Em ano de eleições municipais, o governo estadual se prepara para gastar R$ 23,9 milhões em um projeto de educação em Saúde em parceria com as prefeituras digno de nota vermelha. Trata-se do Agente das Cidades, cujos documentos que o embasam têm erros amadores, que vão do nome do governador até dados de orçamento publicados no edital de licitação.
A cereja do bolo, porém, está na apresentação inicial do projeto, publicada internamente em outubro do ano passado pela Secretaria estadual das Cidades. Um trecho do documento condiciona a participação dos alunos no curso – que é previsto para acontecer em quatro sábados – a uma autorização assinada por seus pais de uso de imagem em propagandas do governo:
“Depois de tudo organizado, os pais deverão preencher um protocolo onde ele autorizará o filho (a) a participar do projeto; ele deverá autorizar o uso da imagem do filho (a) em peças de propaganda, divulgação nos múltiplos canais de mídia do Governo do Estado e deverá responder a questões das áreas de saúde, educação, cidadania, etc.”
A questão da autorização da imagem é citada novamente na apresentação, na parte que fala de “instrumentos de avaliação”:

O Agente das Cidades será voltado para crianças e jovens do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Portanto, estudantes que têm, em média, entre 10 e 15 anos de idade.
O blog enviou questões sobre o projeto para a Secretaria das Cidades, mas não houve retorno. O espaço segue aberto.
“Erros de português”
O processo de licitação do projeto foi concluído no mês passado. Agora, faltam apenas detalhes para que ocorra a assinatura do contrato com a ONG Centro de Pesquisas e de Ações Culturais e Sociais (Contato), que tem sede no Grajaú. A minuta final começou a ser analisada pelo procurador Maurício Jorge Pereira da Mota, da assessoria jurídica da Secretaria das Cidades, que pediu ao subsecretário Clebson Guilherme Monteiro o reenvio do texto por causa de “muitos erros de português e formatação”.
Um dos pontos que mais chamam a atenção no Agente das Cidades é o fato de que, apesar de se vender como uma iniciativa ampla de educação em Saúde, tem 83,7% dos recursos destinados para a compra de um kit de livros chamado “Não ao mosquito”, da autora Iris Stern.
Dos R$ 23.967.644,40 que o estado pretende repassar para a ONG Contato, nada menos do que R$ 20.063.944 serão para a compra desses kits. Para efeito de comparação, o gasto com os 110 agentes de educação que ficarão responsáveis pelas aulas foi estimado em pouco mais de R$ 2 milhões.
Orçamento errado
Mas as questões envolvendo os kits não param por aí. Um erro básico na quantidade a ser comprada foi inserido no edital de licitação e, posteriormente, reproduzido de forma idêntica nas propostas orçamentárias das três ONGs que participaram do certame.
Como se pode ver na tabela abaixo, foi colocado um valor total de R$ 20.063.944 para a compra de 32.612 coleções, ao preço de R$ 62 cada. Só que a conta não bate: neste caso, o valor teria que ser R$ 2.021.944. Um erro de apenas R$ 18 milhões.

Olhando as metas de atendimento de alunos, que falam em 323.612 kits, é que é possível ver qual seria a quantidade correta para o valor estipulado.
No RS, livros mais baratos
Mas ainda há outro ponto. O blog levantou uma ata de registro de preços publicada em fevereiro de 2018 pelo Consórcio de Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), que traz um valor de R$ 47,50 para cada coleção “Não ao mosquito”, numa previsão de compra de 50 mil unidades. O preço é 23% menor do que o que foi orçado pelo governo do Estado do Rio.

Chama a atenção também o fato de que o estado repassou para uma ONG a tarefa de comprar os livros, que correspondem a mais de 80% do orçamento do projeto, em vez de a própria Secretaria das Cidades fazer a licitação.
Além da Contato, participaram da disputa pelo Agente das Cidades, o Instituto Crescer com Meta – que foi eliminado – e a Associação Filantrópica Nova Esperança (AFNE). Esta última, conforme o blog já mostrou, vem conquistando serviços de gestão de unidades de Saúde estaduais e é ligada a um vereador de São Gonçalo.
A Contato venceu a licitação com uma nota de 7,5 da comissão de avaliação, contra 6,5 da AFNE. O desconto conseguido pelo estado em relação ao valor que previu inicialmente foi de apenas R$ 32,2 mil.
Apesar da nota 7,5, a própria comissão de licitação afirmou que a ONG vencedora “copiou o quadro de metas do termo de referência sem explicar a forma de execução para o alcance das metas”.
“Wilson Elite”
A apresentação inicial do projeto Agente das Cidades tem algumas pérolas. Logo de cara, na segunda página, o documento traz uma nova versão para o nome do governador Wilson Witzel: “Wilson Elite”.

A justificativa para a implementação do projeto traz uma série de desafios a serem abordados, que vão de poluição do ar à resistência antimicrobiana. Nem o ebola escapou:
“Em 2018, a República Democrática do Congo presenciou dois surtos de ebola, que se espalharam para cidades com mais de um milhão de pessoas. Uma das províncias afetadas também está em zona de conflito ativa”.
Apesar de o kit básico do projeto ser a coleção de livros “Não ao mosquito”, o combate à dengue aparece sem muito protagonismo nas mais de 30 páginas da apresentação:
“Um grande número de casos ocorre durante estações chuvosas de países como Bangladesh e Índia”.
Repasse já este mês
Se nada mudar, o Agente das Cidades deve começar a receber recursos ainda este mês. O último repasse deve ocorrer em setembro, antes das eleições municipais.
A apresentação do projeto prevê que os alunos façam as aulas por quatro sábados seguidos e ainda fala em entrega dos certificados de conclusão em “grandes eventos”:
“Quando houver o encerramento das atividades no município alcançando 100% das escolas, o governo estadual em parceria com o município deverá realizar uma solenidade de entrega dos certificados em um grande evento. Na ausência de estrutura para todos os envolvidos, será feito de forma fracionada na cidade, com um evento central e outros periféricos para entrega destes certificados e do título honorário de vigilante sanitário”.
Constam no planejamento 5.061 escolas municipais de todo o estado.
Secretário e a Fenixx
A pasta de Cidades do governo Witzel é comandada pelo consultor financeiro Juarez Fialho. Antes de assumir a secretaria, ele foi presidente da USS Holdings S/A que, por sua vez, é sócia da Fenixx Serviços Terceirizados. Conforme mostrou o site da Revista Veja, o TCE está pedindo explicações à Cedae sobre um contrato assinado com a Fenixx, de R$ 27,2 milhões. A empresa ganhou a licitação depois que ficou em sexto lugar e todos os concorrentes acima foram eliminados.
Juarez se afastou da USS Holdings em novembro de 2018. No ano passado, a Fenixx recebeu mais de R$ 33 milhões somente do Detran. Em dezembro, foram empenhados R$ 8,3 milhões sem cobertura contratual, através de um termo de ajuste de contas.
*Foto em destaque: Imagem que ilustra apresentação do projeto Agente das Cidades / Reprodução
Se verificar projetos básicos e termo de referência de editais do Ministério Público do Estado do RJ, especialmente da manutenção, também vai encontrar erros colossais.
Isso porque quem elabora os documentos são terceirizados.
É a Tercerização do serviço público fazendo toda a diferença…
E fora que os terceirizados não são fiscalizados no ponto com rigor em todos os contatos, pois a folha permanece com os próprios…
Só pilantra… Parabéns ao Blog do Berta, uma otina e explicativa matéria de como funciona o furto e o descaso dp estado colocando em risco as vidas das crianças e professores. ASSASSINOS contumaz em conluio como o MPRJ e TJRJ…
Não vi nada demais no projeto pra esse alarde todo. Quanto aos erros de português, todos podemos passar por isso, são pessoas trabalhando, todos podem cometer falhas, o importante é detectar e corrigir.