Diretor da Fiperj, pastor articula projeto milionário com instituto ligado a ele próprio

Nomeado desde o início do governo de Wilson Witzel na Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio (Fiperj), o pastor da Assembleia de Deus Hélvio Costa de Oliveira Telles articula uma parceria milionária do órgão com o Instituto Cooperar, entidade ligada a ele próprio. O blog teve acesso à minuta do projeto “A inclusão que vem das águas”, que prevê investimentos de R$ 6,6 milhões somente da Fiperj e da Secretaria estadual de Agricultura. O documento estabelece que a ONG ficaria “responsável pela execução orçamentária, mensurando resultados e prestando relatórios aos parceiros”.

Além do investimento estatal, Hélvio já buscou até parceiros no exterior para o projeto que seria executado pela ONG. No mês passado, ele esteve na Europa junto com o secretário de Agricultura, Eduardo Lopes, e o presidente da Fiperj, o também pastor Vicenildo Medeiros. Reportagem publicada no site do PRB – partido ligado à Igreja Universal – diz que os três estiveram em Genebra, na Suiça, para apresentar a iniciativa a representantes do BBGI Group Global Investments.

Cem milhões de euros

Segundo o texto publicado pelo PRB, foi “assinado um memorando de intenções entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e a diretoria do grupo suíço”. E “também foi apresentada, discutida e acertada a elaboração de um plano de investimentos em torno de 100 milhões de euros”. Eduardo Lopes agradeceu ao governador:

“Assinamos o memorando de intenções, que será publicado oportunamente. Como secretário de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, quero agradecer ao governador Wilson Witzel pela confiança e pelo apoio a esta importante missão”.

Registro semelhante foi publicado no site da própria Fiperj, porém não houve divulgação de valores. A reportagem destacou apenas um potencial de “criação de cerca de 20 mil empregos diretos”.

A minuta a qual o blog teve acesso cita ainda como possíveis parceiros a Fundação Banco do Brasil, o Fundo Social do BNDES, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura e o Bancoob (Banco Cooperativo do Brasil). Ao todo, a perspectiva de investimentos passaria de R$ 450 milhões.

Presidente que não é presidente

Em nota (detalhamento no fim do texto), a Fiperj negou que haja conflito de interesses com a realização do projeto pelo Instituto Cooperar. Afirmou ainda que a presidência da entidade “é exercida pelo senhor Alexandre Bruzaca Abrahão Diniz, o que se comprova por ata registrada em cartório conforme informado pelo Instituto”. “A Fiperj zela pela transparência e pela seriedade com as quais a coisa pública deve ser tratada”, conclui.

Mas uma breve busca na internet mostra a proximidade do diretor da Fiperj Hélvio Costa com o Instituto Cooperar. No próprio site da ONG, ele aparece como presidente, com direito a frase de efeito:

Curiosamente, uma frase praticamente idêntica foi usada na abertura da minuta do projeto “A inclusão que vem das águas”:

O mesmo site do Instituto Cooperar, que está registrado em nome de Hélvio Costa, já faz a divulgação do “projeto IVA”, sigla para o “Inclusão que vem das águas”. A iniciativa é definida como difusão de aquicultura (cultivo de peixes, rãs e camarões) “com eixo básico de atuação na Inclusão e transformação social, erradicação da fome, geração de emprego e renda através de criação em ambiente controlado e reuso de água”.

Goleiro de futebol amador

Alexandre Bruzaca Abrahão Diniz, que a Fiperj afirma ser o presidente do Instituto Cooperar, aparece na internet como goleiro de futebol amador. Entre os seus times atuais, estariam o Gigantes da Resenha e o Só Moleque.

Em 2017, o Instituto Cooperar foi processado por um pintor de paredes que cobrava R$ 1,2 mil por um serviço que foi realizado, mas não foi pago. Em fevereiro do ano passado, foi feito um acordo para a extinção do processo. Curiosamente, quem fechou foi a Faculdade Cristã do Brasil. A instituição de ensino é a mesma que o pastor Hélvio Costa se apresenta como reitor, com sede na cidade de Itaboraí.

Parceria também com faculdade

No mês passado, aliás, o blog já havia mostrado que a Fiperj, da qual Hélvio Costa é diretor, já tinha assinado uma parceria para a realização de um curso de aquicultura na Faculdade Cristã do Brasil, ligada ao pastor. As mensalidades previstas para a pós-graduação eram de R$ 582.

A reportagem do blog também mostrou que Hélvio já foi condenado, em 2013, pela Justiça Federal, a sete anos e meio de detenção, inicialmente em semiaberto, pelos crimes de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O processo refere-se a um esquema de concessão fraudulenta de empréstimos da Caixa Econômica Federal a empresas que não honrariam as dívidas.

No ano passado, o pastor, que também é advogado, foi candidato a vice-presidente na chapa do democrata cristão Eymael.

Com a palavra, a Fiperj

Em nota, a Fiperj defendeu o projeto IVA, dizendo que faz parte de uma busca “de soluções que pudessem amenizar a grave restrição orçamentária imposta pelo Regime de Recuperação Fiscal”. A fundação afirmou que “o Instituto Cooperar já vinha atuando junto às instituições internacionais para captação de recursos necessária a implantação do referido projeto”.

“Desde março, não de julho, o IVA vem sendo prospectado em busca de investimentos privados. Apresentado na FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura), em Roma, o projeto despertou interesses podendo, futuramente, ser utilizado como política global em campos de refugiados”, acrescentou.

A Fiperj afirmou ainda que o grupo de trabalho do projeto foi criado em 11 de julho, com publicação em Diário Oficial no dia 25. “No documento interno, pré-projeto (ao qual o blog teve acesso), o Instituto Cooperar figura como um dos executores do IVA devendo-se isso unicamente pelo fato de que os recursos auferidos resultados de prospecção internacional são oriundos de iniciativas do mesmo instituto em parceria com o BBGI”.

“Informamos ainda que não há qualquer remuneração ao Instituto Cooperar por parte da Fiperj. O projeto encontra-se em fase de discussão de metas e ajustes na referida comissão, que tem 60 dias para apresentação de sua conclusão”, conclui.

*Foto em destaque: O presidente da Fiperj, Vicenildo Medeiros, o diretor Hélvio Costa e o secretário de Agricultura, Eduardo Lopes, (à esquerda) participam de reunião de apresentação do projeto “Inclusão que vem das águas” / Divulgação

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