Enquanto o processo de impeachment de Wilson Witzel chega à reta final, um novo trecho da delação do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, localizado pelo blog, coloca o nome do governador em exercício, Cláudio Castro, num dos pontos centrais da crise que se instalou no Estado do Rio durante a pandemia: a compra de respiradores.
No anexo em que detalhou ao MPF a sua versão a respeito da aquisição dos equipamentos, Edmar afirmou que, em uma reunião realizada “entre os dias 15 e 20 de maio” do ano passado na sede do PSC, o presidente nacional do partido, Pastor Everaldo, disse que Castro “teria indicado ao menos uma das empresas fornecedoras”. E que o então vice-governador “estava preocupado com os avanços das investigações” a respeito dos contratos.

No dia 7 de maio do ano passado, havia sido deflagrada a Operação Mercadores do Caos, que culminou com a prisão do ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves, solto em setembro de 2020 por decisão do STJ.
O foco foi exatamente a compra dos respiradores com três empresas: a A2A Comércio, Serviços e Representações, a Arc Fontoura Indústria, Comércio e Representações e a MHS Produtos e Serviços. O estado pagou cerca de R$ 36 milhões de forma antecipada a essas companhias, que entregaram apenas uma pequena parte dos equipamentos encomendados e que, ainda assim, não serviam para o tratamento de pacientes com Covid.
Everaldo nega
Em nota enviada ao blog (íntegra no fim do texto), a defesa de Pastor Everaldo negou que ele “tenha feito qualquer relato ao delator sobre as investigações citadas”. O presidente nacional do PSC está preso há oito meses em decorrência da Operação Tris in Idem, que apontou o político como participante de um suposto esquema de desvios de recursos na área da Saúde, na Cedae e no Detran. Essa mesma operação culminou com o afastamento de Wilson Witzel.
Especificamente na questão da compra dos respiradores, o ex-secretário Edmar Santos mencionou não ter havido participação direta de Everaldo. Segundo ele, foi um “voo solo” do ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves.
Em outros anexos da delação, o ex-secretário havia afirmado que Gabriell chegou ao cargo com o aval do grupo composto pelo pastor e pelos empresários Edson Torres e Victor Hugo Barroso. Edmar afirmou inclusive que Victor Hugo teria bancado despesas da família do ex-subsecretário enquanto ele esteve preso.
Em nota (íntegra no fim do texto), a defesa de Gabriell Neves não quis se pronunciar sobre a suposta indicação de Cláudio Castro de ao menos uma fornecedora de respiradores, alegando não ter tido acesso à integra da delação de Edmar Santos.
Sobre pagamentos de despesas pelo grupo de Everaldo, a defesa do ex-subsecretário disse se tratar de “devaneio” do delator. Gabriell Neves afirma ter sempre se pautado na “mais absoluta boa-fé e legalidade”.
R$ 36 milhões
A verdade é que, um ano depois da desastrosa compra de respiradores em meio à pandemia, ainda há peças soltas no quebra-cabeça dessa história. Não ficou esclarecido, por exemplo, se houve outros personagens nas sombras por trás dos donos das pequenas empresas contratadas e que sequer eram especializadas neste tipo de comércio.
No âmbito criminal, tramitou no Rio até agosto do ano passado um inquérito tratando das investigações do caso. No entanto, foi dada baixa no processo por declínio de competência ao STJ. Os bens dos envolvidos – incluindo empresários – chegaram a ser bloqueados, mas foram localizados apenas R$ 1,2 milhão dos R$ 36 milhões pagos em adiantamento.
Há ainda em curso na 2ª Vara de Fazenda Pública do Rio uma ação de improbidade administrativa do Ministério Público estadual contra Edmar Santos, Gabriell Neves e os sócios das companhias. Ao todo, o MP cobra mais de R$ 40 milhões, incluindo o ressarcimento de danos ao erário e multa. O processo ainda está na fase de recebimento da defesa dos acusados.
Outra citação
A citação de Cláudio Castro pelo ex-secretário de Saúde por uma suposta indicação de empresa no processo de compra dos respiradores não foi a única feita nos mais de 30 anexos da delação.
Num relato a respeito de recursos da Alerj que seriam destinados a municípios, Edmar Santos disse ter ouvido do presidente da Casa, André Ceciliano, que ele estava descontente com o então vice-governador e o então secretário da Casa Civil, André Moura, “deixando claro que os dois participavam de esquema ilícito”.
Também segundo Edmar, Ceciliano teria chegado a “propor que deixaria de fazer pagamentos aos dois e ele que se tornaria o único beneficiário de valores ilícitos envolvidos se ajudasse (o deputado) a receber os valores”.
O trecho da delação foi divulgado em setembro do ano passado pelo jornal O Globo. O presidente da Alerj negou ter negociado qualquer benefício ilícito com Edmar. Já Cláudio Castro disse que o ex-secretário seria “tranquilamente processado“.
O blog não localizou nenhuma ação de Castro contra Edmar em trâmite atualmente. A reportagem fez contato com a assessoria de imprensa do governador em exercício para que ele se pronunciasse a respeito do novo trecho da delação, mas não houve retorno.
Pastor Everaldo
Abaixo, o posicionamento da defesa de Pastor Everaldo a respeito de seu processo judicial e da delação de Edmar Santos:
“A defesa do Pastor Everaldo informa que ele tem 65 anos e está preso há oito meses sem que o STJ tenha ao menos recebido a denúncia.
Por isso, entrou com recurso pedindo ao ministro Benedito Gonçalves que o processo seja desmembrado e remetido à primeira instância, conforme a orientação do STF, já que Everaldo não tem foro privilegiado.
O Pastor é alvo de delação covarde e mentirosa e está preso desnecessariamente, pois sempre esteve à disposição da Justiça.
A defesa nega que o Pastor tenha feito qualquer relato ao delator sobre as investigações citadas; e esclarece, ainda, que Everaldo não indicou o senhor Gabriell Neves (para o cargo de subsecretário de Saúde)”.
Gabriell Neves
Já a defesa de Gabriell Neves afirmou que “até a presente data não teve acesso à integra da delação do ex-secretário Edmar Santos”. “Tendo em vista o segredo de Justiça imposto pelo STJ à investigação, não irá se manifestar sobre a indagação (de que Cláudio Castro teria indicado uma fornecedora de respiradores)”.
“No que concerne ao suposto pagamento de suas despesas particulares por terceiros, fácil observar que o delator se perde num festival de devaneios, já que os familiares de Gabriell vêm arcando com suas despesas e seu respectivo sustento, neste momento de dificuldades financeiras, causadas por uma acusação injusta e precipitada, amparada em calúnias de um malfeitor”.
“Sobre a compra de respiradores, a defesa de Gabriell Neves entende não ter havido qualquer irregularidade no processo, o que vem sendo demonstrado no curso da ação”. “Cabe ressaltar que, à época da aquisição, não se conheciam as principais características científicas que envolviam a pandemia. Além disso, houve uma superinflação do mercado, o que afasta a alegação de superfaturamento, além de o quantitativo estabelecido ter sido definido pelo comitê científico liderado pelo então secretário Edmar Santos”.
Por fim, afirmou que “embora não tenha tido acesso ao depoimento (de Edmar Santos), pode afirmar, com a mais absoluta segurança, que todos os atos por ele praticados nos dois meses em que permaneceu na Subsecretaria de Saúde foram pautados na mais absoluta boa-fé e legalidade. Por isso mesmo, repudia veementemente a suposta insinuação caluniosa do criminoso confesso (de que a compra dos respiradores teria sido um ‘voo solo’), que busca benesses às custas da incriminação de terceiros”.
O blog não conseguiu contato com a defesa de Edmar Santos e os demais citados. O espaço segue aberto aos esclarecimentos.
*Foto em destaque: O governador em exercício do Rio, Cláudio Castro / Divulgação / Prefeitura de São João de Meriti