R$ 56 milhões em publicidade: o presente de fim de ano do governo Witzel para a mídia

O governador do Rio, Wilson Witzel, fechou seu primeiro ano de gestão com direito à festa de chegada do Papai Noel no Maracanã. Mas os presentes não pararam por aí. Somente entre outubro e dezembro de 2019, oito setores do Executivo fluminense autorizaram gastos de R$ 56,4 milhões com publicidade. E tudo isso num estado que passa por um Regime de Recuperação Fiscal.

Dados levantados pelo blog no sistema de processos públicos do governo mostram que, individualmente, a Rede Record foi a principal contemplada: R$ 11,5 milhões ou 20% do total autorizado. A Rede Globo vem em seguida, com R$ 9,1 milhões (16%). Se forem juntadas, porém, todas as empresas ligadas à família Marinho (Editora e Rádio Globo, CBN e Globosat), o Grupo Globo fica na frente: R$ 17 milhões (30%).

O setor que mais autorizou gastos com publicidade nos últimos três meses de 2019 foi o Turismo, com R$ 14,6 milhões. Em seguida, vieram Saúde (R$ 11,9 milhões); Educação (R$ 9,9 milhões); Detran (R$ 5,8 milhões); Cedae (R$ 5,1 milhões); Corpo de Bombeiros (R$ 4,9 milhões); Desenvolvimento Econômico (R$ 2,9 milhões) e Loterj (R$ 985,2 mil).

Decreto para Turismo

Na teoria, por causa do Regime de Recuperação Fiscal, o Estado do Rio estaria impedido de realizar novos gastos com publicidade. Mas há uma brecha que tem deixado o caminho aberto para propaganda. O governo alega que os recursos estão sendo usados em campanhas de utilidade pública.

No caso do setor que lidera os gastos, o Turismo, o blog já mostrou que Witzel publicou um decreto, em setembro do ano passado, que enquadrou as despesas de publicidade na área como de utilidade pública.

As agências que mais se beneficiaram com a medida foram a Binder e a Artplan, responsáveis por R$ 13,6 milhões em campanhas veiculadas em diversos veículos. A Artplan tem como presidente do Conselho de Administração o empresário Roberto Medina, todo-poderoso do Rock in Rio.

“Virando o jogo”

Apesar do enquadramento como utilidade pública, as campanhas acabam veiculando ações e números positivos relacionados à atual gestão. Na propaganda “Virando o Jogo na Saúde”, por exemplo, que consumiu quase R$ 6 milhões, um dos comerciais dizia: “Ainda tem muita coisa para fazer. Mas já dá para perceber uma melhora”.

Na mesma linha, foi realizada a campanha “Virando o Jogo na Educação”, que teve gastos autorizados de R$ 5,9 milhões só em dezembro do ano passado. O vídeo que foi veiculado nas emissoras de TV mostra a aluna de uma escola da rede estadual elogiando a mudança entre 2018 – último ano da gestão anterior – e 2019, primeiro da atual gestão.

Em agosto do ano passado, o governo já havia investido cerca de R$ 5 milhões dos orçamentos das polícias Civil e Militar para a realização da campanha “Virando o Jogo na Segurança”. O vídeo também elogiava a conduta do atual governo, trazendo apenas dados positivos sobre o setor.

Branded content

Entre os gastos autorizados no fim do ano passado, chama a atenção uma parceria realizada entre o governo estadual e a Editora Globo com foco na publicação do chamado branded content, versão atualizada para reportagens pagas, veiculadas como informes publicitários.

Somente com duas destas parcerias a editora, responsável pelos jornais O Globo e Valor e pela revista Época, faturou quase R$ 6 milhões. Com isso, passou a figurar em terceiro lugar entre as que mais receberam no fim de 2019, à frente de redes de TV como o SBT e a Band.

De acordo com a assessoria de imprensa do governo estadual, partiu da editora a iniciativa do projeto, “escolhido por estar em consonância com a necessidade de o Estado atrair investimentos, visando ao reequilíbrio financeiro e à possibilidade de vislumbrar a saída do Plano de Recuperação Fiscal”.

Uma página sobre PPPs

O projeto ligado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico foi um especial sobre o setor de óleo e gás. O croqui que consta do sistema de processos públicos do governo também fala na abordagem do tema Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Foram publicadas reportagens como informe publicitários nos veículos, mas o tema PPPs também ganhou uma matéria de uma página sem essa identificação na Editoria Rio de O Globo. O texto foi publicado num domingo, dia 5 de janeiro, com o título “Concessões e PPPs, as apostas contra o marasmo”. Na versão on-line, o título foi “Estado, governo federal e município apostam em concessões e PPPs para tirar Rio do marasmo”.

Apesar de tratar de outros entes, o principal foco foram os projetos do governo estadual. As primeiras aspas da reportagem foram exatamente do secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão.

Em nota, o Grupo Globo afirmou que “conforme consta nos Princípios Editoriais, nenhum investimento publicitário interfere na linha editorial dos nossos produtos”. O governo estadual disse que “não interfere na linha editorial do veículo jornalístico”.

“Cabe ressaltar que todas as campanhas são de comprovada utilidade pública, sem a participação de nenhum dos gestores em qualquer uma das campanhas realizadas”, completou.

Gastos com apresentadores

Além dos grandes jornais e emissoras de TV, o governo também distribuiu verbas por rádios do interior e apostou na publicidade on-line. Um exemplo foram os recursos destinados para a empresa Gamned, especializada neste tipo de mídia. Ela aparece em 12º lugar no ranking de autorizações de gastos nos últimos três meses de 2019, com R$ 764 mil.

Entre as dez que mais receberam está a produtora Punch Filmes Eireli, com R$ 1.092 milhão. Segundo o site da Receita Federal, a empresa funciona na capital paulista e foi aberta em dezembro do ano passado. Quem aparece como proprietária é Dayana Trindade Loiola.

Apresentadores também aparecem na lista dos contemplados com gastos de propaganda do estado. É o caso de Tino Júnior, da Rede Record, que recebeu R$ 54,3 mil através de sua empresa Que Isso Fera!. Há também radialistas, como Clovis Monteiro (R$ 15,8 mil).

Até Rádio Relógio

Na longa lista dos veículos que foram contemplados com verba publicitária nos últimos três meses de 2019 na gestão Witzel há casos inusitados como o da Rádio Relógio, que levou R$ 17,4 mil. Foi mais, por exemplo, do que o valor destinado para a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), com R$ 14,9 mil.

Os valores divulgados no sistema de processos públicos do governo são brutos e incluem a comissão das agências de publicidade.

O blog extraiu os dados dos documentos em PDF e organizou os números em tabelas de Excel. O ranking completo pode ser acessado neste link.

*Foto em destaque: Governador Wilson Witzel em evento de 180 dias de governo / Philippe Lima / Divulgação – Governo do Estado

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