Faculdade de pastor nomeado no governo Witzel faz convênio com o estado

A Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio (Fiperj), ligada à Secretaria estadual de Agricultura, assinou, no dia 8 de julho, um termo de cooperação técnica para a realização de um curso de aquicultura (cultivo de peixes e outros organismos aquáticos) com a Faculdade Cristã do Brasil. O detalhe: a instituição tem como reitor o pastor da Assembleia de Deus Hélvio Costa de Oliveira Telles, que está nomeado desde janeiro na própria Fiperj. Segundo o site da faculdade, a pós-graduação, que começa em agosto, durará 15 meses. As mensalidades são de R$ 582. Para quem pagar à vista, porém, o curso completo sai por R$ 6,1 mil. Há 60 vagas disponíveis.

Apesar de a parceria com o estado ter sido assinada com a Faculdade Cristã do Brasil, quem certificará o curso é outra instituição: a Unifil (Centro Universitário Filadélfia), que tem sede em Londrina (PR). Em seu próprio site, a Faculdade Cristã admite que ainda não tem autorização de funcionamento do MEC. Com isso, ela vem atuando como um polo de educação à distância da Unifil na cidade de Itaboraí desde dezembro do ano passado.

A programação do curso prevê que as aulas serão ministradas por pesquisadores da Fiperj. Sem se identificar, o blog ligou para a Faculdade Cristã e foi informado que a parte presencial da pós-graduação também seria feita em instalações da fundação pública em Niterói. A instituição de ensino, por sua vez, vem funcionando numa sala de um prédio no centro de Itaboraí, onde o pastor Hélvio Costa tem um escritório de advocacia.

No site da Faculdade Cristã do Brasil, o endereço que coincide com o do escritório de advocacia de Hélvio Costa (abaixo)

Condenado por lavagem de dinheiro

Hélvio Costa foi nomeado no dia 2 de janeiro, assim que Wilson Witzel assumiu o governo, no cargo de assessor da Diretoria de Administração e Finanças da Fiperj, com salário de R$ 5,1 mil. Em 1º de julho, porém, dias antes da assinatura da parceria com a faculdade da qual é reitor, o pastor foi promovido. Agora, ele é diretor de Pesquisa e Produção. A fundação é responsável pelo desenvolvimento das políticas de pesca no estado.

Hélvio Costa se apresenta como dirigente da Faculdade Cristã do Brasil em sua página no Facebook e também em currículos, como o divulgado quando foi candidato a vice-presidente, no ano passado, na chapa do democrata cristão Eymael. Mas, no papel, os sócios-administradores da instituição são outros: Joseany da Silva Costa e Jorge Luiz de Nazareth Fernandes. O CNPJ foi aberto oficialmente na Receita Federal em abril de 2018, com capital social de R$ 500 mil.

Coincidentemente, Jorge Luiz de Nazareth Fernandes foi condenado, em primeira instância, junto com Hélvio, em 2013, pela 5ª Vara Federal Criminal do Rio, num processo que envolveu a concessão fraudulenta de empréstimos da Caixa Econômica Federal a empresas que não honrariam as dívidas. Jorge foi sentenciado a três anos e meio de prisão em regime aberto, por lavagem de dinheiro. O pastor, a sete anos e meio, inicialmente em semiaberto, pelos crimes de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.

“Laranja” em empréstimos

Segundo o Ministério Público Federal, Jorge Luiz – hoje sócio-administrador da Faculdade Cristã do Brasil – atuou, no início dos anos 2000, como “laranja” em empresas ligadas a Hélvio Costa. O objetivo seria o recebimento de valores ilícitos pelo pastor, conforme mostra o trecho de um documento que consta no processo:

Além de Jorge Luiz e Hélvio Costa, também foi alvo do processo um gerente de uma agência da Caixa em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Segundo o MPF, o esquema funcionava com a aprovação de empréstimos a empresas trazidas por Hélvio que não tinham como honrar os compromissos, lesando o banco. O prejuízo foi estimado em cerca de R$ 450 mil. Em maio deste ano, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região ainda analisava uma apelação dos três envolvidos, que pediam a absolvição.

Até empresa fantasma

O processo foi originado num inquérito da Polícia Federal que envolveu um caso específico: a concessão de um empréstimo de R$ 100 mil da Caixa a uma empresa chamada Alro Distribuição e Representações. Segundo os documentos que constam da decisão judicial de 2013, no início dos anos 2000, o dono dessa companhia, que estava desativada desde 1994, procurou Hélvio Costa para tentar crédito com o banco. Foi informado, porém, que o empréstimo havia sido negado.

Um mês depois, no entanto, o dono da empresa recebeu a cobrança de uma parcela do financiamento que havia sido recusado. O fato serviu de alerta. A PF descobriu que o empréstimo foi concretizado sem o conhecimento e a assinatura do dono da Alro. E que R$ 95,5 mil haviam sido transferidos para contas de companhias ligadas a Hélvio Costa. A fraude contou com o suporte do gerente da Caixa, que também foi condenado na ação.

Para tentar consertar a situação e ressarcir o dono da Alro, a solução foi inusitada. Foi assinado um contrato de R$ 100 mil de empréstimo com a Indústria Avícola Oliveira Telles (últimos dois sobrenomes do pastor), empresa que os envolvidos sabiam que só existia no papel. Ou seja, para ressarcir o empresário lesado foi praticada uma nova irregularidade.

Cobrança por cheque sem fundo

Mesmo após a condenação, Hélvio Costa continuou a abrir empresas. Segundo consulta do blog, ele é sócio de pelo menos três, que constam no cadastro da Receita Federal como “inaptas por omissão de declarações”. A Agpan Produtos Alimentícios tem dívidas tributárias de R$ 46 mil, de acordo com o site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O Instituto Cristão de Ensino tem R$ 1,4 mil em tributos atrasados. A Oliveira Telles Administração e Gestão de Meios de Pagamento, R$ 2,2 mil.

Também segundo o site da PGFN, o próprio Hélvio Costa tem dívidas tributárias na pessoa física que somam R$ 86 mil. E, apesar de só ter sido oficialmente aberta há pouco mais de um ano, a Faculdade Cristã do Brasil já enfrenta problemas na Justiça por questões financeiras.

Uma consultora educacional entrou, em novembro de 2018, com uma ação de execução contra a instituição na comarca de Itaboraí alegando que foi paga com um cheque sem fundos, de R$ 6 mil. O processo ainda está em fase inicial. Em 17 de julho, a faculdade foi citada no processo, através da entrega do mandado a Jorge Luiz Fernandes, na sala do prédio, no Centro de Itaboraí.

Apoio a evento com Witzel

Apesar de sido aberta, segundo consta no site da Receita Federal, em abril de 2018, a Faculdade Cristã do Brasil apareceu no banner de divulgação do seminário “Eleições 2018: sistematização jurídico-política e inovações” como uma das apoiadoras do evento, realizado em 19 de março do ano passado. O evento foi realizado pela empresa HW Witzel Produções e Participações, cujos sócios eram Wilson Witzel e sua mulher Helena. O próprio Witzel foi coordenador do seminário e Hélvio Costa um dos palestrantes.

Logotipo da Faculdade Cristã do Brasil (marcado à direita) em evento organizado por empresa de Wilson Witzel, em março do ano passado

Segundo a Unifil (Centro Universitário Filadélfia), a parceria para a abertura do polo de ensino à distância em Itaboraí, feita com a Faculdade Cristã do Brasil, foi concretizada em 6 de dezembro de 2018, respeitando as normas vigentes do MEC.

A instituição paranaense também afirmou que “os cursos superiores são ofertados no polo da UniFil, e pela UniFil, não pela Faculdade Cristã do Brasil”. “A Faculdade Cristã do Brasil é parceira de polo, devidamente formalizado e cadastrado no Sistema do MEC”, disse.

Especificamente sobre a pós-graduação em aquicultura, o centro universitário reforçou que o curso “é ofertado pela UniFil, em seu polo em Itaboraí”. “Consequentemente, o certificado será emitido pela UniFil. A Faculdade Cristã do Brasil é parceira de polo, devidamente formalizado e cadastrado no Sistema E-MEC, conforme resposta acima”.

Coordenador do curso

No site da Faculdade Cristã do Brasil, é informado que o curso, que tem mensalidades de R$ 582, tem como coordenadores o próprio Hélvio Costa e Flávia Calixto. É usado ainda um logotipo da Fiperj, fundação pública para a qual o pastor foi nomeado diretor.

Nota do blog:

Às 14h09m desta quarta (24), o blog enviou um e-mail com uma série de perguntas à assessoria de imprensa da Fiperj, direcionadas à fundação e ao seu diretor Hélvio Costa. Às 14h11m, foi feito contato por WhatsApp com o assessor para confirmar o recebimento. Às 15h06m, o assessor pediu para que a resposta fosse dada pessoalmente. O blog solicitou o retorno da demanda por escrito.

Às 17h56m, a assessoria da Fiperj enviou nova mensagem por WhatsApp pedindo para que as respostas fossem dadas pessoalmente, na sede da fundação, em Niterói. O blog reiterou o pedido do retorno por escrito. A assessoria informou que as perguntas seriam “submetidas ao jurídico”.

Às 21h16m, o blog enviou nova mensagem por WhatsApp reiterando que estaria disponível para o recebimento das respostas e que a publicação seria feita às 8h desta quinta. Não houve mais retorno.

O blog esclarece que é feito através de uma iniciativa individual e que é produzido praticamente sem nenhum recurso. Como padrão, foi estabelecido o retorno por escrito. Em primeiro lugar, por ser uma maneira mais formal e que evita ruídos de edição. É o método inclusive mais usado pelas assessorias de imprensa, e do próprio governo estadual.

No caso específico, além de custoso, o deslocamento até a sede da Fiperj em Niterói só serviria para atrasar o fechamento da reportagem. A fundação não apresentou nenhum motivo específico para que seus representantes só pudessem falar pessoalmente.

Como sempre, o blog segue aberto aos esclarecimentos.

*Foto em destaque: O diretor da Fiperj Hélvio Costa aperta a mão do governador Wilson Witzel, em foto publicada em 20 de julho / Reprodução / Facebook

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