A RioSaúde, empresa pública responsável pela gestão de unidades da prefeitura do Rio, está finalizando a contratação, sem licitação, de uma empresa que está com os bens indisponíveis desde dezembro do ano passado, no âmbito de uma ação de improbidade administrativa.
Trata-se da Global Trade Indústria de Alimentação Eireli. Nesta quarta (17), o diretor-presidente da Rio Saúde, Flávio Alcoforado, autorizou a assinatura de um contrato de R$ 6,7 milhões com a companhia para o fornecimento de refeições, por seis meses, para o Hospital Ronaldo Gazolla, referência no tratamento de pacientes com Covid.

A Global Trade e seu único sócio, Ricardo Silveira Mora, são réus exatamente por um contrato emergencial de fornecimento de alimentação, mas para o Hospital Raul Sertã, administrado pela prefeitura de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. O Ministério Público aponta superfaturamento de R$ 337 mil.
No dia 1º de dezembro do ano passado, a juíza Fernanda Sepúlveda Terra Cardoso, da 2ª Vara Cível de Nova Friburgo, decretou a indisponibilidade de bens da empresa e de Ricardo Mora. Em suas contas bancárias, porém, só foram encontrados pouco mais de R$ 700.
Agora, a Justiça seguirá realizando uma pesquisa patrimonial. Há outros quatro réus na ação, que faziam parte dos quadros da prefeitura em 2017, quando o contrato foi assinado.
Convocação a jato
Em nota (íntegra no fim do texto), a Secretaria municipal de Saúde do Rio afirmou que o contrato emergencial para o Ronaldo Gazzola é necessário porque refere-se a “um serviço essencial e que não pode ser interrompido”. E também alegou que “o prazo de vigência do contrato anterior terminou sem que a antiga gestão da RioSaúde fizesse o processo licitatório”.
O blog localizou duas convocações emergenciais para o fornecimento de alimentação para o hospital, feitas pela gestão passada, nos dias 3 e 15 de dezembro de 2020. O último prazo para a apresentação de propostas foi 21 de dezembro. Não fica claro o que aconteceu nesses processos.
A atual gestão, por sua vez, abriu um outro processo de contratação emergencial para o mesmo serviço, no dia 27 de janeiro. Foi dado um prazo até 1º de fevereiro – apenas três dias úteis – para que as propostas fossem apresentadas.

A pasta acrescentou ainda que a assinatura com a Global Trade depende agora apenas de uma certidão pendente da empresa. A secretaria disse que foram convocadas 46 empresas no processo de dispensa de licitação, mas somente quatro apresentaram preços. O blog pediu os nomes dessas empresas e quais valores ofertaram, mas eles não foram informados.
CPI em Nova Friburgo
As suspeitas de irregularidades envolvendo a Global Trade tiveram bastante repercussão em Nova Friburgo, a ponto inclusive de gerar uma CPI na Câmara de Vereadores.
Depois de um primeiro contrato emergencial de R$ 2,1 milhões, em abril de 2017, a empresa foi sucessivamente ganhando outros para o fornecimento de refeições para o Hospital Raul Sertã. No início de 2019, já eram mais de R$ 9 milhões acumulados.
A Global Trade chegou a entrar na Justiça para tentar barrar a CPI, mas os vereadores concluíram um relatório em julho de 2019 apontando um suposto superfaturamento total de R$ 1,1 milhão. Também foi detectada falta de controle por parte da prefeitura de Nova Friburgo, com direito a fiscais que mal sabiam que estavam fiscalizando.

R$ 337 mil em xeque
As investigações do Ministério Público, por sua vez, se concentraram no primeiro contrato emergencial, de R$ 2,1 milhões. Um levantamento feito por um grupo de apoio técnico do MP apontou um sobrepreço nos serviços da empresa de R$ 337 mil. É este o valor total que a Justiça tentou bloquear nas contas dos réus, mas até agora não teve sucesso.
Para chegar a essa conclusão, foi feita uma comparação entre valores pagos a Global Trade e tabelas com preços recomendados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Foi apontada, por exemplo, a compra de geleia de mocotó por R$ 25 quando o valor padrão à época era de R$ 2,56.

Além do preço em si, outro ponto levantado pelo MP foi a própria necessidade da contratação sem licitação. Na inicial da ação, a promotora Claudia Canto Condack aponta para um “procedimento emergencial fabricado”. Isso porque o TCE já havia liberado a realização de um procedimento de licitação regular, o que não acabou não ocorrendo. Uma outra empresa que vinha prestando serviços no Hospital Raul Sertã também foi retirada de forma abrupta.
Para a promotora, houve “toda sorte de ilegalidades quando da contratação da empresa para o fornecimento de refeições aos pacientes e funcionários do Hospital Municipal Raul Sertã, com violação de princípios constitucionais e dos procedimentos legais necessários à deflagração de procedimento licitatório, culminando em fabricada dispensa, direcionada à contratação da aludida sociedade empresária como prestadora do sobredito serviço”.
Outro lado
O blog tentou contato com a Global Trade pelo e-mail que está disponível no site da Receita Federal, mas não houve retorno.
Abaixo, a íntegra dos esclarecimentos enviados pela Secretaria municipal de Saúde do Rio:
“Ainda não houve a contratação (da Global Trade). O que foi publicado no Diário Oficial é o ratifico do resultado do certame, com o nome da vencedora. O processo segue agora a tramitação regular, em que a empresa deve enviar uma última certidão exigida no Termo de Referência, para que a contratação possa ser efetivada.
A Global Trade já apresentou as certidões de qualificação jurídica fiscal, ficando pendente a certidão de Dívida Ativa da União. A empresa solicitou o prazo de 15 dias úteis para que o requerimento seja concluído na Dívida Ativa. Se a documentação estiver de acordo e não havendo impedimentos fiscais ou legais, a empresa estará apta a ser contratada, nos termos da legislação em vigor. Caso a Global Trade não apresente a certidão que falta dentro do prazo, será eliminada do certame e chamada a segunda colocada.
O contrato emergencial se faz necessário porque o prazo de vigência do contrato anterior terminou sem que a antiga gestão da RioSaúde fizesse o processo licitatório. Trata-se de um serviço essencial e que não pode ser interrompido, o que justifica o novo processo, que embora emergencial, segue os trâmites de chamamento público e cotação de preços, nos termos da legislação específica.
A convocação pública para o processo nº 09/200.250/2021, referente ao procedimento de cotação para a prestação de serviço de alimentação hospitalar para o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, foi publicada no Diário Oficial do Município de 28 de janeiro. Foram convocadas 46 empresas, sendo que quatro apresentaram suas propostas no certame, cujos valores unitários e mensais constam do mapa de preços anexado ao processo de contratação”.
*Foto em destaque: Hospital Ronaldo Gazzola, referência em tratamento de pacientes com Covid / Divulgação / Prefeitura do Rio