“Aquela casa de prostituição que tem do lado da Igreja São José”. Foi assim que um dos presos na semana passada na Operação Favorito, o empresário Luiz Roberto Martins, se referiu à Assembleia Legislativa do Rio, segundo transcrições de interceptações telefônicas que constam na denúncia do Ministério Público estadual, apresentada na 3ª Vara Criminal de Duque de Caxias.
Luiz Roberto Martins e outras quatro pessoas foram presas nesse braço da operação, acusadas de fazerem parte de um esquema que teria desviado R$ 3,95 milhões em recursos da Saúde. De acordo com o MP, o empresário tinha ligação com as Organizações Sociais Instituto Data Rio e Instituto Unir Saúde, que geriam unidades da rede estadual.
No diálogo, captado em 14 de janeiro, Luiz Roberto se queixa com um funcionário da Secretaria estadual de Saúde que o Unir Saúde tinha perdido espaço, enquanto outras entidades – Instituto dos Lagos Rio e Hospital Psiquiátrico Espírita Mahatma Gandhi – estavam “mais vivas do que nunca”.
O motivo seria a influência de um ex-secretário de Saúde (não identificado) e da Alerj:
“LUIZ ROBERTO: Depois eu quero conversar com você porque as três que estavam com lepra… MAHATMA, LAGOS RIO e UNIR. Só a UNIR que morreu. As outras duas estão vivas mais do que nunca.
FUNCIONÁRIO: Eu não sei por quê. Inclusive você…
LUIZ ROBERTO: Eu sei por quê, eu sei por quê…
FUNCIONÁRIO: Sabe?
LUIZ ROBERTO: Sei. Aquela casa de prostituição que tem do lado da Igreja São José está enfiada nas duas, mais o ex-secretário.
FUNCIONÁRIO: Hum.
LUIZ ROBERTO: Mas nada não. Eu tô vivo. Não morri não, tá”.
Contratos milionários
A reportagem não conseguiu contato com o Instituto dos Lagos Rio, e a assessoria de imprensa da Alerj não se manifestou. Já o Hospital Mahatma Gandhi afirmou (respostas no fim do texto) que “não possui qualquer relação com políticos ou ex-políticos, seja a instância que for”.
Levantamento feito pelo blog em Diários Oficiais mostra que, somente entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, época próxima à interceptação telefônica, o Mahatma Gandhi ganhou a gestão de cinco unidades da Secretaria estadual de Saúde. O valor total dos contratos assinados nesse período chega a quase R$ 259 milhões.
Nesses mesmos dois meses, o Instituto dos Lagos Rio conseguiu um contrato emergencial da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Iguaçu, além de dois termos aditivos para continuar na administração do Complexo do Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, e do Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Os valores passam de R$ 69 milhões.
Ao todo, três contratos emergenciais para a gestão de UPAs foram conseguidos pelo Mahatma Gandhi e o Instituto dos Lagos Rio por causa do descredenciamento do Instituto Unir Saúde – ligado a Luiz Roberto Martins -, em outubro de 2019. Em março deste ano, um despacho do governador Wilson Witzel requalificou a entidade, mas foi revogado na semana passada, após a deflagração da Operação Favorito.
“R$ 15 mil é cafezinho”
Informações que constam na denúncia do Ministério Público estadual apontam para o envolvimento de personagens denunciados na semana passada na Operação Favorito não só com o Instituto Unir Saúde e o Data Rio, como já vem sendo noticiado, mas ainda com o Mahatma Gandhi.
Segundo dados levantados pelo MP, Leandro Braga de Sousa e Luciano Leandro Demarchi, que foram presos, mantiveram relações comerciais também com essa última Organização Social.
Num diálogo gravado em setembro do ano passado, um policial militar inativo que trabalhava para Leandro Braga diz que, para seu chefe, “R$ 15 mil é cafezinho”. E, em outra conversa, de outubro, o PM complementa, afirmando que o empresário só estava aguardando o Mahatma Gandhi fazer o pagamento a uma de suas empresas – a Biolagos – “para ele roubar o dinheiro”.
Outro elemento que reforça as suspeitas dos promotores é uma planilha encontrada no celular de Leandro Braga, de abril de 2018. De um total de R$ 770,6 mil recebidos pelo empresário pela venda de produtos hospitalares para uma unidade de saúde estadual gerida pelo Mahatma Gandhi, R$ 115,5 mil (15%) estavam marcados com a expressão “Pro Sid”.
O MP acredita que “Sid” seja Sildney Gomes da Costa que, até o ano passado, fazia parte do Conselho de Administração da Organização Social.
“Rei da Baixada”
Apesar de o Mahatma Gandhi ter sido citado na denúncia, o foco do MP estadual foi o esquema montado pelos Institutos Data Rio e Unir Saúde, de superfaturamento de contratos de alimentação.
Apelidado de “vovô” em alguns diálogos interceptados, Luiz Roberto Martins foi apontado como o articulador dessas OSs. Numa conversa, de novembro do ano passado, pouco depois da desqualificação do Unir Saúde, ele demonstra se dedicar à queda de braço política para tentar manter os contratos no governo estadual.
NÃO IDENTIFICADO: E o negócio de lá do Rio, tá indo tudo bem?
LUIZ ROBERTO: Tá.
NÃO IDENTIFICADO: Tá?
LUIZ ROBERTO: Tá, tá indo… O homem resolveu partir pra dentro dos caras
lá. Vamos ver o que que vai dar.
NÃO IDENTIFICADO: Ele, ele, o homem não resolveu partir, não?
LUIZ ROBERTO: Resolveu
NÃO IDENTIFICADO: Ahnnn
LUIZ ROBERTO: O Rei da Baixada.
NÃO IDENTIFICADO: Isso, lá de baixo. Resolveu?
LUIZ ROBERTO: Pelo que ele mandou pra mim, tá dentro.
NÃO IDENTIFICADO: Então tá bom.
LUIZ ROBERTO: Então vamos segurar.
Busca por apoio
Em outubro, logo após o descredenciamento, Luiz Roberto Martins já havia conversado com Cândido Gilberto da Silva Araújo. Segundo o MP estadual, ele é casado com Dalila Peixoto de Araújo, irmã do empresário Mário Peixoto, que foi preso no outro braço da Operação Favorito, do Ministério Público Federal.
O próprio Cândido, assim como Mário Peixoto, tiveram relações comerciais com o Instituto Data Rio, OS ligada a Luiz Roberto Martins. Duas empresas de Gilberto receberam da entidade um total de R$ 11,3 milhões.
No diálogo de outubro, o cunhado de Mário Peixoto dá apoio a Luiz Roberto:
“A gente vai, a gente vai ganhar essa luta aí, cara. A gente tá somando aliado aí para vencer essa batalha. Tá tudo preparado aqui. Na hora certa, eu vou te apresentando. Se você precisar, é claro né. De repente você nem precisa”.
“O zero um”
Apesar do apoio, a situação só melhoraria mesmo para Luiz Roberto em março deste ano quando o governador Wilson Witzel requalificou o Unir Saúde. Em outra denúncia, do MPF, consta um diálogo desta época entre o empresário e o ex-deputado Nelson Bornier, em que ele celebra a decisão.
“O ‘zero um’ do palácio assinou aquela revogação da desclassificação da Unir”, diz.
Witzel ignorou dois pareceres internos ao tomar a decisão. Na semana passada, após a prisão de Luiz Roberto, o governador voltou a desqualificar a Organização Social.
O que diz a OS
O blog não conseguiu contato com a defesa de Luiz Roberto Martins ou com a OS Unir Saúde. O Mahatma Gandhi enviou os seguintes esclarecimentos:
“Esta Associação não possui qualquer relação com políticos ou ex-políticos, seja a instância que for. Participamos de várias licitações, onde algumas nos sagramos vencedores através da melhor proposta técnica e melhor proposta econômica.
Esta Associação tem relação com inúmeros prestadores de serviços e fornecedores. A aquisição destes é realizada através de chamamento público ou cotação de, no mínimo, três, onde, no geral, sagra-se vencedora a que fornecer o melhor serviço com o menor preço.
Cabe ressaltar que esta é uma Associação idônea. A relação de qualquer colaborador, seja qual for e qual cargo ocupar, ligado à Mahatma Gandhi com prestadores de serviços ou fornecedores é estritamente profissional.
Vale reforçar que esta Associação tem mais de cinquenta anos de existência, com unidades próprias, atuando em diversos estados e municípios deste país. Assegura-se que todas as aquisições de bens e serviços da Mahatma Gandhi são suportadas por controles de economicidade e legitimidade de seus fornecedores visto que somos submetidos ainda ao portal da transparência do estado do Rio de Janeiro e de nossa própria página na internet, o que afasta de vez qualquer dúvida quanto à regularidade e rígido controle de preços praticados.
Apenas para informar, registramos que trabalhamos com diversos fornecedores de prestação de serviço e material, seja qual for, e que todos, sem exceção, são submetidos ao rigoroso controle de preços conforme pode ser verificado no site da Secretaria de Estado de Saúde”.
Nota do blog: A reportagem não localizou no site da Secretaria de Saúde ou na página da OS nenhum detalhamento a respeito de compras realizadas pela entidade.
O que diz o governo
A assessoria de imprensa do Palácio Guanabara enviou a seguinte nota:
“Todos os contratos celebrados pelo Governo do Rio de Janeiro com as empresas envolvidas nas denúncias estão sendo auditados pela Controladoria Geral do Estado, para verificar possíveis ilegalidades e danos aos cofres públicos.
Também estão sendo feitos cruzamentos de contratos sociais das empresas para identificação de conluios entre as mesmas e seus sócios. Enquanto durar a auditoria da Controladoria, todos os pagamentos aos fornecedores fiscalizados estão suspensos e, caso sejam encontradas irregularidades, poderão ser cancelados”.
*Foto em destaque: Sede da Alerj / Divulgação