Hospital de campanha do Maracanã: Iabas teria pagado por respiradores a academia de ginástica

Iabas: R$ 600 mil a academia de ginástica por respiradores usados

Um documento enviado na última sexta (5) pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) à Secretaria estadual de Saúde do Rio mostra que a Organização Social teria chegado a pagar R$ 600 mil por cinco respiradores usados, que seriam adquiridos de uma academia de ginástica, no Recreio dos Bandeirantes.

A entidade, que foi contratada em março, sem processo seletivo, para implementar os hospitais de campanha do governo estadual, teve o contrato cancelado na semana passada pela gestão Witzel, mas já recebeu R$ 256 milhões dos cofres públicos. Apenas a unidade do Maracanã já está com leitos abertos aos pacientes com coronavírus.

Na tabela mandada pelo Iabas ao governo, foram listados 65 respiradores que a OS afirma terem sido efetivamente comprados. As informações são bastante genéricas. Sequer há, por exemplo, nomes completos e CNPJs das empresas das quais foram adquiridos os equipamentos.

O relatório traz a compra de cinco ventiladores pulmonares remanufaturados – ou seja, usados, que passaram por uma espécie de recauchutagem – da marca Viasys, com uma companhia identificada apenas como “The Way Fitness”. Cada um ao custo de R$ 120 mil.

Em consulta a bases de dados de empresas, o blog localizou apenas uma companhia com este nome: a The Way Fitness Club LTDA, também conhecida como Studio Rafael Ribeiro, academia que fica no Recreio dos Bandeirantes.

O mesmo documento dá a entender que a compra teria sido cancelada e o dinheiro devolvido. Porém, os advogados do Iabas informam que só darão os detalhes sobre os processos de aquisição numa prestação de contas que será enviada futuramente.

Em mensagem enviada ao blog nesta terça, Rafael Ribeiro, um dos sócios da empresa, confirmou que houve um depósito feito equivocadamente na conta da The Fitness Club, que foi devolvido.

“A referida TED foi feita equivocadamente em nossa conta e após apuração devolvemos no mesmo ato. Não vendemos respiradores, vendemos atividade física”, disse Rafael, que encaminhou ao blog o comprovante do estorno.

Empresa de informática

Na segunda, o blog havia tentado contato com a The Way Fitness Club através de dois telefones fixos, sem sucesso. Após ligar duas vezes para um celular que consta na página da academia no Instagram, a reportagem recebeu uma mensagem por WhatsApp querendo saber o motivo das ligações. Depois da identificação como jornalista que estava buscando informações sobre uma venda ao Iabas, não houve mais resposta, o que ocorreu na manhã desta terça.

No site da Receita Federal, a empresa – que possui capital social de R$ 10 mil – tem como único serviço cadastrado “atividades de condicionamento físico”. Na página do Instagram do Studio, as referências à Covid-19 são treinos chamados de #coronafitness, voltados para quem está agora na quarentena durante a pandemia.

De acordo com a tabela enviada pelo Iabas, dos 65 respiradores comprados pela OS apenas dois eram novos, comprados por R$ 165 mil cada, de uma empresa identificada como Maia Group.

Chama a atenção também a aquisição de quatro ventiladores com uma companhia identificada como “ACL Pontes”. A única empresa localizada pelo blog com este nome foi a ACL Pontes Comercial e Serviços, que, segundo o site da Receita, tem como atividade principal “reparação e manutenção de computadores e equipamentos periféricos”. O número de telefone que consta no cadastro não está recebendo chamadas.

Com a ACL Pontes, o Iabas informou ter comprado três equipamentos da marca Takaoka a R$ 55 mil cada e um da marca Carefusion, a R$ 120 mil. Todos estão especificados como remanufaturados.

A empresa com a qual o Iabas informou ter adquirido mais respiradores (25) foi identificada como Knaan. O blog localizou o cadastro de uma companhia chamada Knaan Serviços Médicos LTDA, mais conhecida como Endodiagnostic. Trata-se de uma clínica especializada em tratamento gástrico, com sede numa sala em Copacabana.

Também há a Knaan Distribuidora de Material Cirúrgico, com sede na Barra da Tijuca. Ambas as empresas pertencem aos médicos Felipe Matz Vieira e Flávio Mitidieri Ramos.

Mudança de planos

No relato enviado pelos advogados do Iabas à Secretaria de Saúde, a Organização Social afirma que “na execução do contrato não foram adquiridos os ventiladores previstos na planilha do cronograma físico-financeiro”.

Ao assinar um termo aditivo com o estado no mês passado, a entidade havia listado entre seus custos a compra de 520 respiradores, a um valor total de pouco mais de R$ 68,3 milhões. A aquisição desses aparelhos foi usada inclusive como um dos motivos para a liberação imediata desses recursos por parte do governo estadual.

Desses equipamentos, 500 eram do modelo AX400, que foi classificado como inadequado pelo novo secretário de Saúde, Fernando Ferry. A compra desse tipo de aparelho foi anunciada como a gota d´água por Wilson Witzel para o rompimento do contrato com a OS.

Na tabela enviada pelo Iabas à Secretaria de Saúde na última sexta, porém, não há referência à aquisição de equipamentos deste modelo.

O que diz o Iabas

Na segunda, o blog enviou uma série de questões sobre as compras para a assessoria de imprensa da Organização Social Iabas, mas não houve retorno.

Na terça, após a publicação da reportagem, a OS enviou a seguinte nota à imprensa:

“O Iabas informa que, diante da pandemia, sistemas de saúde do mundo inteiro estão em busca de respiradores, o que leva à escassez do produto e, consequentemente, oscilação e aumento de preços.

Devido à falta do equipamento no mercado, o Iabas adquiriu 65 respiradores seminovos, calibrados, revisados e com garantia, de diferentes empresas para poder atender a população enquanto aguardava a chegada dos 500 respiradores novos que viriam da China.

O Iabas destaca ainda que de acordo com a Lei 13.979/2020, é possível a aquisição de respiradores usados, cuja eficiência é atestada por engenheiros clínicos. A compra dos cinco respiradores citada na matéria foi desfeita por inconsistência nos dados. Após avaliação e atesto do engenheiro clínico, o Iabas verificou que os dados bancários da citada empresa não batiam com os dados da Nota Fiscal, o que levou à devolução dos equipamentos e estorno do pagamento.

O Iabas reforça que sempre preza pela transparência da sua gestão e que todas essas informações estão na prestação de contas já enviadas aos órgãos competentes”.

*Foto em destaque: Hospital de campanha do Maracanã / Divulgação

**A reportagem foi atualizada às 10h40m desta terça com os esclarecimentos do sócio da The Fitness Club

***A reportagem foi atualizada às 11h07m desta terça com a nota do Iabas

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