“Este projeto é um sonho que sempre tive e espero que siga com meus filhos e netos”. A frase, que encerra um texto replicado em diversos sites em março deste ano, é do empresário Luís Eduardo da Cruz.
Após duas prisões por suspeitas de desvios milionários de verbas da Saúde no município do Rio, o ex-controlador do Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) agora empreende num novo ramo: o de vinhos.
Respondendo em liberdade a um processo criminal relacionado à Organização Social, Cruz se apresenta como sócio – e responsável pela “gestão de inovação” – da InnVernia, vinícola que está sendo implementada na cidade de Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo.
Sua principal parceira no negócio é a mulher, Simone Cruz, que também chegou a ser presa duas vezes com o marido. E outra curiosidade é que, dos sete membros do “pequeno grande time” – como se autodenomina a equipe da InnVernia -, cinco já foram mencionados em investigações do Ministério Público do Rio ligadas a negócios do Iabas.
Em nota (íntegra no fim do texto), o escritório Melchior Advogados, que representa o casal, afirmou que Simone e Luís Eduardo “não praticaram crime algum” e que “o investimento da família na referida vinícola não possui relação com recursos públicos de qualquer ordem”.
Filho administrador
A prisão mais recente de Luís Eduardo e Simone Cruz ocorreu em julho do ano passado, no âmbito de um processo que trata do suposto desvio de R$ 6,2 milhões recebidos pelo Iabas da prefeitura do Rio durante as duas primeiras gestões de Eduardo Paes.
O esquema, segundo o MP, se ancorava basicamente no repasse de recursos da Organização Social para empresas que eram subcontratadas. Essas companhias, por sua vez, teriam desviado dinheiro através de saques na boca do caixa, desconto de cheques ou movimentação nas contas pessoais dos envolvidos.
Além do casal, o filho Daniel Muruci Cruz também é réu neste processo. De acordo com os promotores, ele era “constantemente usado para movimentar os ativos de infrações penais”, sendo sócio ou procurador das empresas subcontratadas.
Agora, na InnVernia, Daniel aparece como o responsável pela administração.
Mais parentes
Apesar de o Iabas ter recebido mais de R$ 3 bilhões da prefeitura entre 2011 e 2019, o foco das investigações do MP se restringiu até agora a quatro empresas que foram subcontratadas pela entidade. Uma delas, a Real Selection, de locação de veículos, teria sido usada para o desvio de R$ 3 milhões. Foram constatadas transferências de dinheiro da companhia para Daniel Cruz.
Outra empresa investigada foi a Arbóreas Consultoria, de jardinagem, que teve R$ 376 mil recebidos do Iabas colocados sob suspeita pelo MP. Neste caso, há mais duas personagens em comum com a InnVernia. Apesar de não serem rés, foram citadas no processo Carolina Cruz, filha de Luís Eduardo, e Débora Luchesi, irmã do empresário.
Débora era dona da Arbóreas na época em que ela foi contratada pela OS, em 2011. No ano seguinte, porém, a empresa passou para o nome de outras pessoas. Já Carolina recebeu R$ 128 mil da companhia entre 2012 e 2013.
Atualmente, Débora é a responsável pelo hospitality center da vinícola, enquanto Carolina é a ecóloga da InnVernia. Além delas, Marcelo Luchesi, cunhado de Luís Eduardo da Cruz, que já pertenceu aos quadros do Iabas, é hoje quem cuida do setor de operações e infraestrutura do novo empreendimento da família Cruz.

O projeto da vinícola ganhou até o apoio da prefeita de Espírito Santo do Pinhal, Cristina Brandão. Em sua página no Facebook, ela divulgou um vídeo em que Eduardo Cruz aparece plantando uma muda e falando sobre o empreendimento.
Outro processo
No processo criminal que envolve a gestão do Iabas, também foram citadas outras duas empresas: Escala-X Arquitetura e Laboratório de Análises Clínicas Ipanema. Desta última, saíram, segundo o MP, R$ 680 mil para as contas de Simone e Eduardo Cruz, sem a devida comprovação dos serviços prestados.
A prisão do casal, ocorrida em julho do ano passado, durou menos de um mês. Logo em seguida, evoluíram para o regime domiciliar. Em setembro de 2020, passaram somente a ter que se apresentar periodicamente em juízo.
Simone e Eduardo Cruz também foram acusados em outro processo criminal, por supostos desvios de R$ 6 milhões em convênios da prefeitura do Rio com a Fundação Bio-Rio para aperfeiçoamento profissional, também durante a gestão Paes.
Neste caso, as prisões ocorreram em junho de 2018, mas também duraram poucos dias. Este mês, por entender que o caso se refere a condutas de punição no âmbito civil e administrativo, o juiz da 41ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, Paulo Roberto Jangutta, absolveu o empresário, a esposa e outros três réus.
Há um outro processo, porém, que trata do mesmo tema ainda em andamento na 15ª Vara de Fazenda Pública.
Multa de R$ 35 milhões
Além dos processos na Justiça, o Iabas – atualmente sob nova direção – também deixou um rastro de problemas nos serviços prestados à prefeitura do Rio. A entidade foi desqualificada – ou seja, impedida de atuar – em 2019 no município principalmente pela falta de cumprimento de metas estabelecidas em contrato.
Foi aplicada ainda à Organização Social uma multa de R$ 27,9 milhões à época. Atualmente, há um processo de cobrança de Dívida Ativa em andamento. O valor já passa dos R$ 35 milhões.
Durante a pandemia, o Iabas também voltou ao foco por causa de investigações ligadas à construção de hospitais de campanha pelo governo do Estado do Rio, na gestão de Wilson Witzel. O projeto teve custo de mais de R$ 800 milhões, mas ficou em boa parte pelo caminho após denúncias de mau uso de recursos públicos.
Outro lado
Em nota enviada ao blog, o escritório Melchior Advogados destacou diversos pontos do currículo do empresário Luís Eduardo da Cruz. A íntegra está neste link.
Abaixo, o posicionamento a respeito da implementação da vinícola e sobre as acusações do Ministério Público do Rio:
“Luís Eduardo e Simone possuem uma trajetória profissional marcante e duradoura no setor privado, com breve interstício no setor público, período em que buscaram colaborar para uma reestruturação do atendimento público de qualidade na área de saúde, e jamais possuíram qualquer relação com fatos ou personagens envolvidos em desvios de recursos públicos.
Com relação aos dois processos relacionados a Luís Eduardo e Simone, ambos são inocentes das acusações: em um deles o casal já foi absolvido e, quanto ao segundo, a denúncia ainda está pendente de análise pelo magistrado, sendo de se esperar o mesmo desfecho, uma vez que os acusados não praticaram crime algum.
Além disso, Luís Eduardo e Simone sempre estiveram à disposição das autoridades públicas para prestarem quaisquer esclarecimentos, nunca tendo se furtado de contribuir com eventuais investigações, o que também atesta a injustiça e a impropriedade das ordens de prisão – fato que, afinal, foi reconhecido pelo tribunal.
O investimento da família na referida vinícola não possui relação com recursos públicos de qualquer ordem, tratando-se de investimento privado, na mesma linha da já longínqua história profissional do casal no âmbito privado”.
*Foto em destaque: Imagem ilustrativa de vinícola / Grape Things / Pexels
In vino veritas…quem sabe eles acabam falando demais sob efeito etílico !
Isso não deveria estar denunciado e investigado junto ao MPF, por tratar-se de verbas federais?