Era 4 de junho de 2018 quando centenas de pessoas se reuniram no auditório do Hotel Mercure, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. No início daquela noite, com bandeiras do Brasil em punho, gritavam “o Jacaré chegou, o Jacaré chegou“, enquanto a grande estrela do evento caminhava em direção ao palco.
Ao lado do então deputado Flávio Bolsonaro, o empresário Clébio Lopes Pereira, mais conhecido como Clébio Jacaré, lançava sua pré-candidatura a deputado federal pelo PSL. Em seu discurso, disse que estava “pronto para padecer pelo Brasil”. No fim das contas, conseguiu pouco mais de 16 mil votos e apenas uma vaga de suplente. Não perdeu, porém, a empolgação para, em 28 de outubro, levar uma carreta para a frente da casa de Jair Bolsonaro e comemorar a eleição do novo presidente.
Mas aquele homem que queria mudar o país agora aparece próximo de personagens apontados como integrantes de um esquema de corrupção que desviava recursos da Saúde no Estado do Rio. Documentos do Ministério Público estadual aos quais o blog teve acesso mostram que Clébio Jacaré mantinha relações com pelo menos duas pessoas presas na semana passada, na Operação Favorito.
Segundo os promotores, ele é o real controlador da Doctor Vip Negócios e Gestão Empresarial Eireli, que está em nome de seu filho, Renan Costa Pereira. Essa empresa é responsável por subcontratar médicos e enfermeiros para Organizações Sociais que, desta forma, se livram de encargos trabalhistas. Entre os clientes da Doctor Vip, está o Instituto Unir Saúde, ligado ao empresário Luiz Roberto Martins, um dos presos.
Dinheiro na conta
Segundo a denúncia do MP estadual, o empresário Leandro Braga de Sousa, outro preso na operação, se utilizava “extensivamente de contas bancárias de terceiros para arrecadar os valores desviados dos cofres públicos”. “Dentre estas, destaca-se a conta bancária da Imagem Transportes e Locações, empresa que pertence a Clébio Lopes ‘Jacaré’”
Os promotores localizaram dois depósitos que teriam sido feitos a mando de Leandro Braga na conta da empresa de Clébio, no dia 15 de março de 2018 – pouco menos de três meses antes do lançamento da pré-candidatura a deputado -, no valor total de R$ 35 mil.
O primeiro depósito, de R$ 5 mil, partiu da Dorville Soluções e Negócios, que é apontada como a empresa que superfaturava contratos de alimentação com Organizações Sociais para desviar milhões de reais em dinheiro público. O segundo, de R$ 30 mil, partiu da Biolagos Laboratório de Análises Clínicas, que também presta serviços a OSs e era ligada a Leandro Braga.
“Só ganhei dinheiro”
Com base em escutas realizadas em outubro do ano passado no celular de um policial inativo que trabalhava para Leandro Braga de Sousa, os promotores detectaram que a ligação entre Clébio e o empresário teria perdurado.
O Ministério Público relata que o PM afirmou numa ligação que seu chefe “teria conseguido ‘uma bolada de contratos’ para Clébio Lopes Jacaré”, “indicando que os contratos pelos quais a Doctor Vip Negócios e Gestão Empresarial fornece mão de obra de profissionais médicos para o Instituto Unir Saúde foram celebrados graças à intermediação de Leandro Braga”.
Ainda segundo o MP, o policial disse nas escutas que Leandro Braga de Sousa afirmou que “o relacionamento com Clébio Lopes ‘Jacaré’ lhe seria rentável (“só ganhei dinheiro com Jacaré”), a sugerir que – à semelhança do que já se constatou em relação à Dorville Soluções – parcela dos pagamentos realizados pela Organização Social em favor da Doctor Vip revertem para Leandro Braga de Sousa”.
Valores “por fora”
E, de acordo com a denúncia, as relações não param por aí. Com base em outras escutas telefônicas realizadas com a autorização da Justiça em janeiro deste ano, os promotores relatam que Luiz Roberto Martins – preso, que controlava na prática o Instituto Unir Saúde – receberia valores “por fora” de Clébio Jacaré. Além do Rio de Janeiro, os dois também atuavam juntos na prefeitura de São José do Ribamar, no Maranhão.
“Mais especificamente, Bruno José da Costa Kopke Ribeiro afirma que Luiz Roberto Martins receberia dinheiro em espécie proveniente de Clébio Lopes ‘Jacaré’ (‘Jaca’), e que R$ 20 mil deste montante haveria de ser repassado como pagamento de valores ‘por fora’ em favor de Bruno Kopke enquanto este ainda estivesse subordinado ao Instituto Unir Saúde”.
Conforme o blog mostrou nesta segunda, Bruno Kopke, que vem trabalhando para o Unir Saúde ao longo dos últimos anos, foi o quinto maior doador de campanha na eleição de Wilson Witzel, em 2018.
Nas escutas, o médico chega inclusive a relatar que Clébio Jacaré queria comprar o Unir Saúde de Luiz Roberto Martins no fim do ano passado, mas o negócio acabou não indo para a frente.
“Quarteirização”
Dados levantados pelo blog no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), do governo estadual, mostram a atuação da Doctor Vip junto a Organizações Sociais. Somente do Instituto Unir Saúde, entre janeiro e julho do ano passado, a empresa recebeu R$ 25,3 milhões para a subcontratação de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem.
Este tipo de “quarteirização” feita pela Doctor Vip está sendo alvo do Ministério Público do Trabalho, que aponta ser uma forma de burlar a legislação para não pagar os direitos dos profissionais.
Um parecer interno, de setembro do ano passado, da Subsecretaria Jurídica da Secretaria estadual de Saúde, que trata da contratação de alguns médicos pela empresa, destaca preocupação com o sistema adotado, de “sociedade em conta de participação”, em que os profissionais acabam sendo uma espécie de sócios ocultos.
“Assim sendo, resta claro que há um desvio de finalidade na constituição da referida sociedade em conta de participação, uma vez que os sócios participantes não são legalmente vocacionados a exercerem pessoalmente as atividades relacionadas ao objeto social do contrato, sob pena de responderem solidariamente junto ao sócio ostensivo perante as obrigações sociais (prestação de serviços médicos)”, diz um trecho do parecer.
Inconsistências
As próprias contas da Doctor Vip com o Instituto Unir Saúde estão sendo questionadas internamente na Secretaria estadual de Saúde. Num relatório de fevereiro, uma comissão que fiscalizou a gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Iguaçu detectou divergências em valores lançados pela empresa:
“Doctor Vip lançou R$ 752.006,62 e no Relatório Financeiro foi identificado o pagamento de R$ 651.439,17”.
No estado, a empresa do filho de Clébio Jacaré também tem parceria com a OS Viva Rio para a subcontratação de profissionais. A Doctor Vip vem se expandindo ainda para a prefeitura do Rio: em seu site, diz atuar em clínicas da família e no Hospital municipal da Mulher.
Num post do início deste ano no site da Doctor Vip, Clébio Jacaré aparece numa reunião com o prefeito Marcelo Crivella para discutir a “pejotização” da Saúde.
Relações políticas
Apesar de ser alvo de suspeitas, Clébio Jacaré parece se manter com boas relações políticas. Na campanha de 2018, teve apoio principalmente de Flávio Bolsonaro, que chegou até a participar de uma caminhada e uma carreata em Nova Iguaçu com o então candidato a deputado federal pelo PSL. Também participou de vários eventos com o hoje deputado estadual Rodrigo Amorim.

Entre seus maiores doadores de campanha, estiveram ao menos duas pessoas com passagem pelo governo Witzel, que hoje é arqui-inimigo da família Bolsonaro. Victor Diniz Parente e Carlos André Moreira Chelfo doaram, cada um, R$ 10 mil.
Victor exerceu o cargo de chefe de gabinete do Detran entre dezembro do ano passado e abril deste ano. Já Carlos André é subsecretário de Gestão Administrativa da Secretaria estadual de Governo desde setembro do ano passado.
O maior doador da campanha de Clébio, porém, foi ele próprio, com R$ 511,9 mil. Em outubro do ano passado, a Justiça determinou que a Policia Federal investigasse o suposto uso de laranjas em gastos da candidatura, após reportagem do Jornal Nacional.
Outro lado
Nesta terça (26), dias após a publicação inicial da reportagem, o blog conversou por telefone com Clébio Lopes. Eis os principais pontos da entrevista:
- Qual a sua relação com Leandro Braga de Souza?
Conheço o Leandro há cerca de 15 anos. Já fizemos vários negócios. Ele me emprestava dinheiro, trocava cheques pré-datados… Agora, faz pouco tempo, vendi duas caminhonetes para ele, por exemplo. Nossa relação é uma relação comercial.
- Qual a sua relação com Luiz Roberto Martins e o Instituto Unir Saúde?
Eu entrei nesse segmento de Saúde no fim de 2018, graças a contatos que tive com um representante de outra companhia do setor, a Soniprev. Essa empresa havia ganhado contratos com o Instituto Unir Saúde, mas resolveu sair por causa de atrasos nos pagamentos. Aí, eu entrei porque tinha ficado em segundo lugar na concorrência que a OS fez.
- A denúncia do Ministério Público aponta a suspeita de que o senhor receberia valores “por fora” do Instituto Unir Saúde. Isso procede?
Eu não preciso de negociata porque dou lucro para as OSs. Não me permito. Tudo é feito na conta, direitinho. Quanto ao médico citado (Bruno Kopke), ele comprou carro meu, eu comprei máquinas dele… Ele pegou cheque meu, mas nunca tive transação “por fora”.
- O sistema de “quarteirização” da Saúde, em que os médicos são subcontratados sem CLT, numa sociedade, vem sendo alvo de apuração do Ministério Publico do Trabalho e da própria Secretaria estadual de Saúde. O senhor considera o modelo legítimo?
É um modelo perfeitamente legal e já há vários pareceres neste sentido. Estou fazendo quase dois anos neste mercado, com mais de 3 mil pessoas contratadas. Só tenho uma ação trabalhista, tamanha é a satisfação dos profissionais. Quem experimenta PJ não quer voltar mais para CLT.
*Foto em destaque: Clébio Jacaré em evento de campanha em 2018 / Reprodução / Facebook