal, há dezenas de fotos e postagens que falam do trabalho na RA, com funcionários do chamado “Time Siciliano”. Em publicações feitas semanas antes de assumir o cargo na prefeitura, Veltri aparece com o mesmo colete de pessoas da equipe do vereador do PHS. O blog, no entanto, não localizou nenhuma nomeação dele em Diários Oficiais da Câmara do Rio.

Foto postada no Facebook pessoal de Antonio Veltri Junior semanas antes de ele assumir o cargo na prefeitura / Reprodução

Reprovado em psicotécnico da PM

Bem antes de assumir um cargo na prefeitura, o atual administrador regional de Jacarepaguá teve uma grande frustração ao tentar ingressar no setor público. Em abril de 2008, ele tentou uma vaga num concurso para soldado da Polícia Militar. Passou nas duas primeiras etapas. Foi reprovado, porém, no exame psicotécnico.

De acordo com o laudo ao qual o blog teve acesso, o teste feito pela PM concluiu que o então candidato “apresentou acentuação das características de descontrole emocional e fragilidade emocional, incompatíveis com o curso em questão”.

Veltri então iniciou uma longa briga na Justiça para tentar reverter a decisão. Chegou inclusive a recorrer ao STJ, mas sem sucesso. Como prova, seu advogado utilizou outros dois laudos de psicólogos que não constataram qualquer impedimento para que ele prosseguisse no concurso. Em maio do ano passado, pouco depois de ele assumir o cargo na RA, o caso foi encerrado, com Veltri arcando com os honorários do governo do estado.

Caso Marielle

Marcello Siciliano está em seu primeiro mandato na Câmara do Rio. Teve pouco mais de 13.500 votos nas eleições de 2016. Ele ficou nacionalmente conhecido após aparecer como um dos investigados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Nesta quinta (23), porém, foi divulgado pela Folha, que um relatório da Polícia Federal encaminhado à PGR concluiu que o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, e sua advogada Camila Nogueira tentaram atrapalhar as investigações do caso. Ferreira acusou o miliciano Orlando da Curicica de ter planejado o assassinato junto com Marcello Siciliano.

Vereador quer proteção da polícia

Após a divulgação da conclusão deste relatório, Siciliano fez um discurso inflamado no plenário da Câmara:

“Eu venho aqui neste momento, ao mesmo tempo, dividir muita felicidade com essas matérias que começaram a sair na imprensa hoje: o relatório final da Polícia Federal, a respeito da investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que diz que houve obstrução de Justiça por parte daquele vagabundo, miliciano, réu confesso, o tal Ferreirinha”.

O vereador também disse que vem sendo desprezado pelo governador Wilson Witzel no pedido de proteção da polícia:

“Venho aqui também pedir mais uma vez a força e a ajuda desta Casa, que fez um pedido, por intermédio do senhor (presidente Jorge Felippe), de proteção policial a mim, que até agora não foi respondido, sequer foi respondido pelo governador”.

Colaborador assassinado

Em abril do ano passado, um colaborador voluntário de Marcello Siciliano foi assassinado na Taquara, que faz parte da Região Administrativa de Jacarepaguá, e é reduto eleitoral do vereador. O corpo de Alexandre Pereira foi encontrado dentro de um carro, com marcas de tiros, e com o colete azul, de apoio a Siciliano.

Em maio do ano passado, o sargento da PM Luiz Felipe de Castro Moraes foi assassinado com vários tiros quando saía do serviço, em Brás de Pina, na Zona Norte do Rio. Ele havia sido homenageado com uma moção de congratulações por Marcello Siciliano na Câmara do Rio.

“Sem gestão sobre a página da RA”

Em nota enviada ao blog, a assessoria de imprensa de Marcello Siciliano afirmou que o vereador “não tem qualquer gestão ou controle sobre a página oficial da RA. Ele publica em sua página pessoal os serviços que requisita a pedido da população”.

“Quanto ao senhor Antonio Veltri Junior, ele trabalhou com o vereador como colaborador informal. Teve seu trabalho reconhecido e por isso foi convidado pela prefeitura para o cargo atual”, acrescentou. 

Sobre o relatório da Polícia Federal entregue à Procuradora da República, o vereador disse que recebeu “a notícia com muita satisfação, já que entende estar mais próximo do que nunca o momento em que sua inocência será definitivamente comprovada”.

O blog procurou a prefeitura do Rio, através de sua assessoria de imprensa, mas não houve retorno.

*Foto em destaque: O administrador regional Antonio Veltri Junior (segundo da esquerda para a direita) faz vistoria na Cidade de Deus acompanhado de colaborador de Marcello Siciliano / Reprodução / Facebook

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