Edmar Santos, em março: “Emergenciais precisarão ser feitos em conjunto com PGE”

Em mensagens enviadas por aplicativo, no início de março, ao ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves, o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos afirmou que o governador do Rio, Wilson Witzel, teria dado uma ordem para que as contratações emergenciais fossem feitas em conjunto com “PGE (Procuradoria-Geral do Estado) central”.

A troca de mensagens a que o blog teve acesso consta do processo criminal ao qual Gabriell responde, em que é acusado de participar de um esquema que teria desviado dinheiro público através da compra, sem licitação, de respiradores superfaturados, durante a pandemia do coronavírus. Tanto Edmar quanto Gabriell estão presos.

No dia 2 de março, às 14h24m, Edmar Santos manda a Gabriell a seguinte mensagem (as reproduções são literais, incluindo erros de digitação):

Os emergenciais precisarão ser feitos em conjunto com PGE central. Ordem do Governador“.

Segundos depois, é enviado um anexo não identificado.

Às 14h27m, o secretário complementa:

Procurador Geral do Estado. Liga e alinha com ele. Preciso OS para Anchieta e para Zilda Arns em Volta Redonda.”

Às 14h30m, Edmar faz uma chamada de voz para Gabriell, sem conteúdo identificado.

Às 14h37m, ele manda mais uma mensagem para o subsecretário:

Ver com Claudia e Mariana os kits de medicações e insumos para regiões das enchestes. Poderá precisar tambem de emergenciais. Alinhar com Marcelo PGE“.

PGE só depois

O que chama a atenção é a comparação com a ordem dada e a realidade. Nos documentos públicos que constam dos processos emergenciais de contratação, não há referências oficiais de que os contratos foram feitos com a participação da PGE ou especificamente do então procurador-geral, Marcelo Lopes.

Pelo contrário. Em análises posteriores às assinaturas dos contratos, que começaram a ser realizadas após as primeiras denúncias na imprensa, há pareceres da própria PGE que condenam o fato de não ter havido sequer análise da Subsecretaria Jurídica da própria pasta de Saúde.

No dia 21 de abril, por exemplo, ao se debruçar sobre a contratação do Iabas para a implementação de hospitais de campanha, o procurador-assistente da PGE Bruno Boquimpani Silva ratifica o entendimento do setor jurídico da Secretaria de Saúde que havia apontado como uma irregularidade a “ausência de submissão do feito à prévia apreciação pelo órgão de consultoria e assessoramento jurídico, como determina o art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93”.

Mas, mesmo com pareceres de abril indicando que a ordem do governador teria sido descumprida, Edmar Santos permaneceu no cargo até o fim de maio. Ainda chegou a ganhar o cargo de secretário extraordinário da Covid, mas saiu definitivamente do governo após a Justiça ter barrado a sua nomeação.

“Recomendação”

Em nota, a assessoria de imprensa de Wilson Witzel fala em “recomendação do governador passada ao então secretário de Saúde, Edmar Santos”:

“Todos os trâmites de compras e contratos da Secretaria de Estado de Saúde tinham, obrigatoriamente, o alinhamento com a Procuradoria Geral do Estado, de acordo com recomendação do governador Wilson Witzel, passada ao então secretário  de Saúde, Edmar Santos.

Desde que surgiram as primeiras denúncias de possíveis irregularidades nas compras emergenciais e contratos firmados pela Secretaria de Estado de Saúde, o governador determinou sindicância para apurar todos os contratos celebrados pela pasta durante a pandemia.

Ainda em abril, poucos dias após as primeiras denúncias, o governador afastou e, depois, exonerou o subsecretário Gabriell Neves. As mensagens, portanto, só ratificam que o governador orientou que tudo fosse compartilhado com a PGE”.

A assessoria de imprensa da PGE afirmou que os processos nunca foram apresentados ao órgão:

“Acerca das reproduções de conversas telefônicas apresentadas, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro sublinha que a sua atuação no controle prévio de legalidade se dá a partir das apresentações formais feitas à Instituição.

A PGE-RJ também salienta que, apesar de os diálogos reproduzidos darem conta de que o governador Wilson Witzel teria determinado a submissão dos contratos emergenciais ao crivo jurídico, eles nunca foram apresentados à Instituição previamente às suas realizações”.

Samu na pauta

Não há muitos detalhes sobre as contratações emergenciais nas trocas de mensagens, captadas no aplicativo WhatsApp. Porém, é possível ver que Edmar Santos e Gabriell Neves trocavam constantemente informações sobre os processos, com o ex-secretário inclusive cobrando agilidade.

Um caso recorrente nas conversas foi, por exemplo, a mudança no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da capital, que, durante a pandemia, passou da gestão do Corpo de Bombeiros para a empresa OZZ Saúde.

O contrato terminou sendo suspenso exatamente por suspeitas no processo de contratação, e Edmar Santos, Gabriell Neves e a OZZ Saúde são alvo de uma ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público estadual. A empresa recebeu, de forma antecipada, cerca de R$ 27 milhões, de um total de R$ 166 milhões.

“Precisa acelerar”

No dia 10 de fevereiro, uma semana depois que Gabriell assumiu o cargo de subsecretário, Edmar Santos mandou a seguinte mensagem, ao meio-dia:

Bom dia! Depois me passa s data daquelas 5 licitações que oedi prioridade: -Samu (será pela 8666 e NÃO OS) -Logistica -Deshospitalização -Informática – a quinta esqueci Rssss E tambem: -a data provável pro Gov poder marcar entrega dos veículos“.

O tema volta no dia 2 de março, com mais uma mensagem de Edmar para Gabriell, às 14h38m:

Outra coisa Precisa acelerar SAMU Transporte sanitario pro Coronavirus“.

Em 11 de março, às 2h25m, Edmar manda para Gabriell:

PRIORIDADE ZERO: Samu Chamamento, CTI EPI (luva, mascara cirurgica, mascara N95, gorro, svental, óculos), Anchieta/Zilda Arns, Respiradores mecânicos“.

No dia 20 de março, às 23h59m, Gabriell Neves informa a Edmar:

Acabei de assinar SAMU Começa na segunda-feira“.

“Com o seu aval”

Efetivamente, o contrato foi assinado em 23 de março. O fato de ter sido feito de forma emergencial, por causa da pandemia do coronavírus, acabou sendo questionado posteriormente pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Estado já que a necessidade de transferência do serviço do Corpo de Bombeiros vinha de antes da chegada da doença ao Brasil.

No dia 6 de abril, às 14h28m, Gabriell Neves envia uma reportagem do blog sobre a empresa OZZ Saúde para Edmar Santos.

Às 15h18m, nova mensagem sobre o Samu, em que diz: “Não houve oitiva da Assessoria Jurídico por ter sido assim acordado com a Subsecretaria Executiva e com o seu aval”.

Edmar, Algumas observações importantes sobre o processo do SAMU: 

O procedimento foi instaurado, inicialmente, como procedimento licitatório e, em decorrência do COVID, foi convolado em emergencial. Houve pesquisa de preços nas duas fases, ou seja, na primeira em que seguiria o rito normal licitatório e na segunda, de acordo com as regras exigidas para dispensa. 

Outro fato importante é que não houve oitiva da Assessoria Jurídico por ter sido assim acordado com a Subsecretaria Executiva e com o seu aval. 

Por fim, o contrato foi publicizado no portal da transparência e será publicado no DO nos termos e prazo do art. 61 da Lei 8.666/1993 e Deliberações 280 e 281 do TCE“.

“Unidade do governador”

No mesmo dia 6 de abril, às 16h49m, Edmar encaminha quatro mensagens a Gabriell Neves:

Irmão, pede para alguém enviar o processo sei 080001/003479/2020

Que é a unidade aqui do gabinete do governador.

Precisamos tb do processo de contratação

Para a unidade GE/GABGE“.

O processo em questão é justamente o do Samu, que, segundo a movimentação que consta no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), do governo estadual, efetivamente foi solicitado para o gabinete do governador naquela data. O teor do despacho, porém, encontra-se com acesso restrito, sem possibilidade de visualização pública.

Proposta do Iabas

Além do Samu, o processo dos hospitais de campanha também era motivo de troca de informações entre Edmar e Gabriell. No dia 26 de março, o secretário enviou ao seu subordinado, às 22h03m, o arquivo “Proposta HOSPITAL DE CAMPANHA SEC SAÚDE.pdf”.

Às 22h03m, Gabriell Neves:

Não

Às 22h04m, Edmar:

Ok

Às 22h04m, Gabriell:

Veio no nome da IABAS 

E no plano de execução apresentam a parceira que é a empresa de SP

A troca de informações reforça as suspeitas de que o próprio Edmar Santos tinha conhecimento da proposta do Iabas mesmo antes de o processo começar a tramitar, no dia 27 de março. A própria proposta da Organização Social no processo data de 26 de março.

O blog não conseguiu contato com as defesas de Edmar Santos e Gabriell Neves. O espaço segue aberto.

*Foto em destaque: Ex-secretário estadual de Saúde do Rio, Edmar Santos / Divulgação

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