Terreno de hospital de campanha, em Nova Iguaçu

Condenada em 1ª instância por fraudes em licitações preside comissão de licitações do Estado do RJ

O Estado do Rio tem numa das principais cadeiras de administração de licitações de obras uma gestora que, no ano passado, foi condenada duas vezes em primeira instância, em ações de improbidade administrativa, exatamente sob a acusação de fraudes em licitações.

Trata-se de Verônica Oliveira Machado, que, em fevereiro de 2019, foi nomeada para um cargo de assessora na Secretaria estadual de Infraestrutura e Obras. Em seguida, em agosto do mesmo ano, passou a ser superintendente de Licitações e Contratos.

Em 2020 então, apesar das duas sentenças nas ações de improbidade, em março e maio, a funcionária ainda acumulou mais uma função: virou, em agosto, presidente da Comissão Permanente de Licitações da pasta.

“Competência e lisura”

A assessoria de imprensa da Secretaria de Obras afirmou (íntegra no fim do texto) que “as ações judiciais não possuem qualquer relação com o trabalho” atual e que a servidora “já tem mais de 15 anos de atuação em órgãos públicos em diferentes cidades”.

O blog apurou que Verônica vem tendo participação em projetos importantes. Um deles foi a construção do polêmico Hospital Modular de Nova Iguaçu, obra emergencial de R$ 62 milhões realizada durante a pandemia. Até hoje, a unidade, apesar de pronta, ainda não recebeu um paciente sequer.

Outro exemplo foi um projeto de R$ 16,7 milhões, contratado em janeiro do ano passado, para serviços de contenção de encostas e drenagem no município de Nova Friburgo. Além disso, em setembro de 2019, Verônica também foi designada para compor, como membro titular, uma comissão permanente de sindicância voltada para análise de despesas de anos anteriores.

“Processos fraudulentos”

Ao todo, a superintendente estadual de Licitações e Obras responde a quatro ações de improbidade administrativa. Todas são relacionadas a denúncias de irregularidades envolvendo contratações da prefeitura da cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, de cerca de 13 mil habitantes, no interior do estado.

De quatro ações, duas já têm sentença condenatória em primeira instância. A Justiça concordou com os argumentos do Ministério Público de que Valéria Oliveira Machado “contribuiu diretamente para a ‘legalização’ de processos fraudulentos” quando era controladora do município. Foi determinado o pagamento de duas multas no valor de duas vezes a remuneração recebida à época pela servidora, com correção desde 2013, ano em que foram realizadas as contratações.

As duas condenações também se estenderam ao então prefeito de Engenheiro Paulo de Frontin, Marco Aurélio de Sá Pinto Salgado, que não só recebeu multas como também foi determinada a suspensão de seus direitos políticos por cinco anos.

Concorrência simulada

As contratações que são alvo das ações do MP impressionam pelo amadorismo. A condenação de março de 2020 é referente a uma licitação realizada em 2013 para locação de palco, sonorização e iluminação de um festival do café realizado na cidade. O valor foi de cerca de R$ 23 mil.

As investigações apontaram que teria havido a simulação de uma concorrência entre três empresas cujo resultado já “estava previamente acertado”. A situação foi tão inusitada que o MP não conseguiu sequer localizar no processo administrativo a proposta realizada pela companhia que acabou se tornando a vencedora.

Verônica foi acusada de “deixar de cumprir com seu dever legal e de atuar com eficiência quanto ao Controle Interno da Administração, chancelando várias e graves irregularidades no procedimento de licitação, onde já estava comprovado o direcionamento para favorecer a vencedora”.

Em sua defesa, ela havia alegado que não teve participação direta nas supostas irregularidades e que não teria havido nada que tivesse “maculado o processo licitatório”.

“Certame viciado”

Já a contratação que resultou na condenação de maio do ano passado se refere a serviços de publicidade institucional contratados pela prefeitura de Engenheiro Paulo de Frontin também em 2013. O valor foi de cerca de R$ 46 mil.

O município usou uma modalidade de licitação conhecida como carta-convite que, como o próprio nome diz, ocorre com o convite a pelo menos três empresas para que apresentem suas propostas.

As investigações detectaram, por exemplo, que participaram dessa concorrência três empresas que funcionavam no mesmo endereço. Duas pertenciam a um mesmo casal: uma estava no nome da mulher, a outra no do marido. “O certame foi totalmente viciado, eis que ocorreu ao arrepio da lei e dos princípios que informam a licitação e o trato com a coisa pública”, afirmou o Ministério Público.

Sobre Valéria Oliveira Machado, o MP disse que, como controladora da prefeitura de Engenheiro Paulo de Frontin, ela emitiu um parecer favorável à contratação mesmo não constando qualquer assinatura de funcionários da prefeitura na ata de julgamento da licitação.

Mais duas ações

As outras duas ações de improbidade seguem tramitando na Justiça desde 2015 ainda sem sentença. Uma não está disponível eletronicamente, mas também se refere a uma contratação feita em 2013 em Engenheiro Paulo de Frontin.

A outra, segundo a denúncia do Ministério Público, envolve várias contratações em sequência de uma mesma empresa, a Aquarius Rio Comércio e Serviços, para o fornecimento de materiais de informática. Os valores somados foram de R$ 190 mil.

Nestes casos, o MP verificou que as mesmas empresas participaram de diversos certames. Outros problemas recorrentes foram a realização das concorrências sem sequer que os participantes retirassem os editais e sem que houvesse minuta de contrato. Apesar disso, houve pareceres favoráveis praticamente imediatos da controladoria e da procuradoria do município.

Outro lado

Abaixo, a íntegra dos esclarecimentos da Secretaria estadual de Obras:

“A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras informa que as ações judiciais não possuem qualquer relação com o trabalho exercido pela servidora no Governo do Estado, onde todos os processos licitatórios estão sob total regularidade.

Além disso, a secretaria esclarece que as decisões mencionadas não estão com suas tramitações encerradas, havendo recursos ao Tribunal de Justiça pendentes de julgamento. Cabe ressaltar ainda que a condenação em primeira instância não proíbe funcionários de ocupar cargos públicos. Para a servidora, que já tem mais de 15 anos de atuação em órgãos públicos em diferentes cidades, as denúncias recebidas fazem parte de perseguição política de opositores da antiga gestão da prefeitura de Engenheiro Paulo de Frontin”.

*Foto em destaque: Obras do Hospital Modular de Nova Iguaçu, que foram finalizadas no ano passado

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