Responsável pela gestão de diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e dos hospitais Carlos Chagas, em Marechal Hermes, e Alberto Torres, em São Gonçalo, a Organização Social Instituto dos Lagos Rio repassou, no ano passado, ao menos R$ 4,5 milhões, em recursos vindos da Secretaria estadual de Saúde do Rio, ao escritório Tharyk Advogados Associados.
A empresa pertence a Tharyk Jaccoud Paixão que, no fim de 2018, se tornou réu por improbidade administrativa numa ação movida pela Advocacia-Geral da União (AGU). O processo é decorrente da Operação Zelotes, deflagrada em 2015 pela Polícia Federal, para investigar esquemas de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF), colegiado do Ministério da Fazenda.
Segundo a AGU, Tharyk teria agido como intermediador de uma empresa, a Lasertech, junto a conselheiros do CARF, para obter um pedido de vista de um processo administrativo e consequente adiamento do seu julgamento, “tendo negociado condições e preços para a realização do devido ‘serviço'”. As investigações revelaram que chegou a ser negociado um valor de até R$ 50 mil pela vantagem indevida, mas o negócio não foi concretizado.
“Impropriedade”
O blog localizou a referência à maior parte dos pagamentos do Instituto dos Lagos Rio ao escritório de advocacia num documento elaborado em setembro do ano passado pela Subsecretaria de Controle Interno e Compliance da Secretaria estadual de Saúde.
O relatório classifica como uma “impropriedade” a realização de sete repasses entre os meses de maio e julho de 2019, num total de mais de R$ 3,8 milhões. Segundo o documento, tais pagamentos foram feitos no âmbito do contrato 004/2017, de gestão do complexo que engloba o Hospital Alberto Torres, o João Batista Cáffaro e a UPA São Gonçalo 1.
Ou seja, parte do dinheiro que era para custear os gastos com a manutenção das unidades, para pagamento de profissionais, ou compra de insumos, acabou parando nas contas do escritório de advocacia.

A reportagem também localizou pagamentos ao Tharyk Advogados Associados em prestações de contas da UPA de Bangu. Em agosto do ano passado, foram pagos pelo Instituto dos Lagos Rio R$ 363,8 mil. Em julho, R$ 276,3 mil.
Cobrança de dívidas
Não há informações detalhadas em documentos públicos sobre a relação entre a Organização Social e o escritório de advocacia, mas o documento da Subsecretaria de Compliance aponta a existência de um contrato assinado no dia 5 de fevereiro de 2019 para “serviços de Planejamento e Representação para Recuperação Administrativa e/ou Judicial de Créditos junto ao Estado do Rio de Janeiro, referentes aos restos a pagar processados nos exercícios de 2018 e anteriores, oriundos de recursos repassados do Contrato de Gestão n° 004/2017”.
Traduzindo, o Tharyk Advogados Associados teria sido contratado para recuperar valores não pagos pelo estado em anos anteriores para o Instituto dos Lagos Rio. Como compensação, teria sido remunerado através de recursos de contratos em vigor para a gestão de pelo menos duas unidades. Ainda segundo o documento, a OS acertou um valor de 20% de todo o montante que fosse recuperado.
Ao que tudo indica, todas as cobranças foram feitas administrativamente, ou seja, sem a necessidade de um processo judicial. O blog não localizou nenhuma ação contra o Estado do Rio da Organização Social para a cobrança de dívidas através de Tharyk Paixão.
“Ordem superior”
De acordo com o Portal da Transparência do governo estadual, somente na gestão de Wilson Witzel, o Instituto dos Lagos Rio já recebeu R$ 387,9 milhões. Isso levando em conta pagamentos efetivos, não empenhos, quando há apenas a reserva do valor.
Deste total, numa análise dos extratos que constam das ordens bancárias, o blog constatou que pelo menos R$ 22,7 milhões se referem a restos a pagar de outros anos que foram quitados do início de 2019 para cá.
O pagamento mais alto, de R$ 4,6 milhões, se refere a um valor pendente de um contrato de gestão antigo da UPA São Gonçalo 1, do período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015. Chama a atenção também uma ordem bancária, de 27 de agosto do ano passado, para a quitação de R$ 4,5 milhões referentes à administração da mesma unidade em 2016, que aparece como assinada por “ordem superior”.
Empresa inativa
Não é possível saber ao certo o total de recursos repassados pela OS ao escritório porque, na área de transparência do site do Instituto Lagos Rio, não há o detalhamento dos valores gastos pela entidade com terceiros.
De acordo com o site da Receita Federal, o escritório Tharyk Advogados Associados consta como “inapto” desde dezembro do ano passado por motivo de “localização desconhecida”. O e-mail que aparece no registro da empresa não recebe mais mensagens. O blog também tentou contato através dos telefones de Tharyk Paixão que constam no site da OAB, mas eles estão desativados.
A reportagem também tentou contato por e-mail e por telefone com o Instituto dos Lagos Rio, sem sucesso. A Secretaria estadual de Saúde foi procurada para esclarecer se continua em andamento algum tipo de apuração em relação aos pagamentos feitos pela OS ao escritório, mas não se manifestou. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
Aditivos
No mês passado, o blog mostrou que, em escutas realizadas em janeiro deste ano com autorização da Justiça, o empresário Luiz Roberto Martins, um dos presos na Operação Favorito ligado à OS Unir Saúde, citou o Instituto dos Lagos Rio ao falar sobre entidades que estariam mantendo contratos com o governo com um suposto apoio vindo da Assembleia Legislativa.
Entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, o Instituto dos Lagos Rio conseguiu um contrato emergencial da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Iguaçu, além de dois termos aditivos para continuar na administração do Complexo do Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, e do Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Os valores passam de R$ 69 milhões.
*Foto em destaque: Hospital Estadual Alberto Torres, administrado pela OS Instituto dos Lagos Rio / Divulgação / Governo do Estado do RJ