Um servidor comissionado que era subordinado ao subsecretário executivo de Saúde, Gabriell Neves, irá presidir a sindicância que vai analisar possíveis irregularidades em 59 processos de contratação comandados pelo próprio Gabriell durante o período da pandemia do coronavírus. Documentos relativos a esses processos foram colocados em sigilo após reportagens da Folha e do blog.
Trata-se do advogado Yuri Frederico Oliveira Fernandes, cuja nomeação para o cargo de assessor da Subsecretaria Executiva de Saúde foi publicada em Diário Oficial há poucos dias, em 2 de abril, mas com data retroativa a 10 de março.
Nesta segunda, o governo havia enviado nota à imprensa afirmando que Gabriell Neves havia sido afastado de seu cargo “para assegurar que os processos de auditoria externa possam ocorrer sem qualquer tipo de suspeição ou interferência”.
Instaurada por Gabriell Neves
Ao menos o processo interno, porém, parece estar comprometido. A própria criação da sindicância foi um ato de Gabriell Neves, do dia 9 de abril, quando ele ainda era subsecretário executivo. Ele foi afastado temporariamente nesta segunda (13), com publicação em edição extra do Diário Oficial.

O Manual do Sindicante do governo estadual não proíbe servidores comissionados de exercerem função nas investigações. “A designação para realizar a sindicância recairá sempre em funcionário efetivo ou ocupante de cargo em comissão”, diz um artigo do anexo ao decreto.
Há, porém, um outro trecho que determina que “se o fato envolver a pessoa do Chefe da unidade administrativa, a instauração da sindicância caberá ao superior hierárquico imediato”.
“De acordo com o Estatuto do Servidor Público, quem deveria instalar a sindicância seria o secretário”, afirma o deputado Luiz Paulo (PSDB).
O professor de Direito Administrativo da PUC-Rio Manoel Peixinho diz que o procedimento “viola frontalmente o princípio da moralidade porque a investigação não será imparcial”.
Contrato do Iabas
Entre os processos que chegaram a ser colocados em sigilo, e serão analisados pela sindicância, está o da contratação da Organização Social Iabas, que foi realizado sem qualquer tipo de seleção pública. A entidade receberá R$ 835 milhões para implementar sete hospitais de campanha que atenderão a pacientes com a Covid-19.
O sigilo acabou sendo revertido. O estado afirmou que identificou o servidor responsável por bloquear o acesso ao público – que será ouvido na sindicância -, mas não divulgou seu nome.
Antes de ocupar o atual cargo de assessor da Secretaria de Saúde, Yuri Fernandes, que irá presidir a sindicância, já havia tido cargos comissionados desde 2013 no governo estadual, nas secretarias de Fazenda e de Educação.
Os trabalhos de apuração têm um prazo inicial de conclusão de 30 dias, mas há possibilidade de prorrogação.
Mais dois comissionados
Outra servidora comissionada que era subordinada a Gabriell e participará da investigação dos contratos é Maria Ozana Gomes. Ela foi nomeada como superintendente de Compras e Licitações da Subsecretaria Executiva de Saúde no dia 7 de abril, dois dias antes de Gabriell Neves criar a Comissão de Sindicância. Anteriormente, ela era da Superintendência de Convênios.
Maria Ozana Gomes teve passagem pela Secretaria municipal de Saúde do Rio quando a pasta era chefiada por Daniel Soranz, durante a gestão de Eduardo Paes.
O outro funcionário comissionado que participará da sindicância é o assistente da Subsecretaria Executiva de Saúde Thiago Alves de Oliveira. Ele foi nomeado no mesmo dia de Yuri Fernandes.
Afastamento temporário
Apesar da série de denúncias em torno de Gabriell Neves, a Secretaria de Saúde optou não por sua exoneração, mas pelo seu “afastamento temporário” do cargo. Como é comissionado, bastaria uma simples assinatura do governador Wilson Witzel para que o advogado deixasse definitivamente a pasta.
O blog já mostrou que Gabriell é acusado na Justiça do Rio de dar um golpe de mais de R$ 200 mil numa cliente idosa. Ele depositou em sua conta a indenização que a professora aposentada recebeu após mais de 10 anos de luta na Justiça.
O subsecretário afastado também é réu numa ação de improbidade movida pelo Ministério Público em Seropédica, na Baixada Fluminense. Os promotores o acusam de não cumprir um Termo de Ajustamento de Conduta para dar transparência ao quadro de enfermeiros, médicos e dentistas do município. Gabriell exerceu o cargo de secretário de Saúde por cerca de oito meses.
*Foto em destaque: Imagem do logotipo da Secretaria de Saúde