UPA em Campo Grande administrada pela Associação Filantrópica Nova Esperança

Diretora de OS que cresce na gestão Witzel é sócia de ex-prefeito condenado

Uma das Organizações Sociais que mais vêm ganhando força na gestão de Wilson Witzel, a Associação Filantrópica Nova Esperança (AFNE), tem como diretora financeira uma mulher que também é sócia de um ex-prefeito de uma cidade do interior do Rio de Janeiro condenado por fraudes em contratações públicas.

Andrea Feliciano Pereira, que aparece em documentos enviados pela OS à Secretaria estadual de Saúde nos quadros da entidade, consta no site da Receita Federal como sócia-administradora do RJ Mercado e Açougue, em São Gonçalo. Com ela, está Sérgio Eduardo Melo Gomes, que, nos anos 2000, comandou o município de Trajano de Moraes, na Região Serrana.

Sérgio Eduardo Melo Gomes tem ao menos oito anotações em sua ficha de antecedentes criminais. Em 2007, chegou a ser preso, num desdobramento da Operação Sanguessuga, do Ministério Público Federal, que apontou desvios na compra de equipamentos hospitalares.

E, de acordo com o portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possui atualmente um mandado de prisão pendente de cumprimento desde setembro do ano passado.

Ele já tem condenações em pelo menos dois processos relativos a atos do período em que foi prefeito: dois anos e oito meses de detenção, acusado de superfaturamento na compra de aparelhos de ar-condicionado, e três anos e seis meses, exatamente por contratação irregular de uma Organização Social.

Apesar de estar inapto na Receita desde outubro do ano passado por omissão de declarações, o RJ Mercado e Açougue ainda consta como ativo na Junta Comercial do Rio e tem os CPFs de Andrea e Sérgio ligados à empresa.

R$ 68 milhões

Sem qualquer atuação anterior com o estado na área da Saúde, a AFNE foi qualificada em meados do ano passado pelo atual governo e, desde então, só vem acumulando mais contratos. Inicialmente, ficou com a gestão de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e de um pronto-socorro que atendem a detentos do Complexo Penitenciário de Gericinó. Agora, já está com outras seis UPAs. Desde julho de 2019, tem R$ 68,5 milhões em empenhos (reservas para pagamentos).

Além de ser sócio da diretora da Associação Filantrópica Nova Esperança, Sérgio Eduardo Melo Gomes tem seu passado recente ligado a uma outra OS: o Instituto Brasileiro de Apoio à Saúde (Ibas), que atualmente chama-se Instituto para Promoção da Cidadania, Educação e Saúde (Ices).

Com passagens por municípios como Itaboraí, o Ibas deixou para trás um rastro de problemas, como uma série de ações trabalhistas que correm até hoje.

Segundo levantamento feito pela Justiça Federal, num processo de cobrança de uma dívida de mais de R$ 1,7 milhão que Sérgio tem com a União por falta de prestação de contas de um repasse federal ao município de Trajano de Moraes, o ex-prefeito teria sido diretor do Ibas pelo menos entre dezembro de 2015 e março de 2016 e entre setembro de 2016 e setembro de 2018.

Tanto Sérgio quanto o Ibas também apareceram nas investigações de uma operação conjunta da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio, que culminou, em 2016, em prisões de pessoas que seriam ligadas a um esquema de desvio de dinheiro público através de contratações irregulares de OSs e empresas em cidades como Teresópolis, Sapucaia e São José do Vale do Rio Preto.

A operação foi deflagrada à época como desdobramento de um inquérito que apura a morte do jornalista Pedro Miguel de Lancastre M. Palma, em Miguel Pereira, em 2014. Ele trabalhava em uma reportagem sobre fraudes em licitações ocorridas no Executivo municipal.

Apesar de não ter contratos diretos com esses municípios na época das investigações, o Ibas foi mencionado em conversas captadas através de escutas telefônicas realizadas com autorização da Justiça entre o empresário Paulo Lomenha, um dos alvos da operação, e Sérgio Eduardo Melo Gomes. Houve referência a uma possível qualificação da Organização Social para a gestão de unidades de Saúde em Rio das Ostras, na Região dos Lagos.

Coincidências

Há diversas coincidências entre o Ibas e a Associação Filantrópica Nova Esperança. Marina Almeida Gomes Costa, que aparece em documentos enviados ao governo estadual como diretora de compliance ou diretora de contratos da AFNE, era até pouco tempo atrás representante do Ibas em processos de seleção. Isso ocorreu, por exemplo, num chamamento público da prefeitura de Itaboraí, em 2017.

Outro ponto: conforme o blog mostrou em agosto do ano passado, o vereador da Câmara de São Gonçalo Cláudio Rocha de Souza (PSDB) chegou a ter a função de diretor financeiro da Nova Esperança, antes de Andrea Feliciano Pereira assumir oficialmente o cargo. O mesmo Cláudio já exerceu cargo de diretor-presidente do Ibas.

Uma das empresas subcontratadas pela AFNE para a captação de profissionais que atuam nas unidades de Saúde é a Opus Consultoria e Assessoria Médica, que tem como sócio o médico André Carvalho Vargas. Ele já foi da Olhar Médicos Associados do Rio de Janeiro, que exerceu função semelhante para o Ibas.

Atualmente com o nome de Ices, o Ibas aparece como inapto no site da Receita Federal por omissão de declarações. Seu presidente é Moisés Fernandes da Silva, que atuou em conjunto com Marina Almeida Gomes Costa no chamamento público da prefeitura de Itaboraí, em 2017.

Contrato em Volta Redonda

Além do governo estadual, a Associação Filantrópica Nova Esperança ganhou no ano passado um contrato milionário com a prefeitura de Volta Redonda para a gestão do Hospital São João Batista, referência na região.

A contratação gerou fortes reações por parte de funcionários, que denunciavam a precarização de relações trabalhistas. O município é administrado por Samuca Silva, que em março deste ano se filiou ao PSC, partido do governador Wilson Witzel.

Desde que se intensificaram as denúncias envolvendo Organizações Sociais que atuam na rede estadual, a Secretaria de Saúde, atualmente comandada por Alex Bousquet, anunciou que está revendo todos os contratos assinados com essas entidades.

O blog entrou em contato por e-mail com a AFNE, mas não houve retorno.

Após a publicação inicial da reportagem, o advogado Hamilton Sampaio da Silva, que representa Sérgio Eduardo Melo Gomes, enviou os seguintes esclarecimentos:

“Não existe nenhum pedido de prisão por improbidade administrativa com relação ao Sérgio. Existe apenas um pedido em ação penal, que encontra-se suspenso por deferimento em habeas corpus.

De fato, possui uma ação de improbidade julgada em segunda porém em grau de recurso. Ainda não pode ser candidato aos cargos de vereador e prefeito”.

*Foto em destaque: UPA de Campo Grande, na capital fluminense, uma das unidades geridas pela Associação Filantrópica Nova Esperança / Divulgação

**A reportagem foi atualizada às 11h de 21 se julho

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