Ex-deputado André Lazaroni, cujo ex-assessor tem parentes na Organização Social Inges

Os elos entre a nova OS do Estado do RJ e um ex-deputado

Enquanto anuncia a elaboração de novas regras que tornariam mais rígidos os critérios de credenciamento e seleção das Organizações Sociais, a Secretaria estadual de Saúde publicou esta semana a qualificação de mais uma entidade para atuar em unidades pré-hospitalares e hospitais pediátricos: o Instituto Nacional de Gestão em Educação e Saúde (Inges).

E o blog apurou que personagens ligados à OS têm proximidade com um político que, até pouco tempo atrás, ocupava uma das cadeiras da Alerj: o ex-deputado André Lazaroni, do MDB. Coincidentemente, o ex-parlamentar também foi citado recentemente na denúncia do Ministério Público da Operação Pagão, deflagrada no fim do mês passado, que terminou com cinco pessoas ligadas ao Instituto dos Lagos Rio presas.

O Inges é a primeira Organização Social que está sendo oficialmente qualificada na gestão do atual secretário de Saúde, Alex Bousquet. Já o Instituto dos Lagos Rio ganhou, na semana passada, um contrato que pode chegar a até R$ 14,3 milhões por um ano para gerir, de forma emergencial, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Nova Iguaçu. E, somente no governo Witzel, já recebeu R$ 373,9 milhões em empenhos (reservas de pagamento).

A reportagem enviou questionamentos por e-mail ao Inges, que negou qualquer relação com André Lazaroni**. Já o deputado disse não ter qualquer relação com o Inges ou o Instituto dos Lagos Rio.

A Secretaria de Saúde enviou nota (íntegra no fim do texto) em que afirma que não ocorreu “qualquer interferência política e externa” na qualificação da OS, que “apenas fica apta a participar dos chamamentos públicos que venham a acontecer”.

Parentes de ex-assessor

Ao analisar os documentos que constam do processo de credenciamento do Inges, o blog chegou a dois nomes que levam a André Lazaroni: Beatriz e Viviane Caliman Constantino. Elas são respectivamente filha e mulher de José Carlos Mariano Constantino, que nos últimos anos teve cargos comissionados no governo estadual e na Alerj, relacionados ao ex-parlamentar.

Fundada no fim de 2015, a Organização Social tem sede em Goiânia, mas, para se qualificar para atuar no Estado do Rio, teve que criar, este ano, um Conselho de Administração Específico, exigência da lei fluminense que rege o sistema de OSs. Em 5 de fevereiro, a dupla foi eleita para mandatos de quatro anos.

Escolhida para ser a representante do Poder Público no conselho da Organização Social, Beatriz Caliman Constantino é uma jovem de 20 anos, que está cursando odontologia, na Unigranrio, em Duque de Caxias. A estudante, que faz parte do grupo Atlética Odonto da universidade, relata em sua página no LinkedIn que a última experiência profissional foi como vendedora de uma loja de roupas na cidade da Baixada, entre agosto de 2019 e janeiro de 2020.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde, Beatriz não foi nomeada pelo Poder Público “porque a OS não possui nenhum contrato” com o estado. Porém, o próprio estatuto do Inges diz que esses representantes teriam que ser indicados pelo governador ou pelo secretário:

Viviane Caliman Constantino, mãe de Beatriz, foi escolhida para ser uma das representantes da sociedade civil no colegiado da OS. Mas, ao menos pelo que exibe nas redes sociais, não teria muita experiência no setor. Ela se apresenta como representante de uma marca de bijuterias.

Relação antiga

José Carlos Mariano Constantino teve seu primeiro cargo comissionado em 2011, quando foi nomeado consultor especial para Assuntos Parlamentares do gabinete de André Lazaroni na Alerj. Em março de 2013, quando o ex-parlamentar comandava a Secretaria estadual de Esportes, ele foi contemplado com uma função de assessor técnico da Suderj, que é subordinada à pasta.

O último cargo que exerceu no estado foi o de coordenador de Prestação de Contas da Secretaria de Cultura, de fevereiro de 2018 até janeiro de 2019. Lazaroni já havia comandado a pasta, mas passou a cadeira em seguida para outro apadrinhado, o oficial do Corpo de Bombeiros Leandro Sampaio Monteiro, responsável pela nomeação de Constantino à época.

Nos documentos de qualificação do Inges, há pelo menos mais um nome cujo passado recente também está ligado ao do ex-deputado: Pablo Filipe Morais Soares de Andrade. Ele aparece como dono do imóvel que foi alugado no Centro do Rio para abrigar a sede da OS no estado. O valor mensal do aluguel estipulado foi de apenas R$ 1 mil.

Advogado, Pablo Filipe já teve passagem pelo governo estadual exatamente pelas mãos de André Lazaroni. Em fevereiro de 2017, foi nomeado para a presidência da Fundação de Artes do Estado do Rio (Funarj), quando o ex-parlamentar estava no comando da Secretaria estadual de Cultura. Em março de 2018, passou a subsecretário de Planejamento e Gestão da mesma pasta, cargo que ocupou até o dia 27 de dezembro do ano passado.

Em abril deste ano, Pablo foi alvo de mandado de prisão na Operação Plantão Fase 2, que apura um suposto esquema de vendas de sentenças em plantões judiciais no Tribunal de Justiça do Rio.

Lagos Rio

Se tem conhecidos rondando a OS Inges, o mesmo acontece com André Lazaroni com o Instituto dos Lagos Rio. As ligações foram traçadas pelo Ministério Público na denúncia da Operação Pagão, que aponta desvios de mais de R$ 9 milhões em recursos da Saúde. Apesar de não ser réu nesse processo, o ex-parlamentar foi apontado pelos promotores como próximo de Sildiney Gomes Costa, que foi diretor de projetos da entidade em 2012 e que permaneceria tendo influência até os dias de hoje.

A ligação entre Lazaroni e Sildiney teria se evidenciado em 2013, quando uma ONG chamada Ascagel ganhou contratos de gestão durante a passagem do político pela Secretaria estadual de Esportes. Essa entidade chegou a ser gerida por Sildiney durante alguns anos.

Fotos que constam na denúncia do MP também mostram Sildiney e Lazaroni comemorando juntos a eleição para deputado estadual em 2014. Além disso, Felipe Andrade de Souza, um dos filhos de Juracy Batista, médico ligado à Organização Social que também foi preso, foi doador de campanha no mesmo ano do ex-parlamentar.

Mesmo sem mandato, André Lazaroni chegou a ser nomeado como subdiretor de Informática da Alerj, em fevereiro de 2019, com salário de R$ 31 mil. No mês seguinte, porém, saiu a pedido do cargo, alegando que cuidaria dos negócios da família.

Por e-mail, o ex-deputado negou qualquer relação com o Instituto dos Lagos Rio ou o Inges. Ele disse que não vê Sildiney Gomes Costa desde 2014 e José Carlos Mariano Constantino desde 2018.

O que diz a OS

Sobre as pessoas citadas na reportagem, o Inges enviou os seguintes esclarecimentos:

“Beatriz Caliman Constantino e Viviane Caliman Constantino foram recomendadas por José Carlos Mariano Constantino, mas sua indicação para o Conselho de Administração Específico ocorre formalmente pela Instituição Inges. O Inges se coloca à disposição para acatar eventual indicação da Secretaria de Saúde.

A Senhora Beatriz Caliman Constantino fora recomendada, sendo que o Inges não tem conhecimento de qualquer ato que a desabone como cidadã para fazer referida representação junto ao Conselho de Administração Específico. Tanto Beatriz, como qualquer outro membro, diretor ou conselheiro do Inges que eventualmente não tiver sua reputação ilibada, será afastado ou excluído da função, conforme for o caso.

O Sr. José Carlos Mariano Constantino não possui e não há qualquer expectativa de possuir qualquer tipo de vínculo direto com a instituição Inges ou mesmo ocupar cargos nesta. Não há expectativas ou qualquer cogitação para tal hipótese.

O Sr. Pablo Filipe Morais Soares de Andrade não possui qualquer relação com o Inges, e nem tão pouco fora cogitada a participação do mesmo, de qualquer forma. O Inges é uma instituição sediada em Goiânia, e que também detêm contratos de gestão em municípios do Estado do Espírito Santo, estando também qualificada como OS em municípios no Estado de São Paulo, e pretende concorrer em processos licitatórios no Estado do Rio de Janeiro. A locação da sala se dá por única e exclusiva exigência da legislação do Rio de Janeiro, que requer a indicação de domicílio no referido estado para fins de qualificação.

O Inges desconhece qualquer suposto histórico de trabalho dos senhores  Pablo Filipe Morais Soares de Andrade e José Carlos Mariano Constantino com o citado ex-deputado Sr. André Lazaroni. Na oportunidade, o Inges declara que nenhum de seus representantes legais conhece o citado parlamentar, ou já tivera qualquer tipo de contato com o mesmo”.

O que diz o governo

Já a assessoria de imprensa da Secretaria estadual de Saúde enviou a seguinte nota:

“A Secretaria de Saúde esclarece que a OS Inges está qualificada desde o ano passado*. Esta semana, houve apenas o andamento do processo e a publicação final. Por isso, a OS não precisou seguir as novas regras anunciadas pelo secretário de Estado, nas quais a SES ainda está trabalhando. O objetivo do trabalho é tornar as normas mais rigorosas para a qualificação das entidades sem fins lucrativos.

Para mudar as regras de qualificação será necessário aprovar um projeto de lei na Alerj, pois as normas que regem as qualificações das Organizações Sociais estão estabelecidas na Lei Estadual nº 6.043/2011, no Decreto Estadual nº 43.261/2011 e na Resolução Conjunta SECCG/SES 59/2019.  

É importante ressaltar que as pessoas citadas não foram nomeadas pelo Poder Público no Estado do Rio, porque essa OS não possui nenhum contrato com a Secretaria de Estado de Saúde. A qualificação não gera direito à celebração de contrato de gestão com o Poder Público, conforme o § 2o, do art.1º do Decreto n. 43.261/2011.

A OS apenas fica apta a participar dos chamamentos públicos que venham a acontecer. Inclusive, há entidades qualificadas que nunca assinaram contrato de gestão ou porque não venceram chamamento público algum, ou por falta de interesse de participar dos mesmos. 

Não houve qualquer ingerência das pessoas citadas pelo jornalista (André Lazaroni) no processo de qualificação. Pelas regras atuais, a entidade apresenta um quadro com a composição dos membros do Conselho de Administração, observando os percentuais de representação previstos em lei para cada categoria e especificando a classificação de cada conselheiro.

A Comissão de Qualificação é formada por servidores da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão e da Secretaria de Estado de Saúde. Ela faz uma análise documental da entidade, opinando pelo deferimento ou não do pleito, sem qualquer interferência política e externa.

O edital de chamamento público é o instrumento que atualmente contém as regras mais rígidas para as entidades qualificadas que desejam participar do certame. As propostas são submetidas à Comissão de Seleção, com membros totalmente distintos da Comissão de Qualificação.

A OS foi qualificada nas áreas de atuação: unidade pré-hospitalar e hospital pediátrico. Em tese, quanto mais entidades aptas a participar do chamamento público, mais concorrência nos certames, não deixando as unidades de saúde sempre sob a gestão das mesmas Organizações Sociais”.

*Nota do blog: A OS Inges apenas iniciou o seu processo de qualificação no fim do ano passado, conforme pode ser visto aqui. A entidade, porém, só passou a ser oficialmente qualificada após publicação de resolução conjunta dos atuais secretários de Saúde e de Planejamento, realizada em 27 de julho.

A título de comparação, quando perguntada em reportagem publicada pelo blog em 14 de julho a respeito da qualificação de outra Organização Social que teve diretores presos, a Secretaria estadual de Saúde alegou que “o processo havia tramitado pela área técnica, sem ter sido submetido ao secretário”, deixando claro que a decisão final caberia ao titular da pasta.

**A reportagem foi atualizada às 19h45m de sexta (31), com os esclarecimentos do Inges.

***Foto em destaque: André Lazaroni, na época em que ainda atuava na Alerj / Divulgação / Alerj / Rafael Wallace

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