A empresa Leap Comercial e Serviços Aeronáuticos LTDA, que tem entre os sócios o secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Leonardo Rodrigues, utilizou a AgeRio (Agência de Fomento do Estado do Rio) para obter, no mês passado, um crédito de R$ 1,2 milhão em recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal.
A companhia do secretário foi contemplada numa linha de financiamento chamada Inovacred, para desenvolvimento de novos produtos ou aperfeiçoamento de já existentes. Além de ser o agente financeiro, que seleciona o projeto e faz a intermediação com a Finep, a AgeRio também assume o risco do crédito – mitigado por garantias -, caso haja inadimplência por parte da empresa.
Através de sua assessoria de imprensa, Leonardo Rodrigues negou que tenha havido conflito de interesses já que “apenas integra o quadro societário” da Leap, tendo se desligado das funções administrativas assim que assumiu a pasta.
O secretário alegou ainda (íntegra no fim do texto) que o processo de seleção para a concessão do crédito “é aberto no Estado do Rio a qualquer empresa que contemple os requisitos universais da chamada – determinados, evidentemente pela Finep”.
Dívida de R$ 3,4 milhões
Fundada em 2006, a Leap vem passando por problemas financeiros nos últimos anos. A empresa é alvo, desde dezembro de 2018, de uma ação de cobrança da prefeitura de Mesquita, na Baixada Fluminense, onde tem sede. A procuradoria do município levantou que a companhia possuía, na data de início do processo, R$ 3,4 milhões em atraso de ISS (Imposto Sobre Serviços) inscritos em Dívida Ativa, relativos ao período de 2014 a 2017.
Em junho do ano passado, a juíza Romanzza Roberta Neme determinou o bloqueio das contas bancárias da empresa, mas foram localizados apenas R$ 15 mil. Desde então, a Leap tenta acordo com a prefeitura, mas não houve sucesso. No fim do ano passado, a Justiça acatou um pedido do município, de penhora de valores que a companhia tem a receber da União, já que ela presta serviços de manutenção para a Aeronáutica. A empresa está recorrendo da decisão.
Ligações na AgeRio
Em 25 de junho do ano passado, quem assumiu a defesa da Leap no processo de cobrança movido pela prefeitura de Mesquita foi o escritório Almeida & Pandolfi Damico (APD Advogados), cuja matriz fica no Espírito Santo, mas recentemente abriu uma filial no centro do Rio de Janeiro.
Esse escritório já teve como um dos sócios o atual secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Institucionais, Lucas Tristão do Carmo.
Por sua vez, a AgeRio – que intermediou o financiamento de R$ 1,2 milhão para a empresa de Leonardo Rodrigues – está sob o guarda-chuva da pasta de Tristão. Ele é inclusive atualmente membro do Conselho de Administração da agência, uma sociedade de economia mista criada em 2002 para estimular o crescimento da economia no estado.
E há mais um detalhe: em 13 de fevereiro deste ano, foi nomeada para um cargo de assessora especial da Diretoria de Pessoas, Crédito e Tecnologia da AgeRio Paula Casagrande Guaitolini. Ela é mulher de Pedro Henrique da Costa Dias, um dos sócios do APD Advogados, que tem Leonardo Rodrigues como cliente e do qual Lucas Tristão já fez parte.
“Sigilo profissional”
Fontes relataram ao blog que o próprio processo de concessão do financiamento para a Leap teria contado com consultoria do APD Advogados.
O escritório enviou a seguinte nota:
“Todos os serviços prestados por escritório de advocacia estão protegidos pelo sigilo profissional. Portanto, em respeito ao sigilo profissional que é inerente à profissão, não podemos fazer nenhum comentário acerca dos serviços prestados a clientes e sobre estratégias processuais.
Os contratos públicos firmados pelo cliente preencheram por completo os requisitos dos Entes contratantes. Ao contratante, cabe estipular e fiscalizar todos os requisitos para contratação. Ao postulante, cabe apenas cumpri-los. Assim, não existe margem para qualquer ilegalidade nos contratos firmados pela empresa”.
Já sobre o ex-sócio Lucas Tristão, o APD Advogados disse que “tiveram algumas ações em parceria até 2018, quando foi encerrada qualquer relação”.
Viagem à Europa
Apesar de Leonardo Rodrigues afirmar que a sua participação na Leap se restringe ao fato de “apenas ser sócio”, o mundo da aviação não parece estar totalmente distante da rotina do secretário de Ciência e Tecnologia desde que ele assumiu o cargo.
Em junho do ano passado, ele fez uma viagem à Europa. Segundo o extrato de consulta pública de processos do estado, esteve numa feira chamada Paris Air Show, na capital francesa, e na empresa Leonardo Helicopters, em Roma. O período consta como “afastamento com ônus para o estado, missão fora da sede e viagem a serviço”.

Em 2017, Leonardo Rodrigues havia ido na mesma Paris Air Show como representante de sua empresa.

Através da Lei de Acesso à Informação, o blog obteve duas informações distintas sobre a viagem do ano passado. A Secretaria de Ciência e Tecnologia afirmou que não houve ônus para os cofres públicos. Já numa tabela enviada ao blog pela Secretaria da Casa Civil, consta o pagamento de R$ 8,8 mil em diárias.

Através de sua assessoria de imprensa, Leonardo Rodrigues deu a seguinte versão:
“A missão não teve qualquer relação com os negócios da Leap, e a visita à empresa (que esteve em exposição nos referidos eventos) deveu-se à expertise do secretário em aviação.
Tratou de detalhes técnicos das aeronaves encomendadas e pagas ainda à época da intervenção federal no Rio de Janeiro.
Quanto ao dinheiro mencionado, não houve qualquer solicitação de pagamento de diárias nem movimentação bancária correspondente ao valor alegado, nem localizamos o gasto público mencionado.
Sobre o deslocamento entre Paris e Roma, porém, já podemos garantir que foi integral e comprovadamente bancado com o cartão de crédito pessoal de Leonardo Rodrigues – uma vez que não teve relação com suas atribuições no cargo”.
Suplente de Flávio Bolsonaro
Leonardo Rodrigues está na Ciência e Tecnologia desde o início da gestão Wilson Witzel. Ele é suplente do senador Flávio Bolsonaro, mas se manteve no governo mesmo depois do rompimento da família do presidente com o chefe do Executivo fluminense. Seu nome é cotado como pré-candidato à prefeitura de Mesquita.
Sua pasta vem passando por momentos de turbulência nas últimas semanas após a deflagração da Operação Favorito, que terminou com a prisão do empresário Mário Peixoto. A Atrio-Rio (atual Gaia Service), que tinha ligação com Peixoto, possui mais de R$ 30 milhões em contratos com a Faetec e a Fundação Cecierj, que são subordinadas à secretaria.
Os presidentes da Faetec, Rômulo Massacesi, e da Cecierj, Gilson Rodrigues, foram afastados até que seja concluída análise dos contratos.
O que diz a secretaria
Abaixo, os principais pontos restantes dos esclarecimentos da Secretaria de Ciência e Tecnologia:
- A empresa Leap, que pertence a Leonardo Rodrigues, conseguiu este ano um crédito de R$ 1,2 milhão com a Finep, tendo a intermediação da AgeRio. O secretário não vê conflito no fato de estar trabalhando no estado e ser beneficiado por uma agência do estado em sua empresa?
Cumpre escolher bem as palavras. Não há conflito porque não houve beneficiamento. A Finep tem agentes financeiros para garantir a gestão capilarizada das linhas de financiamento diretamente nos estados, sendo a AgeRio o canal no estado.
O processo de seleção para esta verba – que é da União, e não do estado – é aberto no Rio de Janeiro a qualquer empresa que contemple os requisitos universais da chamada – determinados, evidentemente pela Finep.
Por isso mesmo, não seria possível qualquer atuação na obtenção ou não de crédito, sobretudo porque agora Leonardo apenas integra o quadro societário da empresa. Quando assumiu a secretaria desligou-se das atividades administrativas da Leap.
- Que projeto foi objeto desse financiamento?
Podemos, sinalizando nosso compromisso com a imprensa, bem como como os jornalistas independentes que trabalham informando a população, revelar que se trata da fabricação de um equipamento de teste para aeronaves.
- Qual o papel do advogado Pedro Dias, do escritório Almeida & Pandolfi Damico nesse processo de obtenção do financiamento?
Nenhum. A empresa já era cliente do escritório antes do financiamento Finep, e se mantém cliente no processo contra a prefeitura de Mesquita – em que, cumpre ressaltar, é atendida por outro advogado.
- Houve alguma indicação desse escritório pelo secretário Lucas Tristão?
Não, de modo algum
O que diz a AgeRio
A AgeRio enviou a seguinte nota ao blog:
“As linhas de crédito disponibilizadas pela AgeRio à sociedade fluminense são de acesso público, inclusive seus termos, procedimentos e condições. Os processos de concessão de financiamentos são pautados pela impessoalidade e conduzidos dentro da legalidade e regularidade da operação.
No ano passado, a AgeRio realizou um total de 630 operações de crédito, emprestando um volume de recursos equivalente a R$ 127,82 milhões, um aumento de mais de 200% no volume de operações e no volume de créditos contratados, em comparação com o ano anterior.
A AgeRio opera sempre com garantias que suportam as operações de crédito, dentre elas Fundo Garantidor, e havendo inadimplência as garantias são executadas.
A AgeRio possui autonomia funcional e financeira, cabendo à secretaria a qual é vinculada apenas a função fiscalizadora, sem qualquer intromissão ou intervenção na contratação dos seus funcionários ou das operações de crédito por ela contratadas”.
*Foto em destaque: Secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Leonardo Rodrigues / Divulgação